Cesar Fueta
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Direito empresarial

O tratamento da liberdade de expressão nos Estados Unidos e no Brasil

Tema vem à tona especialmente no contexto de críticas governamentais no cenário brasileiro e de paródias no contexto norte-americano

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25 de abril de 2024
Vinicius Palermo
O tratamento da liberdade de expressão nos Estados Unidos e no Brasil
No Brasil, a Constituição da República de 1988 protege a liberdade de expressão, mas também estabelece bases para sua limitação

A liberdade de expressão é um direito fundamental das sociedades democráticas. É o direito que nos assegura falar, escrever e expressar pensamentos sem censura ou medo de retaliação. No entanto, a forma como esse direito é interpretado e aplicado pode variar significativamente de um país para outro, conforme sua legislação e jurisprudência. Neste artigo vamos analisar as proteções à liberdade de expressão nos Estados Unidos e no Brasil, tema este trazido à tona especialmente no contexto de críticas governamentais no cenário brasileiro e de paródias no contexto norte-americano, para visualizarmos como as diferenças culturais e jurídicas moldam esse direito fundamental.

Nos Estados Unidos, a Primeira Emenda da Constituição assegura a liberdade de expressão, oferecendo ampla proteção contra a interferência governamental. A jurisprudência americana historicamente defende o direito à livre expressão, mesmo quando o discurso é controverso ou ofensivo. Casos emblemáticos como Hustler Magazine v. Falwell de 1988 destacam a proteção da Suprema Corte dos EUA em relação à paródia e à sátira, considerando-as formas vitais de expressão social e política. A Corte Norte-Americana concluiu que o interesse em proteger a liberdade de expressão, conforme garantido pela Primeira Emenda, supera o interesse do Estado em proteger figuras públicas de discursos patentemente ofensivos, desde que tais discursos não possam ser razoavelmente interpretados como afirmações factuais reais sobre o seu assunto.

O Brasil apresenta um quadro legal que incorpora a necessidade de equilibrar no caso concreto a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais, como a honra, a segurança pública e o regime democrático. Para o sistema jurídico brasileiro, sempre que houver uma colisão entre quaisquer direitos fundamentais haverá a necessidade de ponderá-los. Esta técnica jurídica permite otimizar a aplicação dos valores constitucionais.

Portanto, no Brasil, a Constituição da República de 1988 protege a liberdade de expressão, mas também estabelece bases para sua limitação, especialmente quando este direito entra em conflito com outros direitos de igual importância constitucional. A jurisprudência brasileira frequentemente se utiliza dos princípios de razoabilidade e proporcionalidade para resolver tais conflitos, buscando um equilíbrio possível entre os direitos fundamentais, que proteja a dignidade humana e outros valores sem suprimir indevidamente o discurso crítico.

Atualmente, a regulamentação da liberdade de expressão nos dois países é severamente testada quando este direito é exercido nas redes sociais. Nos Estados Unidos, a proteção da liberdade de expressão aplica-se ao ambiente online, baseando-se na ideia de que a internet é uma arena pública essencial para a democracia. Esta conclusão foi reforçada em 2017, no caso Packingham v. Carolina do Norte, em que a Suprema Corte dos Estados Unidos considerou inconstitucional uma lei que restringia o acesso de criminosos sexuais às redes sociais, afirmando que tais restrições violavam a Primeira Emenda, que garante a liberdade de expressão. No Brasil, o Marco Civil da Internet incorporou ao sistema jurídico o princípio da neutralidade de rede e reforçou o princípio da liberdade de expressão. Essa legislação tem como objetivo garantir a liberdade no fluxo de informações e reduzir o controle exercido pelo Estado.

A diferença nas proteções à liberdade de expressão também se manifesta na forma como o humor e a paródia são tratados. Enquanto nos EUA a paródia é frequentemente vista como uma expressão protegida, no Brasil, o potencial ofensivo de tais expressões pode levar a consequências cíveis e criminais. Este tratamento diversificado destaca as variações culturais e as expectativas sociais sobre o que constitui discurso aceitável e o que ultrapassa os limites da liberdade de expressão.

Os aspectos culturais envolvendo a liberdade de expressão nos Estados Unidos são tão enraizados na sociedade americana que em caso recente, a empresa de publicação de notícias conhecida por suas sátiras e paródias – The Onion – solicitou o ingresso em processo judicial que tramita perante a Suprema Corte Norte-Americana. O caso envolve um cidadão condenado por criar uma página satírica no Facebook, parodiando a polícia de uma cidade no Estado de Ohio. The Onion não apenas defendeu a conduta do réu, mas também reafirmou a importância da paródia e da sátira como uma ferramenta de crítica social. A iniciativa da empresa reflete o compromisso da sociedade civil norte-americana em defender a liberdade de expressão.

Juridicamente, as diferenças do Brasil e dos Estados Unidos quanto à interpretação e à aplicação da liberdade de expressão frente a outros direitos refletem profundamente as peculiaridades de cada nação. Enquanto os EUA priorizam a proteção do discurso como um direito quase absoluto, o ordenamento jurídico brasileiro prevê um sistema em que é exigido do magistrado a busca do equilíbrio dos valores fundamentais em confronto, de acordo com o caso concreto.

Por fim, podemos concluir nesta breve análise comparativa da liberdade de expressão entre os Estados Unidos e o Brasil que o contexto social, cultural e jurídico de cada país desempenha um papel crucial na forma como os direitos fundamentais são interpretados e aplicados. Isso resulta em soluções jurídicas distintas sobre o mesmo direito fundamental, sem que essas abordagens estejam erradas ou enviesadas: elas apenas obedecem a sistemas diferentes e, por isso, podem gerar resultados diversos.