Cesar Fueta
Cesar Fueta
Direito empresarial

Os riscos de empreender numa sociedade de fato

Uma das questões que podem ser tratadas pelos empresários de forma prévia é a regulamentação da relação entre os sócios.

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30 de janeiro de 2024
Vinicius Palermo
Os riscos de empreender numa sociedade de fato
É preciso atenção com a regulamentação da sociedade.

A atividade empresarial, por si só, oferece riscos e incertezas para todo aqueles que decidem seguir o caminho do empreendedorismo. No entanto, a maioria dos desafios que surgem nesta jornada podem ser mitigados por meio de instrumentos jurídicos. Uma das questões que podem ser tratadas pelos empresários de forma prévia é a regulamentação da relação entre os sócios. Algo que pode ser simples quando analisado, discutido e formalizado previamente pode se tornar um emaranhado de problemas tão complexo que o nó não pode mais ser desatado e o fim da atividade empresarial torna-se a única opção. Neste artigo, falaremos da sociedade de fato, uma espécie societária frequentemente adotada pelos empresários, mas sem o necessário conhecimento de suas consequências. Portanto, vamos tratar das características e dos riscos da sociedade de fato.

O primeiro aspecto prático que merece destaque nas sociedades de fato reside no princípio da responsabilidade ilimitada dos sócios. Diferentemente das sociedades limitadas, em que a responsabilidade dos sócios é restrita ao valor de seus investimentos aportados no empreendimento, nas sociedades de fato, cada sócio pode ser chamado a responder com seus bens pessoais pelas dívidas da empresa, sem limitação. Ou seja, o patrimônio particular do sócio, que não foi destinado ao empreendimento, pode ser alcançado para responder pelas dívidas da sociedade. Esse conceito, embora visando a proteger os credores, coloca o patrimônio pessoal dos sócios em risco direto, de modo que cada decisão empresarial equivocada gera um risco aos bens particulares dos sócios.

Outro aspecto que gostaríamos de destacar é que as sociedades de fato normalmente se manifestam em três cenários distintos, cada um com suas peculiaridades e riscos: ausência de contrato entre os sócios, utilização de “laranjas” e a existência de contrato parcial entre os sócios.

O uso de “laranjas” é uma prática altamente arriscada, tanto para o sócio oculto assim como para o sócio que consta no contrato social. Este procedimento envolve registrar a empresa no nome de terceiros, os “laranjas”, que não têm participação real e efetiva nos negócios. Essa estratégia, que pretende ocultar os verdadeiros sócios, pode ter consequências devastadoras. Os “laranjas” encontram-se vulneráveis simplesmente por constarem no quadro societário de uma empresa que não possuem qualquer ingerência fática em sua condução. Já os sócios “ocultos”, embora inicialmente tenham a percepção de proteção por não estarem formalmente no contrato social, podem ser desmascarados e responsabilizados, especialmente se evidências de sua atuação efetiva na empresa vierem à tona. Assim, caso os credores demonstrem que os sócios verdadeiros não estão no contrato social, teremos a caracterização da sociedade de fato e de suas consequências, dentre elas a responsabilização ilimitada dos sócios pelas dívidas da sociedade, atingindo os bens particulares dos empreendedores.

Em algumas sociedades, apenas uma parte dos sócios figura no contrato social. Essa parcialidade cria um ambiente extremamente inseguro, no qual os sócios não registrados, apesar de contribuírem para o negócio, não possuem proteção legal ou reconhecimento formal. Em disputas societárias, essa falta de formalização pode levar a problemas significativos na partilha de ativos e passivos, bem como à responsabilização ilimitada dos sócios explicada acima.

De todos os cenários, o mais precário é aquele em que não há qualquer documento formalizando a sociedade. A definição de direitos, deveres e responsabilidades torna-se uma questão de prova, sujeita à interpretação de evidências indiretas, como trocas de e-mails, mensagens de Whatsapp e depoimento de testemunhas, o que cria grande insegurança e disputas longas e extremamente desgastantes. A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas da sociedade é mais óbvia nesta situação em que sequer há contrato.

Em relação à saída de sócios de uma sociedade de fato, este é um tema particularmente problemático. Sem regras claras estabelecidas em contrato, a retirada voluntária, a morte ou a incapacidade de um sócio podem tornar a atividade empresarial impraticável.

Na ausência de um acordo prévio, a determinação do valor da participação do sócio retirante torna-se uma fonte inesgotável de questionamentos, com disputas sobre a valoração da empresa e a parte que cabe a cada um.

A morte de um sócio integrante de uma sociedade sem contrato social arrasta a empresa para o lento e doloroso processo de inventário. A participação na sociedade de fato deve ser avaliada e destinada aos herdeiros em inventário que pode ser longo e repleto de embates sobre a efetiva participação do falecido.

No que se refere a situações de incapacidade, é imprescindível a realização de procedimentos legais para a gestão da parte do sócio incapaz, o que pode levar a disputas sobre a continuação, atribuição da administração da sociedade para um terceiro ou a própria dissolução da sociedade.

Diante de tudo que foi exposto, podemos concluir que a melhor forma de tratar os riscos inerentes às sociedades de fato reside na prevenção por meio da correta formalização da empresa entre os sócios. É essencial a elaboração de um contrato social que reflita verdadeiramente o empreendimento e a efetiva regulamentação da relação entre os sócios. Deste modo, as regras do jogo ficam claras e é possível assegurar a maior proteção possível ao patrimônio pessoal dos sócios. Essa é a maneira adequada para facilitar a resolução de disputas e alinhar o empreendimento com a agilidade típica das atividades empresariais.