Fernanda Valadares
Fernanda Valadares
Planejamento Familiar

Direito real de habitação – o que é e o que afeta a vida do cônjuge sobrevivente e dos herdeiros?

A decisão sobre o regime de bens em um casamento pode passar despercebida por muitos casais, sendo que alguns nem mesmo estão cientes da possibilidade de escolha, que, na maioria dos casos, é viável.

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03 de abril de 2024
Vinicius Palermo
Direito real de habitação – o que é e o que afeta a vida do cônjuge sobrevivente e dos herdeiros?
o direito real de habitação garante ao cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens o qual foi casado, o direito de permanecer no imóvel residencial do casal

No âmbito do direito sucessório, a legislação aplicável é aquela vigente à data do falecimento do indivíduo. Tal premissa é atualmente a regra, e o que antigamente era aplicado no âmbito sucessório, pode ser que hoje, com a alteração do código civil em 2002 não mais se aplique. E isso foi o que aconteceu com o direito real de habitação. Que no código civil de 1916 condicionava o direito real de habitação à manutenção do estado de viuvez e ao casamento no regime de comunhão parcial de bens ou separação absoluta.

Desta forma, antigamente a viúva ou viúvo não poderia contrair novo casamento caso desejasse se manter residindo no imóvel que não tinha direito por herança ou meação. O que podia garantir a moradia da viúva era o direito real de habitação, como garantia constitucional do direito à moradia ao cônjuge sobrevivente.

Atualmente, no entanto, o direito real de habitação está disposto no artigo 1.831 do Código Civil de 2022, garantindo ao cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens o qual foi casado, o direito de permanecer no imóvel residencial do casal, desde que este seja o único a inventariar. Aqui não mais se exige a manutenção do estado de viuvez, mantendo o direito real de habitação do sobrevivente até o seu falecimento.

Entretanto, esse direito real de habitação é suprimido quando existem coproprietários anteriores à sucessão, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ou seja, havendo mais de um proprietário do bem no momento do falecimento de um dos herdeiros, prevalece o direito à propriedade do coproprietário em detrimento do direito real de habitação. E não poderia ser diferente.

O propósito primordial do direito real de habitação é assegurar moradia ao cônjuge/companheiro sobrevivente, preservando o imóvel que servia de residência à família, e temporariamente restringindo os direitos de propriedade dos herdeiros em favor da solidariedade familiar.

A existência de copropriedade anterior à abertura da sucessão, no entanto, impede o reconhecimento do direito real de habitação uma vez que o imóvel é de titularidade comum a terceiros não relacionados à sucessão.

E se não fosse assim, a pretensão de instituir o direito real de habitação confrontaria o direito dos condôminos. E, por isso, em situações de condomínio com terceiros, como filhos, irmãos, pais ou estranhos, não se admite a instituição do direito real de habitação.

Sendo assim, a título de exemplo, caso um filho tenha um imóvel com seu pai e anos depois esse pai vem a contrair um casamento e futuramente falece, a viúva, no caso, não teria o direito real de habitação pelo simples fato de o filho ser coproprietário do bem e o direito à propriedade não poderia ser suprimido.

Caso contrário, no entanto, imagina-se a seguinte situação. Um senhor, com 3 filhos, e dono sozinho de um imóvel, contrai casamento pelo regime da separação obrigatória de bens. Após anos residindo com a esposa no imóvel o senhor vem a óbito. Nesse caso, apesar de a companheira sobrevivente não ser herdeira do imóvel, terá direito de continuar residindo no imóvel que lhe servia de moradia com o de cujos até o seu falecimento. E isso quer dizer que, os filhos do de cujos, apesar de serem os herdeiros do imóvel, não poderão cobrar aluguel da viúva, que terá direito de moradia no bem até o seu falecimento.

O direito real de habitação atual, portanto, visa garantir moradia ao cônjuge/companheiro sobrevivente, preservando o imóvel destinado à residência familiar, independentemente do regime de bens adotado.

Com isso, o direito real de habitação limita os direitos de propriedade aos herdeiros do falecido, mas não aos proprietários anteriores ao óbito, mesmo que tenham permitido a utilização do imóvel pelo casal por meio de comodato. Esse foi um caso julgado recentemente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que, os filhos do de cujos, mesmo sendo proprietários do bem imóvel deixaram através do comodato (forma de empréstimo) o pai, também proprietário, a residir no imóvel com sua atual companheira. Mesmo existindo o direito real de habitação, no caso em questão o Tribunal manteve a jurisprudência no sentido de privilegiar o direito a propriedade de terceiros em detrimento do direito real de habitação e cassou a decisão que deixava a companheira continuar residindo no imóvel.

Percebe-se, portanto, a importância do conhecimento do instituto do direito real de habitação como instrumento de proteção aos direitos do cônjuge/companheiro sobrevivente, garantindo-lhe a moradia digna e preservando a estabilidade do núcleo familiar após o falecimento de um dos cônjuges e também para fins de ciência do direito dos herdeiros em caso da possibilidade de haver o direito real de habitação.