Fernanda Valadares
Fernanda Valadares
Planejamento Familiar

Partilha em vida como estratégia de planejamento sucessório

Afinal, como podemos falar em partilha de bens enquanto o proprietário ainda está vivo? Não há herança a ser compartilhada enquanto não ocorre o falecimento

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30 de abril de 2024
Vinicius Palermo
Partilha em vida como estratégia de planejamento sucessório
A doação de patrimônio pode ser uma forma de planejamento sucessório

Quando falamos em partilha em vida da herança, estamos abordando um tema complexo que levanta debates e questionamentos. Afinal, como podemos falar em partilha de bens enquanto o proprietário ainda está vivo? Não há herança a ser compartilhada enquanto não ocorre o falecimento, e isso gera uma contradição aparente.

No entanto, mesmo que não haja falecimento, o termo “partilha da herança em vida” tem sido utilizado para descrever uma prática comum: a doação do patrimônio como uma forma de planejamento sucessório. Mas como isso é possível? A resposta não é tão simples quanto parece, pois a lei estabelece desafios e condições para essa prática.

Basicamente, a partilha em vida da herança nada mais é do que o ato de o proprietário doar seu patrimônio enquanto está vivo. Mas será que isso é permitido? De acordo com o artigo 548 do Código Civil de 2002, a doação de todos os bens sem reservar uma parte ou uma renda suficiente para a sobrevivência do doador é considerada nula. Além disso, o artigo seguinte estabelece que o doador só pode dispor daquilo que poderia dispor em um testamento, ou seja, até 50% do seu patrimônio, chamada parte disponível.

Se olharmos apenas esses artigos, parece que a partilha em vida da herança para planejamento patrimonial é inviável, já que sempre restariam bens a serem partilhados após o falecimento. O artigo 2.108 do Código Civil confirma que é válida a partilha feita por ascendentes, desde que não prejudique os herdeiros necessários.

Mas surge a questão: podem os ascendentes doar toda a sua herança para os herdeiros necessários? Vimos que a doação não pode prejudicar os direitos dos herdeiros necessários, mas e quando a doação é feita para eles? O que ocorre e qual o procedimento?

Aqui começamos a tratar da partilha em vida da herança como estratégia de planejamento sucessório, quando a doação é feita para os herdeiros necessários. Não há proibição legal para que essa doação ocorra na sua totalidade, desde que todos os herdeiros sejam contemplados de forma igualitária. Se não for igualitária, o artigo 544 determina que a herança recebida será considerada antecipação de herança e o herdeiro deverá levar isso em conta no inventário.

Por que as pessoas estão recorrendo cada vez mais à doação para os filhos como forma de antecipação da herança? Isso se deve ao fato de que, quando o autor da herança falece, os herdeiros precisam passar por um processo judicial ou extrajudicial de inventário, que pode ser demorado e custoso. Além disso, muitas vezes há desgastes emocionais e discussões entre os herdeiros. O processo também é oneroso e exige estabilidade financeira para quitar o ITCDM (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) e receber o patrimônio herdado.

Muitos pais, cientes disso, optam por antecipar a herança e fazer a doação para os filhos de todo o patrimônio. No entanto, isso não significa ausência de custos. O imposto envolvido é o mesmo do inventário, mas na doação, a base de cálculo é o valor do bem no presente, enquanto no inventário é o valor do bem no momento do falecimento, geralmente valorizado em relação ao presente.

Atualmente, o ITCMD varia de 2% a 8% do valor do bem a ser doado, mas há um projeto de lei para que esse imposto chegue a até 30% do valor do patrimônio. Por isso, muitas famílias estão recorrendo ao planejamento patrimonial e sucessório como forma de economia tributária.

No entanto, o proprietário do patrimônio perde a administração sobre seus bens ao fazer uma doação em vida. Mesmo que seja estabelecido o usufruto dos rendimentos, ele deixa de ser o dono do patrimônio, o que pode gerar insegurança sobre o que os herdeiros farão com o bem recebido antecipadamente. Por isso, muitos recorrem a holdings familiares para manter a administração dos bens doados.

Além disso, há o risco de os descendentes falecerem antes do doador. Apesar de não ser o cenário natural, pode acontecer. Nesse caso, é importante que o doador estabeleça uma cláusula de reversão para garantir que os bens retornem ao seu patrimônio em caso de falecimento prematuro do herdeiro.

Em resumo, a partilha em vida da herança como estratégia de planejamento sucessório é uma opção viável, mas requer cautela e orientação especializada. Apesar de trazer benefícios como economia tributária e simplificação do processo de transferência de patrimônio, é essencial estar ciente dos riscos e das obrigações legais envolvidas.