Cesar Fueta
Cesar Fueta
Direito empresarial

Inteligência artificial e direitos autorais: inspiração ou violação?

Várias empresas de criação e edição de imagens por meio de inteligência artificial utilizam obras de arte existentes para treinar seus algoritmos. As obras são “capturadas” na internet para alimentar os sistemas e os códigos dos programas destes softwares.

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06 de setembro de 2023
Inteligência artificial e direitos autorais: inspiração ou violação?
Foto: Divulgação

No atual mundo em que o domínio da tecnologia não apresenta limites, os avanços na Inteligência Artificial estão transformando múltiplas indústrias. Neste artigo falaremos da indústria das artes visuais. Essas mudanças trazem um conjunto crescente de dilemas jurídicos relacionados aos direitos autorais. Com base na Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), este artigo busca examinar a complexidade da relação entre inteligência artificial, a arte visual e os direitos autorais, assim como os desafios legais que os empresários enfrentam nesse cenário.

Várias empresas de criação e edição de imagens por meio de inteligência artificial utilizam obras de arte existentes para treinar seus algoritmos. As obras são “capturadas” na internet para alimentar os sistemas e os códigos dos programas destes softwares.

Neste cenário complexo de avanços tecnológicos e dilemas jurídicos, destaca-se o caso do “Rembrandt Project”. Este projeto foi uma iniciativa que utilizou algoritmos de aprendizado de máquina para “recriar” uma nova obra no estilo do pintor holandês Rembrandt van Rijn. Este trabalho levantou importantes questões sobre os direitos autorais, já que ele foi alimentado com dados de diversas obras originais de Rembrandt para sintetizar uma obra “inédita”. Embora Rembrandt tenha falecido há séculos e suas obras estejam em domínio público, o projeto suscita questões controversas em relação ao direito brasileiro e sobre como a Lei 9.610/98 poderia ser aplicada em casos semelhantes envolvendo artistas contemporâneos, cujas obras ainda estão protegidas.

Sobre a proteção das criações artísticas, a Lei 9.610/98 veda a utilização de obras intelectuais sem a autorização prévia e expressa de seu criador, conforme seus artigos 7º e 29. Portanto, em princípio, a captura de obras artísticas protegidas pela lei para servir de base de dados para os sistemas de inteligência artificial aparenta ser ilegal.

Contudo, existem argumentos a favor das empresas que usam a inteligência artificial para criação de imagens. Para os defensores destas novas tecnologias, a inteligência artificial cria algo totalmente inédito e, portanto, não infringe a lei. No máximo, teríamos mera inspiração em obras intelectuais já existentes.

Em contrapartida, são vários os argumentos para sustentar a tese de que as criações da inteligência artificial ofendem os direitos autorais. Afinal, o Artigo 7º, XI, da Lei 9.610/98 protege não só a obra em si, mas também suas “transformações”. Logo, as obras originais não seriam mera inspiração para a criação da inteligência artificial, mas sim um conjunto de dados a serem analisados pelos algoritmos. Assim apesar de surgir uma criação intelectual nova, a inteligência artificial, na realidade, realiza a alteração e a transformação das obras originais.

Nos Estados Unidos, a crise sobre direitos autorais e inteligência artificial já foi judicializada. Em São Francisco, três artistas (Kelly McKernan, Karla Ortiz e Sarah Andersen), ajuizaram um processo judicial em face de empresas como a Stability AI, fabricante do gerador de texto para imagem Stable Diffusion, e a galeria online DeviantArt e o Midjourney, alegando violação de direitos autorais.

Os artistas afirmam que não são fundamentalmente contra a inteligência artificial, mas se opõem a serem usados por ela. Eles estão em busca de compensações coletivas e de uma medida judicial que proíba empresas de utilizar suas criações artísticas sem permissão.

Nesse processo que tramita em tribunal norte-americano, as empresas de inteligência artificial argumentam que as imagens geradas são “inteiramente novas e únicas” e não infringem os direitos autorais, pois são baseadas em prompts textuais e aprendizados de máquina.

A rápida disseminação de criadores de imagens deve muito a um massivo repositório de pesquisa, chamado LAION (Large-scale Artificial Intelligence Open Network), gerido por um acadêmico em Hamburgo, Alemanha.

Christoph Schuhmann, gestor da LAION, afirmou não se arrepender sobre o projeto sem fins lucrativos. Ele não é parte em nenhuma ação judicial e conseguiu em grande medida evitar questões de direitos autorais ao criar um diretório de links para imagens de acesso público, em vez de armazená-las. No entanto, Schuhmann compreende as preocupações dos artistas.

“Em breve, qualquer pessoa será capaz de criar qualquer tipo de conteúdo — seja vídeo, imagem ou texto. Se você pode especificar algo, você será capaz de gerá-lo de modo que seja indistinguível de trabalhos feitos por humanos”, comentou Schuhmann em uma entrevista.

O que podemos observar é que o atual cenário gera grandes controvérsias jurídicas para o futuro da arte. À medida que a inteligência artificial avança, o papel humano na criação artística fica cada mais questionado. Isso levanta reflexões sobre a originalidade e autenticidade, conceitos altamente valorizados nas leis de direitos autorais.

Para as empresas que prestam serviços ou comercializam produtos baseados na conexão entre inteligência artificial e direitos autorais, fica a reflexão sobre a necessidade de adotar uma abordagem cautelosa e preventiva.