Suellen Escariz
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Pelo mundo

Direito Comparado

O direito comparado visa uma nova perspectiva e garantir o avanço, seja na aplicação ao caso concreto, seja no desenvolvimento doutrinário e científico.

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19 de outubro de 2023
Vinicius Palermo
Direito Comparado
É muito importante que o profissional de Direito esteja atento às mudanças interpretativas e legislativas no âmbito do Direito Comparado

O estudo de Direito Comparado em definição simples é o estudo através da comparação de diferentes ordenamentos jurídicos, com suas diferenças culturais, legislativas, jurisprudenciais e principiológicas, com o objetivo de alcançar uma nova perspectiva e garantir o avanço, seja na aplicação ao caso concreto, seja no desenvolvimento doutrinário e científico.

Nesse contexto, é muito importante que o profissional de Direito esteja atento às mudanças interpretativas e legislativas no âmbito do Direito Comparado, corroborando para tal a forte influência das normas “ius cogens” e os tratados internacionais aos quais o Brasil adere ao seu ordenamento.

A Agenda 2030 da ONU prevê a parceria para a implementação dos objetivos (17), dentre os quais “paz, justiça e instituições eficazes” (16), “trabalho digno e crescimento econômico” (8), e alguns desses objetivos já são citados nas decisões de Tribunais brasileiros.

Assim é que o estudo de decisões internacionais servirá sempre para ampliar o debate e até mesmo criar institutos dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Recentemente, virou notícia na Espanha, uma decisão do Tribunal Superior de Justiça de Madrid que deu razão à entidade empregadora pela dispensa de uma empregada com base no que chamaram “inaptidud sobrevenida”, o que em Portugal denominou-se de “inépcia insuspeita”.

A empresa de Gestão de Serviços Municipais de Arroyomolinos (Espanha) demitiu a funcionária alegando que a trabalhadora demorava mais de uma hora para realizar tarefas que, normalmente, demoram cinco minutos.

A empregada trabalhava na bilheteria da piscina e na recepção de um Centro Desportivo desde 2018. Segundo a empresa, a trabalhadora utilizava um programa informático na realização das suas tarefas, mas não o dominava sequer “ao nível de um utilizador comum”.

O programa, usado para inscrições, pagamentos e organização das atividades desportivas, permitiria que as tarefas fossem realizadas rapidamente, mas a trabalhadora demorava muito mais do que o normal. A mulher não concordou com a decisão da empresa e levou o caso à justiça, mas viu o tribunal considerar justificada a demissão.

Além da necessidade de conhecer detalhes do processo para uma melhor análise das circunstâncias, muitos pontos devem ser avaliados, dentre os quais: por quanto tempo a funcionária trabalhou, se realmente lhe foi proporcionada a formação adequada para o desempenho da função, se desde o início da prestação de serviços foi verificada a circunstância, e qual foi o lapso temporal entre a constatação e a despedida.

É preciso analisar ainda se não houve uma dispensa discriminatória, seja a nível de discriminação por idade ou outros fatores subjetivos em relação ao empregador ou superiores hierárquicos, cabendo ainda uma análise quanto ao meio ambiente laboral e se não ocorreu no caso alguma espécie de “quiet quitting”.

O fato é que para o reconhecimento da despedida com justa causa foi alegada uma inaptidão posterior, não verificada quando da contratação, segundo se consegue supor. Para tais situações é que existe o período experimental, para a adequada verificação se o desenvolvimento do trabalho atende às expectativas de ambas as partes ou não.

Vale a reflexão sobre o tema e também sobre a complexidade das relações sociais, especificamente no caso, as relações trabalhistas. Muitas vezes um viés ideológico pode impedir a correta análise de casos concretos, o que acarretará violação de direitos, seja de um lado ou de outro. Não existe resposta automática quando poucas informações são apresentadas, por isso, algumas notícias geram uma repercussão que nada tem a ver com a realidade. Além disso, é necessário que os Tribunais façam a adequada análise do caso concreto para garantir a justiça em todos os processos.


Suellen Escariz – Advogada e Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra – Instagram.