Fernanda Valadares
Fernanda Valadares
Planejamento Familiar

Cláusulas restritivas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade

As cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade são dispositivos jurídicos que impõem restrições aos direitos de propriedade de um bem.

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02 de janeiro de 2024
Vinicius Palermo
Cláusulas restritivas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade
A jurisprudência tem evoluído na interpretação da desconsideração das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade

As cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade são dispositivos jurídicos que impõem restrições aos direitos de propriedade de um bem. Amplamente utilizadas no planejamento patrimonial e sucessório, especialmente em casos de doações e testamentos, essas cláusulas têm o propósito de salvaguardar o patrimônio familiar, garantindo sua preservação e continuidade ao longo das gerações. No contexto testamentário, a estipulação das cláusulas sobre os bens da legítima, ou seja, os bens assegurados por lei aos herdeiros necessários, apenas poderá ser declarada se houver justa causa, ou seja, um motivo justo.

A cláusula de incomunicabilidade visa preservar o patrimônio de eventual comunhão de bens entre os cônjuges, assegurando que o bem não seja incluído em partilhas decorrentes de divórcio, por exemplo, no casamento regido pela comunhão universal de bens. Já a cláusula de impenhorabilidade visa proteger o bem de ser penhorado para o pagamento de dívidas do proprietário. Por fim, a cláusula de inalienabilidade impede a transferência da propriedade do bem a terceiros por meio de venda, onerosa ou gratuita, ou qualquer outro ato jurídico que implique na alienação do bem. Vale destacar que, ao ser instituída, a cláusula de inalienabilidade implica automaticamente na impenhorabilidade e incomunicabilidade do bem.

É crucial ressaltar que cabe ao proprietário do bem instituir tais cláusulas apenas no caso de bens doados ou elencados em testamento, não cabendo que o próprio titular impor tal cláusulas em seu próprio bem. As cláusulas, portanto, podem ser gravadas de forma temporária ou vitalícias. Sendo temporárias, duram o tempo estipulado pelo doador ou testamenteiro; já no caso de serem vitalícias, vigoram até o falecimento do futuro novo proprietário do bem. Um exemplo comum da aplicação dessas cláusulas é quando pais, preocupados com filhos pródigos, gravam os bens da herança com restrições, temendo que os herdeiros dissipem o patrimônio.

No entanto, o caráter restritivo dessas cláusulas muitas vezes engessa o herdeiro na administração dos bens, levando-o a buscar a intervenção judicial para analisar a possibilidade de exclusão da cláusula registrada em cartório.

Antigamente, na legislação do Código Civil de 1916, o artigo 1.676 estabelecia que tais cláusulas não poderiam ser invalidadas por atos judiciais, salvo em casos específicos, como expropriação por necessidade ou utilidade pública. Contudo, a jurisprudência atual e os Tribunais têm adotado uma interpretação mais flexível, especialmente quando a manutenção de tais cláusulas prejudica os legítimos interesses do beneficiário.

A orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) destaca que a desconstituição dessas cláusulas pode ser admitida quando necessária para o melhor aproveitamento do patrimônio deixado, alinhando-se à intenção real dos testadores. Com isso, em regra, apesar de as cláusulas serem estabelecidas para proteger o herdeiro, em alguns casos, a manutenção delas pode tornar prejudicial aos próprios interesses do herdeiro, impedindo-o de usufruir plenamente do patrimônio recebido. A jurisprudência, portanto, ressalta que a rigidez da cláusula deve ser interpretada com temperamento, permitindo sua flexibilização quando houver real conveniência ou manifesta vantagem para o beneficiário. É o caso, por exemplo, de um herdeiro que recebe um imóvel para moradia gravado com a cláusula de inalienabilidade, mas não tem renda o suficiente para manter o pagamento das despesas com os acessórios, como condomínio e IPTU.

Nesses casos, faz-se necessário que o herdeiro venha a requerer a desconstituição da cláusula de inalienabilidade para que possa vender o bem e administrar a renda da melhor forma possível, seja comprando um imóvel de menor valor, seja investindo, mas de forma a permitir que utilize de fato a herança recebida. Outra forma, no entanto, de exclusão da cláusula de inalienabilidade é a sub-rogação, quando há troca do bem gravado por outro bem de igual ou maior valor. E nesse contexto, considerando que os herdeiros possuem outros bens, não haveria risco de desestabilizar a entidade familiar e algum outro bem seria gravado com a cláusula na manutenção do bem na família.

Temos ainda a terceira forma de exclusão das cláusulas restritivas e envolve a concordância expressa do doador, quando a instituição do gravame foi realizada via doação em vida, e o doador ainda esteja vivo.

Em conclusão, a jurisprudência tem evoluído na interpretação da desconsideração das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, permitindo sua flexibilização quando necessário para preservar os reais interesses dos beneficiários, sem desconsiderar a proteção do patrimônio familiar.