Cesar Fueta
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Direito empresarial

A condenação da UBER e a necessidade de modernização do Direito do Trabalho

Foi noticiado recentemente a condenação da UBER no pagamento de indenização no valor de R$ 1 bilhão de reais, além de outras determinações decorrentes do reconhecimento do vínculo de emprego.

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20 de setembro de 2023
Vinicius Palermo
A condenação da UBER e a necessidade de modernização do Direito do Trabalho
A Uber leva discussões sobre relações de trabalho em todos os países onde atua.

Foi noticiado recentemente a condenação da UBER no pagamento de indenização no valor de R$ 1 bilhão de reais, além de outras determinações decorrentes do reconhecimento do vínculo de emprego. A decisão reflete a tradicional orientação dos operadores do Direito do Trabalho em acirrar a litigiosidade e tratar demandas trabalhistas como uma luta de classes – tudo isso em detrimento da economia e do bem-estar social. O presente artigo pretende convidar o leitor a refletir sobre a necessidade urgente de modernização do Direito do Trabalho para que a relação capital-trabalho seja regulamentada (e aplicada) de forma útil e eficiente.

Em um cenário onde as relações de trabalho estão em constante evolução, o Judiciário Trabalhista enfrenta desafios significativos com a tecnologia e modernização das formas de prestação de serviço.

No entanto, é relevante reconhecer que a atualização do Direito do Trabalho não é uma tarefa que recai apenas sobre os ombros dos magistrados. Advogados, Ministério Público do Trabalho, Sindicatos e diversas outras entidades, também têm um papel fundamental a desempenhar. A evolução tecnológica e as novas formas de prestação de serviço exigem uma atualização não apenas nas leis, mas também nas práticas e abordagens desses profissionais. O desafio é coletivo e requer uma abordagem colaborativa e multidisciplinar. A modernização eficaz do sistema só será possível com a contribuição e o comprometimento de todos os atores envolvidos no universo jurídico trabalhista.

A decisão que condenou a UBER revela que um dos grandes desafios do Direito do Trabalho é o tratamento do conflito capital-trabalho. Tradicionalmente, os operadores do Direito Trabalhista enxergam as lides entre empregados e empregadores sob o viés da luta de classes. Esta abordagem acirrou a litigiosidade e fomentou interesses antagônicos, e os operadores do Direito nos parecem ter dificuldade em aceitar a modernização das relações de trabalho.

Nesse sentido, para contribuir com o debate e enriquecer o presente artigo, sem tecer críticas específicas a decisões judiciais, é importante citar trecho da fundamentação judicial que condenou a UBER:

“A sonegação de direitos mínimos, a desproteção social, o ser deixado à margem, foram atitudes tomadas pela Ré de forma proposital, ou seja, ela agiu dolosamente no modo de se relacionar com seus motoristas. Não se trata nem sequer de negligência, imprudência ou imperícia, mas de atos planejados para serem realizados de modo a não cumprir a legislação do trabalho, a previdenciária, de saúde, de assistência, ou seja, agiu claramente com dolo, ou se omitiu em suas obrigações dolosamente, quando tinha o dever constitucional e legal de observar tais normas” – grifo nosso. (Ação Civil Pública 1001379-33.2021.5.02.0004).

Este tipo de visão tem origem na interpretação conflituosa da relação capital-trabalho no Direito do Trabalho brasileiro, em que o capital é frequentemente visto como a parte “opressora” e o trabalho como a parte “oprimida”. Esta ótica, embora tenha suas raízes em graves desigualdades sociais e econômicas, tornou-se ultrapassada em um mundo de relações de trabalho cada vez mais complexas e multifacetadas. A abordagem tradicional frequentemente resulta em uma litigiosidade excessiva, alimentada por uma interpretação equivocada e muitas vezes inflexível da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Tal postura não apenas perpetua um ambiente de antagonismo entre empregadores e empregados, mas também desencoraja a inovação e impede a evolução do Direito Trabalhista.

Como consequência da falta de flexibilidade do Direito do Trabalho, é comum que leis existentes deixem de ser aplicadas sob o fundamento da proteção à parte mais fraca da relação de emprego. Tal conduta é responsável por grave insegurança jurídica que afeta tanto empregadores quanto empregados. A Lei 13.467 de 2017, por exemplo, trouxe tecnologia jurídica que poderia ter sido utilizada para modernizar o Direito do Trabalho, mas os instrumentos ali previstos foram amplamente ignorados ou mal interpretados.

A litigiosidade excessiva e a falta de modernização do Direito Trabalhista têm um impacto direto na sociedade e na economia. Os empresários resistem em contratar, os investidores se tornam excessivamente cautelosos e o ambiente de negócios torna-se hostil. Além disso, a resistência à modernização e à flexibilização das relações de trabalho contribui para um cenário onde apenas o “tradicional vínculo empregatício” é valorizado, ignorando outras formas de trabalho dignas e legítimas.

É chegado o momento em que o Direito do Trabalho não pode mais fugir de sua modernização, sob pena de fortalecer os argumentos de sua extinção. Além disso, a litigiosidade e a abordagem conflituosa da relação capital-trabalho prejudicam toda a sociedade. É hora de uma reavaliação séria e de uma modernização que leve em conta as complexidades do mundo do trabalho moderno. Ignorar essa necessidade é prejudicar a sociedade e a economia e, em última análise, os próprios trabalhadores.

A relação capital-trabalho não pode mais ser vista apenas como uma batalha entre o bem e o mal; ela é complexa e requer uma abordagem jurídica mais moderna, sob pena de sacrificar a sociedade em prol de teorias jurídicas e filosóficas ultrapassadas.

Também é necessário compreender que a relação de emprego, tal como é definida e tutelada pelo Direito do Trabalho brasileiro, não pode ser dissociada do sistema capitalista em que está inserida. O capitalismo é o modelo econômico que possibilita a existência e o funcionamento das empresas, que geram lucro e, para tanto, necessitam empregar trabalhadores. Sem o empreendedorismo, a figura do empregador é esvaziada e, consequentemente, elimina as relações de emprego. Ignorar a interdependência entre o sistema capitalista e a relação de emprego é contraproducente e compromete a eficiência da proteção aos direitos dos trabalhadores tão aclamada – com razão – pelo Direito do Trabalho.

Por fim, aqui fica o desejo de que o Direito Trabalhista se modernize para resgatar sua relevância e assim regulamentar de forma eficaz as novas relações de trabalho.