As formas de consumo na sociedade atual evoluíram rapidamente. As lojas físicas deram lugar aos ambientes virtuais e ao desenvolvimento da economia de plataforma. Este fenômeno crescente e em constante mudança, impacta diretamente na forma como o Direito regulamenta as relações de consumo. Neste artigo, falaremos de um direito específico contido na legislação consumerista: o direito de arrependimento do consumidor. Trataremos da atual legislação e da necessidade de sua modernização.
Verdade seja dita: o Direito sempre esteve a um passo atrás da realidade social que ele pretende regulamentar. Porém, esse “atraso” nunca foi tão sentido quanto nos tempos atuais, em que as mudanças são bruscas, repentinas e disruptivas. O impacto das novas tecnologias nas relações de consumo gerou uma verdadeira revolução nos meios de oferta de produtos e serviços pelos fornecedores.
Segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico, de 2017 a 2022, o faturamento deste mercado no Brasil cresceu quase 182%, somando R$ 169,6 bilhões em 6 anos. Os pedidos online aumentaram 163% no mesmo período, atingindo a marca de R$ 368,7 milhões em 2022. Certo é que estes números foram incrementados pela pandemia do Covid-19, o que acelerou essa tendência.
A diversidade e a obsolescência dos produtos tornaram o consumo cada vez mais rápido e dinâmico. Ademais, a publicidade tomou novas dimensões. O marketing digital expõe o consumidor a práticas publicitárias onipresentes e extremamente persuasivas. Consequentemente, o consumo de produtos e serviços passou a ser mais rápido e impulsivo, principalmente em razão da evolução dos estudos sobre a economia comportamental capitaneada por Daniel Kahneman. E é justamente em relação à impulsividade que o direito de arrependimento surge no contexto do Direito do Consumidor.
Na legislação brasileira, o direito de arrependimento surgiu originalmente como uma proteção ao consumidor em compras à distância ou realizadas fora do estabelecimento comercial. Previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), esta norma permite que o consumidor desista de um contrato, dentro de sete dias, em compras feitas fora de estabelecimentos comerciais, especialmente por telefone ou a domicílio. Ao exercer esse direito, os valores pagos pelo consumidor serão atualizados e devolvidos de imediato.
A simples leitura da norma legal já demonstra sua obsolescência. Afinal, compra fora do estabelecimento comercial é comum, porém não por telefone ou a domicílio, mas sim pelo celular, computador, tablet e outras tecnologias. Nesse ponto, o Decreto 7.962/2013 veio em auxílio ao CDC.
Este Decreto regulamenta a contratação no comércio eletrônico e deixa expressamente consignado que o direito de arrependimento também se aplica a esta modalidade de consumo. Além disso, essa norma exige dos fornecedores a clara informação sobre como exercer este direito e a obrigação de confirmar imediatamente o recebimento da manifestação de arrependimento do consumidor.
Apesar do esforço legislativo, certo é que a regulamentação ainda precisa ser aprimorada para garantir a segurança jurídica não só dos consumidores, mas também dos fornecedores. A lei atual não regulamenta vários aspectos essenciais do direito de arrependimento, como por exemplo as exceções a este direito, os prazos dos fornecedores para devolução do reembolso e a responsabilidade pelos custos na devolução de produtos. Como resultado dessa lacuna, os Tribunais têm se manifestado pontualmente sobre os limites do direito de arrependimento.
Em casos envolvendo produtos perecíveis, digitais, ou feitos sob medida, verificamos decisões judiciais que flexibilizam o direito de arrependimento. Isso ocorre tanto pela inviabilidade na revenda do item pelo fornecedor após sua devolução, assim como pela natureza desses produtos, que permite seu uso imediato ao serem disponibilizados ao consumidor.
Essa foi a conclusão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ/DF) quando analisou um processo que tratava da aquisição de álbuns de fotografia: o direito de arrependimento não se aplica automaticamente a todas as compras feitas à distância. Deve ser usado apenas quando o consumidor precisa ter certeza sobre o que está comprando, especialmente quando não conhece bem o produto ou serviço.
Para serviços personalizados, em que inexistem dúvidas sobre o que se está adquirindo, esse direito não se aplica. Segundo o TJ/DF, o consumidor não pode desistir de uma compra apenas por mudar de ideia, sem motivos reais e justificados (Recurso Inominado 20134005482).
Na busca pela modernização do direito do consumidor, foi elaborado o Projeto de Lei 3.514/2015, oriundo do Senado Federal. Este projeto pretende atualizar o CDC, propondo alterações no artigo 49 e introduzindo novas disposições para regular o comércio eletrônico, incluindo a regulamentação do direito de arrependimento.
As modificações sugerem maior proteção ao consumidor, como a determinação de que o fornecedor informe sobre o direito de arrependimento de forma prévia e ostensiva, e a devolução em dobro do valor pago em caso de descumprimento.
Por meio dessa norma, pretende-se também expandir o direito de arrependimento para todas as contratações à distância, detalhando o que constitui este tipo de contratação, principalmente nas situações em que o consumidor não pode examinar previamente o produto ou serviço.
Esse mesmo projeto de lei propõe alterar a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro para aperfeiçoar as normas sobre contratos internacionais de consumo, garantindo maior proteção ao consumidor brasileiro em transações internacionais.
A nova redação sugere que tais contratos sejam regidos pela lei do local de celebração ou pela lei brasileira, se mais favorável ao consumidor, especialmente quando houver atividades de marketing direcionadas ao Brasil.
Todas essas iniciativas são muito bem-vindas na medida em que refletem o esforço para adequar a legislação às novas realidades do comércio eletrônico e proteger os consumidores e fornecedores. A legislação atual, incluindo o direito de arrependimento, mostra-se desatualizada frente ao dinâmico comércio eletrônico. O Projeto de Lei 3.514/2015 representa um passo importante para a atualização e manutenção da relevância do direito do consumidor diante do mundo digital.