Cesar Fueta
Justiça

Direito e economia: a importante perspectiva do STF no ramo imobiliário

Na semana passada, o STF reconheceu a constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial nos contratos de mútuo com alienação fiduciária de imóvel, pelo Sistema Financeiro Imobiliário

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31 de outubro de 2023
Vinicius Palermo
Direito e economia: a importante perspectiva do STF no ramo imobiliário
Direito e economia se aproximam em questões relacionadas ao ramo imobiliário.

Recentemente foi amplamente noticiada uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que envolve o ramo imobiliário. No caso, foi reconhecida a constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial previsto na Lei 9.514/1997 – norma que trata da alienação fiduciária de imóveis. Apesar da grande importância desta decisão, o que pretendemos ressaltar neste artigo é a manifestação do Ministro Luiz Fux acerca da Análise Econômica do Direito (Law and Economics). Este tema foi trazido como parte da fundamentação do Ministro e por vezes é mal compreendido até mesmo no mundo jurídico. Por isso, vamos trazer os contornos básicos da Análise Econômica do Direito e demonstrar a importância prática desta teoria jurídica.

Na semana passada, o STF reconheceu a constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial nos contratos de mútuo com alienação fiduciária de imóvel, pelo Sistema Financeiro Imobiliário – SFI, conforme previsto na Lei n. 9.514/1997. O caso tratava de um financiamento imobiliário de 239 parcelas, sendo que o mutuário pagou 11 delas. Diante disso, a instituição bancária deu início a um procedimento em cartório para recuperar o imóvel e colocá-lo à venda em leilão. O mutuário ajuizou um processo para impedir o leilão, alegando que a recuperação do bem pelo banco não deveria ter sido tramitada em cartório como prevê a lei e o contrato, mas sim necessitaria de uma decisão judicial. Entretanto, o pedido do mutuário foi rejeitado em todas as instâncias.

No Supremo Tribunal Federal, o relator do caso – Ministro Fux – apresentou ampla e sólida fundamentação para concluir pela constitucionalidade da referida lei. Dentre os argumentos pela compatibilidade da lei com a Constituição, o Ministro ressaltou a análise do caso pelo prisma da Análise Econômica do Direito.

O que seria, portanto, a Análise Econômica do Direito (AED)?  A AED é uma teoria jurídica que se utiliza das ferramentas econômicas no Direito. Assim, é possível avaliar como os agentes sociais respondem a uma estrutura de incentivos jurídicos. De forma muito simples e direta: a Análise Econômica do Direito é uma teoria do comportamento humano aplicada ao Direito.

A verdade é que a forma tradicional e dogmática de estudo do Direito nunca ofereceu um instrumento para que os juristas avaliassem as consequências de suas decisões. Na lição do Professor Ivo Gico Jr: “Por essa razão, em sua prática cotidiana, [os juristas] voltaram-se ao exercício de análise e classificação de normas e regras em abstrato, cujo principal instrumento (hermenêutica) em larga medida não passa de um jogo de palavras sob o qual escolhas reais são ignoradas ou simplesmente escamoteadas”.

Nesse sentido, a AED busca aproximar o Direito da realidade que ele pretende normatizar, permitindo que haja uma melhor compreensão dos fenômenos sociais e auxilia na tomada de decisões jurídicas mais fundamentadas e racionais. Por meio dessa teoria jurídica, as leis passam a ser avaliadas de acordo com as suas reais consequências sobre a sociedade.

A AED, quando revela ao jurista a importância das consequências práticas das normas jurídicas, cria dois questionamentos fundamentais que devem ser respondidos: (i) quais são os efeitos de uma regra jurídica; e (ii) qual norma jurídica seria a mais apropriada para ser implementada? Ou seja, é uma análise do impacto do Direito no mundo real e o impacto da realidade no Direito.

A aplicação da Análise Econômica do Direito permite que o jurista veja o Direito como um sistema que estabelece custos e benefícios. Por ser uma teoria do comportamento aplicada ao Direito, a AED destaca que as pessoas baseiam suas ações nesses incentivos. Esta visão procura entender os motivos e impactos das leis, busca antecipar a reação dos cidadãos e das autoridades perante uma regra específica. Além disso, a AED auxilia na análise de como essa reação mudaria na realidade se a regra legal fosse modificada.

Considerando essa rápida apresentação da Análise Econômica do Direito, podemos compreender melhor a importância desta teoria jurídica para servir como um dos fundamentos da decisão do Ministro Luiz Fux, que aliás, é um dos adeptos no Brasil da Law and Economics.

O Ministro Fux ressaltou que ao firmar um contrato de mútuo com garantia de alienação fiduciária, o fiduciante aceita a execução extrajudicial conforme a Lei nº 9.514/1997. Esta lei representa uma estratégia econômica para facilitar o acesso ao financiamento imobiliário com taxas de juros mais baixas. Tal abordagem, além de aliviar o Judiciário, se alinha a uma tendência global de desburocratização, focando em uma análise econômica que busca otimizar e simplificar processos, beneficiando o mercado imobiliário e os consumidores.

Ademais, no Brasil, a tendência de desjudicialização do processo de execução é observada justamente em relação ao crédito imobiliário, que busca entregar uma resposta judicial mais rápida ao cidadão. Este viés é inspirado pela Análise Econômica do Direito, que reconhece a litigância como um mecanismo custoso. Logo, o processo judicial é preferível quando seus custos são menores que os benefícios sociais, como salientado pelo Professor Steven Shavell de Harvard. Esta perspectiva objetiva otimizar os recursos judiciais e promover resoluções mais rápidas e econômicas de conflitos.

Em suma, a decisão demonstra que o reconhecimento da validade da Lei 9.514/1997 consagra a existência de um mecanismo seguro e rápido para assegurar o cumprimento do contrato de alienação fiduciária do imóvel. Como consequência, inexiste a necessidade de judicializar a retomada do imóvel pela instituição financeira quando observadas as regras desta lei. Tal medida contribui para que não se sobrecarregue ainda mais o Judiciário. E, por fim, a validade deste mecanismo de execução extrajudicial garante segurança ao crédito das instituições financeiras, o que acarreta juros mais baixos para os contratos de alienação fiduciária de imóveis.

É certo que a aplicação da Análise Econômica do Direito por si só não seria suficiente para justificar a constitucionalidade da Lei 9.514/1997, sendo imprescindível a tradicional análise dogmática do Direito. Porém, é indiscutível a relevância desta teoria para que as decisões judiciais estejam de acordo com a realidade que pretendem influenciar.

Em conclusão, esperamos que a Análise Econômica do Direito seja cada vez mais compreendida e aplicada, tanto em decisões judiciais como no processo legislativo. Afinal, é salutar para sociedade e para a economia que o Direito ande lado a lado com a realidade.