Fernanda Valadares
Fernanda Valadares
Planejamento Familiar

Retroatividade e regime de bens na união estável

É comum que a maioria das relações conjugais inicie sem uma discussão clara e detalhada sobre o patrimônio a ser compartilhado

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24 de outubro de 2023
Vinicius Palermo
Retroatividade e regime de bens na união estável
é importante destacar que o contrato de convivência da união estável é equivalente ao pacto antenupcial ou pacto nupcial que precede o casamento.

No universo das relações conjugais, um tema que merece destaque é o regime de bens, o qual, infelizmente, em regra, não recebe a devida atenção nas fases iniciais das uniões. Salvo nos raros casos em que o casal toma a iniciativa de definir previamente o regime de bens por meio de um contrato formal, conhecido como pacto antenupcial ou contrato de convivência, é comum que a maioria das relações conjugais inicie sem uma discussão clara e detalhada sobre o patrimônio a ser compartilhado e sua destinação futura, principalmente em caso de divórcio ou falecimento.

Nesses casos, quando o casal não estabelece qual o regime de bens irá reger a relação, a lei determina o regime da comunhão parcial de bens, onde os bens adquiridos onerosamente durante a união serão compartilhados igualmente pelos parceiros.

Nesse contexto, é importante destacar que o contrato de convivência da união estável é equivalente ao pacto antenupcial ou pacto nupcial que precede o casamento. Portanto, o registro da união estável, conforme estabelecido nos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil, é opcional, independentemente de ser entre um homem e uma mulher ou entre duas pessoas do mesmo sexo.

Atualmente, a legislação exige que o contrato de união estável seja documentado por escrito e assinado por ambas as partes, embora o registro em cartório não seja obrigatório para sua validade. E seguindo a orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mesmo quando o pacto antenupcial é formalizado por meio de uma escritura pública e o casamento não ocorre, esse pacto será reconhecido como um contrato de convivência, estabelecendo, portanto, as diretrizes para uma união estável.

O registro, no entanto, será necessário para que a união estável tenha reconhecimento legal perante terceiros.

Isso nos leva à seguinte questão: o que acontece quando um casal que já convive em união estável, sem um contrato prévio, resolve eleger um regime de bens diferente da comunhão parcial no período de convivência anterior a assinatura do contrato de convivência?

Conforme explicado, o fato de o casal estar vivendo em união estável, porém sem um contrato prévio, significa que o regime de bens que está regendo a relação é o da comunhão parcial de bens. Portanto, o ato de celebrar um contrato para oficializar a união já existente e estabelecer um regime de bens distinto implica em uma mudança nas relações patrimoniais.

E de acordo com parte da doutrina, a mudança de regime seria uma opção viável dada a natureza privada da situação, onde as partes teriam poder de escolha. Com isso, parte da jurisprudência e da doutrina tem se posicionado no sentido de possibilitar a retroatividade do contrato de convivência para escolha do regime de bens, desde que prevista expressamente em contrato. Ou seja, havendo manifestação bilateral sobre referida cláusula e inserção expressa sobre essa no contrato de convivência, a maioria da doutrina vem entendendo que prevalece a autonomia da vontade das partes na escolha do regime de bens.

No entanto, é importante mencionar que o STJ tem uma visão contrária a essa possibilidade. Recentemente, em uma decisão, o STJ determinou que não é permitido ao casal atribuir efeitos retroativos ao contrato de união estável para escolher o regime de bens aplicável ao período de convivência anterior à sua assinatura. Segundo o entendimento do tribunal, a escolha do regime de bens da união estável por meio de um contrato é válida apenas a partir da data da eleição, ou seja, “ex nunc”, e cláusulas que estabeleçam a retroatividade dos efeitos patrimoniais são inválidas.

Tendo em vista a proteção dos interesses de terceiros de boa-fé, essa decisão do STJ parece sensata, pois a falta de um contrato anterior não deve prejudicar aqueles que confiaram nas circunstâncias legais existentes.

A regularização da relação, portanto, deverá produzir efeitos a partir do momento em que é formalizada, a fim de evitar situações que prejudiquem terceiros. Essa abordagem é semelhante ao casamento, onde qualquer mudança no regime de bens deve ser cuidadosamente analisada para garantir que os direitos de terceiros não sejam lesados.

Assim, é crucial compreender que, antes da celebração do contrato, o regime legal da comunhão parcial de bens deve ser aplicado, e qualquer alteração no regime de bens a posteriori não deve prejudicar terceiros de boa-fé, incluindo os credores dos parceiros cujos créditos já existiam antes da mudança no regime.

Desta forma, entendo que não se pode prejudicar terceiros devido à inércia das partes em não ter um contrato escrito e firmado anteriormente. Defendo que cabe às partes planejar a relação conjugal e que não fazê-lo traz consequências jurídicas que não podem ser apagadas do passado. A regularização da relação traz efeito do momento da regularização para frente, sob pena de a união estável não se equiparar ao casamento e, inclusive, ser mais complexa do que este.

Sendo assim, para evitar que o casal fique à mercê de terceiros no futuro e para que a questão não precise ser judicializada, com parte da doutrina aceitando a retroatividade da união estável e o poder judiciário, principalmente o STJ recusando a irretroatividade da escolha do regime de bens, o ideal é que os nubentes e o companheiro regulamentem sempre a relação em que estão vivendo, quando ainda possuem o poder de vontade.

Quanto ao reconhecimento da união estável, este pode ser feito por sentenças declaratórias judicial ou por meio de escrituras públicas declaratórias de reconhecimento da união estável. É importante ressaltar que não é exigível o prévio registro da união estável para que seja registrada a sua dissolução, devendo, nessa hipótese, constar do registro somente a data da escritura pública de dissolução.

Conclui-se, portanto, que para evitar complicações legais e garantir a proteção de terceiros, é aconselhável que os casais, sejam nubentes ou não, regulamentem sua relação enquanto ainda possuem poder de escolha, devida atenção às implicações legais para garantir a justiça e a segurança jurídica. Isso evita que questões relativas ao regime de bens se tornem litigiosas e que a decisão seja judicializada.