Fernanda Valadares
Fernanda Valadares
Planejamento Familiar

Holding e pagamento do ITBI

A Constituição estabeleceu casos em que o ITBI não incidirá, sendo um desses casos a transferência de bens de uma pessoa física para uma pessoa jurídica (holding) por meio da integralização do capital social.

Compartilhe:
20 de junho de 2023
Holding e pagamento do ITBI
Foto: Divulgação

Elaborar um planejamento patrimonial está intrinsecamente relacionado a uma estratégia tributária eficiente. As famílias que buscam organizar e proteger seu patrimônio através da holding familiar também almejam minimizar sua carga tributária. Nesse contexto, surge a discussão sobre o pagamento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), tributo previsto na Constituição Federal, de competência dos municípios, e incidente sobre a compra e venda de bens imóveis. Sendo um imposto municipal, cada município possui sua própria lei de regulamentação.

No âmbito do planejamento patrimonial e da constituição de uma holding familiar, a lei estabelece que a integralização do capital social da empresa por meio de bens imóveis equipara-se à compra e venda, o que, grosso modo, implicaria na possível incidência do ITBI. Isso significa que, ao transferir os bens de uma pessoa física para uma pessoa jurídica, por meio da integralização do capital social, a família estaria sujeita à cobrança do ITBI, caso não fosse pela salvaguarda do artigo 156, § 2º, da Constituição Federal, que estabelece o seguinte:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: § 2º O imposto previsto no inciso II: I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.”

Portanto, a própria Constituição estabeleceu casos em que o ITBI não incidirá, sendo um desses casos a transferência de bens de uma pessoa física para uma pessoa jurídica (holding) por meio da integralização do capital social.

Essa integralização do capital social da pessoa jurídica por meio de bens imóveis pode ocorrer de duas formas: pelo valor declarado do bem no imposto de renda ou pelo valor do bem imóvel atualizado. Assim, o contribuinte tem a opção, determinada por lei, de escolher qual valor utilizar.

Dessa forma, temos a seguinte situação: o proprietário dos bens, visando realizar seu planejamento patrimonial e sucessório, transfere seus imóveis para a integralização do capital social da pessoa jurídica pelo valor declarado no imposto de renda. Com isso, evita-se a cobrança de ganho de capital no momento da integralização e reduz-se a carga tributária.

Apesar de essa transferência dos bens da pessoa física para a pessoa jurídica ser considerada uma compra e venda, passível de incidência do ITBI, a Constituição Federal estabeleceu, como mencionado anteriormente, que, nesses casos, o imposto não seria cobrado. Portanto, o proprietário que deseja integralizar o capital social da holding com bens imóveis estaria imune ao pagamento do ITBI, conforme previsto na Constituição.

Reforçando a imunidade na cobrança do ITBI em integralização de capital social, chegou para ser julgado no STF, através do tema 796, a suposta incidência do ITBI na transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em reserva de capital, tendo a corte decidido: “A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”. Isso quer dizer que a imunidade constitucional prevista alcança o valor integralizado para fins de capital social, e qualquer valor que exceder a esse fim, haverá a cobrança do ITBI.

No entanto, por má interpretação da lei e do que decidido pelo STF no Tema 796, alguns municípios têm desconsiderado a imunidade estabelecida pela Constituição Federal e têm cobrado o ITBI também na integralização do capital social da empresa.

Atualmente, na maioria dos municípios, a situação ocorre da seguinte maneira: suponhamos um imóvel adquirido por R$ 100 mil e avaliado hoje em R$ 800 mil. O proprietário deseja integralizar o capital social da holding com esse imóvel e, portanto, transfere-o de seu nome (pessoa física) para a pessoa jurídica por R$ 100 mil, conforme opção do contribuinte. Apesar da garantia constitucional de não incidência do ITBI nesses casos, a maioria dos municípios está cobrando o ITBI sobre essa integralização do capital social, utilizando como base de cálculo o valor de R$ 700 mil (diferença entre o valor atual do imóvel e o valor integralizado).

Em conclusão, alguns municípios, em interpretação diferente da dada pelo STF, estão cobrando o ITBI em qualquer caso de integralização de patrimônio na pessoa jurídica, seja no capital social da empresa, seja em reserva de capital. No entanto, essa prática constitui, como já dito, uma ilegalidade, indo contra o que está previsto na Constituição.

Portanto, espera-se que, no futuro próximo, os municípios cumpram a Constituição e deixem de cometer esses abusos. E enquanto essa mudança não ocorre, o contribuinte que deseja fazer o planejamento patrimonial com o instrumento da holding, integralizando os imóveis pelo valor histórico declarado no imposto de renda no capital social da empresa, não tem outra alternativa senão recorrer ao Judiciário para assegurar o cumprimento do texto constitucional de não pagamento do ITBI.