Cesar Fueta
Cesar Fueta
Direito empresarial

Reflexões sobre a decisão do TST: demissão por justa causa pela recusa à vacinação.

O TST destacou que tanto o direito à vida como o direito à saúde são protegidos pela Constituição da República de 1988 e a vacinação obrigatória já era prevista na legislação brasileira.

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29 de novembro de 2023
Reflexões sobre a decisão do TST: demissão por justa causa pela recusa à vacinação.
Foto: Divulgação

A recusa à vacinação contra a COVID-19 gerou a demissão por justa causa de uma funcionária de um condomínio. Esta decisão foi contestada em juízo, mas a Justiça do Trabalho manteve a legalidade do desligamento em todas as instâncias. O caso chegou ao Tribunal Superior do Trabalho, que confirmou a validade da demissão da empregada que se recusou a se vacinar contra a COVID-19. No presente artigo vamos analisar os argumentos trazidos neste processo para uma reflexão trabalhista e empresarial.

O caso apreciado pela Justiça Trabalhista aconteceu em Aracaju. A empregada demitida por justa causa insurgiu-se contra seu desligamento. No entanto, a sentença de primeiro grau negou o pedido da trabalhadora para reversão da justa causa. Inconformada com a decisão do juízo, a empregada interpôs recurso para o Tribunal Regional do Trabalho. Os desembargadores mantiveram a sentença de primeiro grau, confirmando que a conduta da empregada estava enquadrada como ato de indisciplina e insubordinação.

O Tribunal Superior do Trabalho foi então chamado a se pronunciar por meio de um novo recurso interposto pela trabalhadora. No recurso, foram trazidas argumentações de que nem de moradores e nem de visitantes era exigido o comprovante de vacina, de forma que a conduta da empresa seria discriminatória. As razões recursais reconhecem que vacinação é importante, mas não seria obrigatória, principalmente por razões de saúde da empregada. O recurso destacou que ninguém é obrigado a fazer nada, senão em virtude de lei e que a demissão gerou danos morais que deveriam ser compensados. Segundo a trabalhadora, qualquer um tem o direito de não se vacinar, quer seja por opção religiosa ou filosófica ou até política. Em resumo, os fundamentos do recurso se baseiam na legalidade e em garantias constitucionais individuais, como a liberdade de pensamento e de crença.

Em defesa, a empresa destacou que a demissão ocorreu após advertência e suspensão, todas essas penalidades aplicadas pelo mesmo motivo: a recusa em se vacinar.

No processo, o conjunto probatório demonstrou que, apesar de todos os argumentos da trabalhadora, inexistia qualquer problema de saúde que fosse impedimento para a sua vacinação. Além disso, uma testemunha confirmou que a empregada se negou a tomar a vacina por motivos religiosos, e não por razões de saúde.

O Tribunal Superior do Trabalho, ao analisar o caso, destacou que a legislação brasileira, à época da pandemia, buscou soluções para o enfrentamento da calamidade pública. Estas soluções buscaram uma ponderação entre os direitos individuais – como o direito à liberdade e à propriedade – e os direitos coletivos. Com base nessa análise, concluiu o TST que a decisão da reclamante em não se vacinar, ainda que por questões religiosas, não poderia se sobrepor ao direito à vida e à saúde coletiva.

O TST destacou, ainda, que tanto o direito à vida como o direito à saúde são protegidos pela Constituição da República de 1988 e a vacinação obrigatória já era prevista na legislação brasileira. Nesse sentido, o Programa Nacional de Imunizações de 1973 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 contêm previsão da obrigatoriedade da vacinação.

Durante a pandemia da COVID-19, a Lei 13.979/2020 estabeleceu a compulsoriedade da vacina. Vale lembrar, também, que o Supremo Tribunal Federal confirmou o entendimento de que a vacinação compulsória é constitucional. Porém, a compulsoriedade não se confunde com a vacinação forçada. Assim, poderiam ser adotados meios indiretos para compelir uma pessoa à vacinação, a exemplo da restrição do exercício de certas atividades ou frequência determinados lugares. Neste ponto, verifica-se que a atividade empresarial sujeita-se à livre iniciativa e à liberdade de contratar, de forma que compete ao empregador estabelecer diretrizes negociais e os critérios de contratação mais adequados para sua empresa. Concluiu o TST, portanto, que a demissão por justa causa foi plenamente válida.

Nessa linha de raciocínio, dois pontos merecem destaque: o primeiro é que a empresa que exige dos empregados a adesão à vacinação contra Covid-19 atua de forma legítima uma vez que o direito à vida, à saúde e à proteção social são inegociáveis. Afinal, trata-se de estratégia negocial do empregador que estabelece os critérios e requisitos para contratação, da forma mais adequada ao seu modelo de negócio. Obviamente que se estes parâmetros obedecem à legislação, são congruentes e proporcionais, não há que se falar em atos discriminatórios.

O segundo ponto que convém destacar é o mais relevante. Vivemos em uma Democracia e, deste modo, a lei precisa acomodar os diversos interesses das mais variadas classes sociais, idade, crenças, sexo, etnias e tudo o que diz respeito à nossa condição humana. Estes interesses são equilibrados por meio de um sistema representativo, que envolve diálogo e negociação, protegendo valores universais, sem beneficiar ou prejudicar este ou aquele grupo de indivíduos. Por isso, no caso trazido neste artigo, ainda que a empregada tivesse sua convicção religiosa – que deve ser integralmente respeitada – essa opção individual não se sobrepõe à proteção da saúde coletiva. A demissão por justa causa, portanto, encontra amparo na legislação brasileira.

Por fim, para contribuir para nossa reflexão, vamos deixar o leitor com as precisas palavras de Barack Obama (em discurso citado no livro Tribos Morais de Joshua Greene): “A democracia exige que os religiosamente motivados traduzam suas preocupações em valores universais, e não especificamente religiosos. Exige que suas propostas estejam sujeitas à argumentação e sejam receptivas à razão. Eu posso me opor ao aborto por razões religiosas, mas, se busco aprovar uma lei banindo essa prática, não posso simplesmente indicar os ensinamentos de minha igreja ou evocar a vontade de Deus. Preciso explicar por que o aborto viola algum princípio acessível a pessoas de todas as crenças, incluindo aquelas que não professam nenhuma”.