Suellen Escariz
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Pelo mundo

O Digital e a alienação social

Foi esta semana divulgado, em Portugal, um projeto de investigação chamado “Scroll, Logo Existo” (“Arrasto/Rolo a tela, logo existo” – em tradução livre)

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25 de janeiro de 2024
Vinicius Palermo
O Digital e a alienação social
Dentre as várias conclusões do estudo, percebeu-se que o “consumo descontrolado” da oferta digital, internet e redes sociais, contribui para um estado de alienação social

Foi esta semana divulgado, em Portugal, um projeto de investigação chamado “Scroll, Logo Existo” (“Arrasto/Rolo a tela, logo existo” – em tradução livre), financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia em parceria com o Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências.

No âmbito do estudo, foram entrevistados 1.704 residentes de todo o país (Portugal), maiores de 16 anos, com o objetivo de estudar as práticas de uso de telas e os comportamentos aditivos (os dados foram recolhidos entre setembro de 2022 e outubro de 2023).

Dentre as várias conclusões do estudo, percebeu-se que o “consumo descontrolado” da oferta digital, internet e redes sociais, contribui para um estado de alienação social, desenvolvendo um padrão de comportamento cujas relações ‘online’ se constituem como a zona de conforto.

“Como a vida na internet e nas redes sociais está em constante movimento, alimenta-se uma necessidade de acompanhar ao máximo o fluir dessa vida, resultando em momentos de prazer e de descontrole no tempo de utilização”, refere o projeto.

O coordenador do projeto, Joaquim Fialho, afirmou que o estudo não resulta ainda em um alarme geral sobre a utilização das telas, entretanto, é possível apontar um conjunto de características que são transversais a todas as idades, situações profissionais e a todos os níveis de estudos.

Parece haver uma necessidade de estar conectado às telas como uma fonte de prazer, principalmente dos smartphones, que é o principal elo com o digital. Foram identificadas ainda uma “perda de noção do tempo” quando conectados às telas, uma irritabilidade quando impedidos de utilizar as telas ou simplesmente quando ocorre redução do tempo de utilização e ainda uma utilização das telas como “fuga”, para aliviar sentimentos de culpa, ansiedade e depressão.

Alguns fatores como idade e baixo grau de instrução foram identificados como atributos que colocam as pessoas numa situação de maior exposição ao risco de dependência de telas, quanto mais jovens e sem emprego, mais suscetíveis a desenvolver o vício em telas.

Segundo o investigador, foi identificado também um conjunto de elementos na dependência das telas, como a nomofobia, sentimento de falta quando o celular não está junto da pessoa, e a “síndrome do toque fantasma”, que é a sensação constante de sentir o celular tocando/vibrando mesmo quando não é real.

Também foi detectado “o transtorno de dependência de Internet”, que é a necessidade compulsiva de estar ‘online’, especialmente nas redes sociais, “como obtenção de prazer”, para atenuar sentimentos de frustração e ansiedade.

Outro elemento identificado foi “a depressão Facebook”, caracterizado pelo sentimento de frustração e ansiedade quando não conseguem acompanhar o conteúdo que está circulando online.

Os investigadores também identificaram junto dos entrevistados “a hipocondria digital”, que é procurar informação sobre uma doença na internet que “muitas vezes é contraditória e coloca as pessoas perante uma situação de desespero”.

Com base nos resultados, os investigadores sugerem intervenções, principalmente nas escolas, onde estão os mais jovens e mais vulneráveis, mas também na comunidade geral e no contexto de trabalho.

No contexto de trabalho há ainda uma linha tênue entre quando termina a utilização para fins profissionais e quando começa a utilização pessoal porque muitas vezes não ocorre um “desligamento” entre uma e outra.

O investigador conclui que o desafio não está na privação do uso das ferramentas digitais, mas sim na capacitação das pessoas para uma utilização saudável.

Resta saber se o mais saudável não seria mesmo reduzir o tempo de utilização. Basta verificar nas configurações dos aplicativos, quanto tempo foi gasto, por dia, na sua utilização, e muitos irão perceber que a tão falada “falta de tempo” não é exatamente falta, e sim, uma má utilização.

Compreender tais questões, o tempo que se perde e os efeitos psicológico causados pelo uso excessivo do digital talvez seja a melhor forma de conscientizar as pessoas que os novos vícios são tão prejudiciais quanto os antigos, e uma vida de qualidade passa também por escolhas saudáveis em todos os âmbitos.


Suellen Escariz – Advogada e Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra – Instagram