Suellen Escariz
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Pelo mundo

Inflação em Portugal

A alta de preços em Portugal passou a ser sentida mais fortemente pela população ainda no primeiro semestre de 2022

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26 de outubro de 2023
Vinicius Palermo
Inflação em Portugal
Os itens básicos de alimentação, como a manteiga, por exemplo, tiveram seu preço duplicado no espaço de um ano.

A ilusão de acreditar que um país é melhor ou pior deve passar pelo teste da realidade, e, especialmente, pela experiência de viver no país para perceber que a vida é mais do que uma publicação nas redes sociais.

É notório como o fenômeno migratório de brasileiros (de venezuelanos e de muitas outras nacionalidades) para Portugal tem aumentado em progressão geométrica nos últimos anos. A enorme quantidade de estrangeiros no país normalmente se deve à facilidade na obtenção de título de residência, no direito à nacionalidade para descendentes de portugueses que no passado emigraram para esses países, e ainda na ajuda humanitária que Portugal concede.

Uma questão que muitos ignoram, mas é que é notícia todos os dias em Portugal, é o brutal aumento nos aluguéis. Algumas matérias jornalísticas relatam a realidade de alguns brasileiros que moram em acampamentos ao redor de Lisboa porque o aluguel de um único quarto na capital já é quase o valor do salário mínimo. Essas matérias, entretanto, pareciam mostrar alguma leveza em um cenário que é extremamente precário, e que piora com o inverno que se aproxima.

A crise no setor imobiliário tem feito com que famílias precisem dividir o apartamento para dar conta do aluguel. Em cidades pequenas, bem longe dos centros mais movimentados, um apartamento simples de um quarto pode chegar até 500 euros de aluguel (o salário mínimo é de 760 euros e não é comum que as pessoas ganhem muito mais do que isso).

Isso sem contar as pessoas que têm o imóvel financiado. Até poucos anos atrás era muito comum que o financiamento de imóveis fosse feito com taxas variáveis, o que garantia uma parcela mais barata. O que hoje transformou-se em pesadelo, pois a inflação disparou o valor das parcelas, complicando a realidade de milhares de famílias.

A alta de preços passou a ser sentida mais fortemente pela população ainda no primeiro semestre de 2022. Após o início da guerra na Ucrânia, e ainda, com as consequências dos isolamentos forçados desde 2020, o país passou a sofrer com uma inflação de “país em desenvolvimento” ou “país de terceiro mundo” como dizem alguns.

Os itens básicos de alimentação, como a manteiga, por exemplo, tiveram seu preço duplicado no espaço de um ano. As medidas governamentais não foram suficientes para controlar a inflação. Houve a redução do IVA (Imposto sobre Valor Acrescentado – é um imposto aplicado às vendas ou prestações de serviços em Portugal) em alimentos da cesta básica. A manteiga quase voltou ao preço do ano anterior, e poucos meses depois ficou mais cara do que antes da retirada do IVA. E quem diz manteiga, diz muitas coisas mais.

A última notícia está relacionada ao aumento do IUC (Imposto Único de Circulação – equivalente ao IPVA no Brasil). A proposta do orçamento de Estado para 2024 previa aumentos de mais de 1000% no IUC de carros à gasolina/diesel com ano de fabricação anterior a 2007, que até aqui estavam isentos da componente ambiental daquele imposto, apesar de serem veículos mais poluentes do que os carros com fabricação mais recente.

Enquanto no Brasil é mais difícil existirem carros mais antigos e em bom estado, em Portugal é muito comum que circulem em perfeito estado carros antigos, com mais 200 mil km rodados. O ponto do aumento do imposto está teoricamente relacionado ao meio ambiente e na tentativa de reduzir emissões de gases poluentes.

Ocorre que as pessoas que possuem carros nessas condições, dificilmente terão capacidade econômica para desembolsar os altos valores que os carros elétricos custam. Depois de muita repercussão negativa, o Governo decidiu que o teto do aumento do IUC será de 25 euros por ano. Mas ainda há alguma incredulidade quanto a isso. O Governo garante que o teto máximo de 25 euros para o aumento do IUC em 2024 se aplica também aos anos seguintes, apesar de a norma transitória estar inscrita no Orçamento do Estado e não em lei própria.

Algumas informações contraditórias de bastidores, poucas certezas, mas o fato é que os portugueses (e todos os que vivem no país) vivenciam diariamente um grande aumento nos preços, sendo cada vez mais necessário repensar e calcular todos os detalhes antes de uma decisão como a de mudar de país. A palavra de ordem é planejamento realista, considerando todas as nuances políticas e econômicas dos últimos anos, para uma decisão segura e coerente.


Suellen Escariz – Advogada e Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra – Instagram.