Suellen Escariz
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Pelo mundo

Evolução ou Retrocesso

A Assembleia Nacional Francesa aprovou como lei constitucional o direito à “interrupção voluntária da gravidez”

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07 de março de 2024
Vinicius Palermo
Evolução ou Retrocesso
Manifestantes pró-aborto em ação na França

O dia 4 de março de 2024 foi marcado por um acontecimento histórico, a Assembleia Nacional Francesa, reunida em Versalhes, aprovou como lei constitucional, passando a integrar a Constituição nacional, o direito à “interrupção voluntária da gravidez”, Após horas de debate, 780 dos 925 parlamentares presentes votaram a favor.

O aborto, que já é uma prática permitida em vários países europeus, ao longo dos anos e na perspectiva jurídica passou por uma grande “evolução”, já foi considerado prática criminosa punível, depois, foram abertas exceções para situações excepcionais, posteriormente passou a ser permitido em qualquer circunstância até um limite gestacional e agora passa a status de direito fundamental.

De acordo com as palavras do Primeiro-Ministro francês, a referida previsão constitucional trata-se de assegurar a irreversibilidade de um direito, inscrevendo-o na lei fundamental, dirigindo-se às mulheres, declarou que “o vosso corpo vos pertence e ninguém tem o direito de dele dispor em vosso lugar” (compreendendo-se excluídas desse direito, obviamente, as mulheres que se encontram em formação intrauterina).

Com esta alteração, impulsionada pela maioria simples de Emmanuel Macron, a França passa a ser o único país no mundo a prever o aborto como um direito constitucional. Existindo apenas um precedente histórico de inclusão do aborto numa Carta Magna, na Constituição de 1974 da extinta Jugoslávia (1918-1992).

O direito ao aborto existe desde 1975 na França, entretanto, a preocupação da maioria parlamentar seria que tal “direito” deixasse de existir, como aconteceu nos Estados Unidos, na Polónia e na Hungria. Considerando a garantia do aborto como um direito constitucional, a maioria parlamentar entende que tal previsão “protegerá as mulheres do país da eliminação do direito ao aborto através de uma lei ordinária promovida por uma potencial maioria reacionária.” Ou seja, a decisão busca “proteger” a população de uma possível mudança de ideias de forma democrática.

O primeiro-ministro francês saudou a decisão do parlamento, sublinhando que este é mais um passo no caminho para a igualdade.

“Ainda estamos muito longe do fim do caminho. Mas, passo a passo, a igualdade está se aproximando. Ao garantir a liberdade de interromper uma gravidez na nossa Constituição, estamos dando uma segunda vitória à Simone Weil e a todos aqueles que prepararam o caminho. Acima de tudo, enviamos uma mensagem a todas as mulheres, o teu corpo te pertence e ninguém tem o direito de dispor dele no teu lugar”, declarou Gabriel Attal.

Pontos a refletir: é correto proceder alterações ao texto constitucional para dar caráter perpétuo a um entendimento jurídico em tendência de mudança? É correto transformar a prática de um crime em direito fundamental? Após ter uma legislação tão antiga, e possivelmente constar que não é o melhor caminho, a população francesa não terá o direito de mudar a perspectiva de forma democrática?


Suellen Escariz – Advogada e Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra – Instagram