Cesar Fueta
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Direito empresarial

O consumidor pode exigir o cumprimento de uma publicidade exagerada?

“O melhor carro do Brasil”. “O melhor sorvete da cidade”. Frequentemente o consumidor tem contato com publicidades exageradas como essas.

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22 de agosto de 2023
Vinicius Palermo
O consumidor pode exigir o cumprimento de uma publicidade exagerada?
Até quando a publicidade é apenas uma forma de chamar a atenção e quando ela passa a efetivamente vincular o fornecedor

“O melhor carro do Brasil”. “O melhor sorvete da cidade”. Frequentemente o consumidor tem contato com publicidades exageradas como essas. Porém, até quando essa publicidade é apenas uma forma de chamar a atenção e quando ela passa a efetivamente vincular o fornecedor, obrigando-o a cumprir o prometido? Este artigo pretende tirar esta dúvida.

Como uma poderosa ferramenta de persuasão, a publicidade busca capturar a atenção e guiar as decisões do consumidor.

Portanto, a publicidade é a comunicação desenhada com um propósito claro – vender algo. E para atingir tal objetivo, ela usa técnicas persuasivas, manipulando com habilidade as emoções, os desejos e as necessidades dos consumidores. Com isso, cria-se uma demanda para a compra de produtos e serviços.

A era digital expandiu consideravelmente o alcance da publicidade. Não mais restrita aos meios tradicionais, como televisão e mídia impressa, a publicidade encontra nas plataformas digitais – redes sociais, blogs, sites e aplicativos de mensagens – novos canais para atingir seu público. Estas plataformas, ao permitirem uma interação mais direta e personalizada com os consumidores, abrem caminho para campanhas altamente segmentadas, que se mostram mais eficazes.

No entanto, convém lembrar que a publicidade, em qualquer plataforma, tem implicações mais amplas do que a mera promoção de produtos e serviços. Ela desempenha um papel significativo na moldagem da cultura e dos valores sociais. As campanhas publicitárias não se limitam a promover uma marca; elas têm o poder de contar histórias, evocar emoções e gerar discussões significativas.

Considerando que a publicidade é uma ferramenta poderosa, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece normas que regulamentam a publicidade e a oferta dela decorrente. Neste caso é interessante a análise dos princípios da veracidade, da identificação e da vinculação.

O Código de Defesa do Consumidor proíbe a publicidade clandestina ou subliminar. A publicidade só é legal quando o consumidor puder identificá-la rapidamente e sem confusão. O consumidor precisa saber imediatamente que está sendo exposto a um anúncio publicitário, ou seja, que estão tentando lhe vender algo. É a previsão do artigo 36, caput, do CDC.

Já o princípio da veracidade estabelece que o consumidor não pode ser levado a erro. É necessário que a informação veiculada na publicidade seja real e autentica. Logo, a publicidade não pode ser enganosa (artigo 37, parágrafo primeiro, do CDC).

No que se refere ao princípio da vinculação, o artigo 30, do CDC estabelece que a publicidade vincula o fornecedor, desde que esta publicidade seja suficientemente precisa.

Analisando estes 3 princípios em conjunto, verificamos que a publicidade deve ser verdadeira, facilmente identificável e é vinculativa. Então como fica a questão do exagero na publicidade?

Para a publicidade exagerada foi criado o termo puffing. E esta prática é bastante comum. O exagero publicitário é uma forma de dar um destaque extra ao que está sendo anunciado, mas que não pode ser comprovado de forma objetiva. Logo, a empresa que veicula uma campanha publicitária afirmando vender “o melhor sorvete da cidade” está no campo do exagero e esta informação é puramente subjetiva. Afinal, cada consumidor tem um gosto diferente. Alguns preferem o sorvete da marca X, outros da marca Y. E justamente por ser questão de gosto não podemos determinar qual seria o melhor sorvete do Brasil. O mesmo raciocínio aplica-se ao “melhor carro do Brasil”.

Nesse sentido, o puffing não é proibido justamente porque lhe falta precisão. Como avaliar objetivamente qual é “o melhor sorvete da cidade” ou o “melhor carro do Brasil”? É impossível.

Na realidade, a questão principal não é exatamente saber se o puffing é proibido ou permitido. O ponto central é a vinculação à oferta apresentada.

Como visto, o princípio da veracidade estabelece que a publicidade deve veicular informações reais e não pode levar o consumidor a erro. Ao mesmo tempo, a publicidade suficientemente precisa vincula o fornecedor, de forma que ele é obrigado a cumprir aquela “promessa publicitária”.

Assim, quando o puffing puder ser avaliado objetivamente a publicidade passa a vincular o fornecedor ao cumprimento daquele compromisso. É o caso, por exemplo, da loja que proclama ter “o melhor preço da cidade”. Nesta situação, o consumidor poderia obrigar o fornecedor a cobrir uma oferta melhor de outra loja. Isto porque a publicidade é considerada verídica e sua precisão permite constatação objetiva.

A lição da maior doutrinadora brasileira sobre Direito do Consumidor é justamente neste sentido. Claudia Lima Marques ensina que, em regra, a utilização do puffing em relação a preço gera vinculação. E esta vinculação decorre da precisão. Para o Código de Defesa do Consumidor, basta que a precisão seja suficiente, não se exigindo que seja absoluta. A renomada professora conclui que a análise da suficiência da precisão é realizada em relação ao destinatário da oferta. Se houver potencial persuasivo, não se trata de simples exagero. (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2022).

Na prática, a vinculação da publicidade – inclusive daquela supostamente exagerada, mas suficientemente precisa – acarreta dois efeitos: o primeiro é que o fornecedor fica obrigado a contratar conforme a publicidade anunciada; o segundo é que as informações veiculadas na publicidade consideram-se incluídas no contrato, mesmo que este instrumento preveja cláusulas em sentido contrário.

Portanto, o consumidor terá o direito de exigir o cumprimento de uma publicidade exagerada, desde que ela possa ser verificada e comprovada objetivamente, bastando que seja suficientemente precisa.

Concluindo, é possível afirmar que a legislação assegura a transparência e veracidade nas campanhas publicitárias, exigindo que os fornecedores cumpram o que é veiculado, até mesmo aquela informação aparentemente exagerada, mas adequadamente clara e objetiva. Para os consumidores, isso significa um direito assegurado de exigir o prometido. Para os fornecedores, é um lembrete da obrigação de divulgar campanhas precisas e éticas, evitando repercussões legais negativas.