Fernanda Valadares
Fernanda Valadares
Planejamento Familiar

Penhora de direitos aquisitivos e a complexa questão do bem de família alienado fiduciariamente

A discussão se torna ainda mais intricada quando o bem em questão é um imóvel protegido pelo instituto do bem de família.

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21 de novembro de 2023
Vinicius Palermo
Penhora de direitos aquisitivos e a complexa questão do bem de família alienado fiduciariamente
O bem de família que está financiado apresenta uma questão complexa

No complexo panorama do direito brasileiro, um tema que tem gerado debates e discussões fervorosas diz respeito à penhora dos direitos aquisitivos de bens que foram alienados fiduciariamente. A discussão se torna ainda mais intricada quando o bem em questão é um imóvel protegido pelo instituto do bem de família. Neste artigo, iremos explorar os conceitos de alienação fiduciária, penhora de direitos aquisitivos e bem de família, analisando como esses elementos se entrelaçam no contexto legal brasileiro.

A alienação fiduciária é uma modalidade de garantia estabelecidas pela Lei nº 9.514/97, sendo amplamente utilizada em contratos financeiros, transações imobiliárias como, por exemplo, na aquisição de imóveis através de financiamento habitacionais. Resumidamente, trata-se de um instituto em que o banco empresta dinheiro para o devedor comprar um imóvel,  em contrapartida recebe o bem adquirido em garantia até que o devedor quite a sua dívida com o banco.

Desta forma,  o banco é o real proprietário do bem até o pagamento do débito, enquanto o devedor tem a posse do imóvel e retém o direito de aquisição futura do bem, ou seja, ele é o titular dos direitos sobre o bem, podendo exercer o direito a sua propriedade após quitar integralmente a dívida.

Nesse contexto, o comprador aliena fiduciariamente o imóvel ao banco financiador como garantia de um futuro pagamento. Mas e caso esse comprador do imóvel tenha algum processo judicial de execução contra seu nome, o bem alienado fiduciariamente ao banco, poderá ser penhorado?

A penhora, no contexto processual, é um ato que visa garantir a satisfação de uma dívida. Desta forma, a penhora tradicional se refere à constrição  ou bloqueio de um bem específico que pertence ao devedor. No entanto, como já dito, quando o bem está sob alienação fiduciária, o devedor detém apenas os direitos aquisitivos sobre o mesmo, pois a propriedade efetiva está temporariamente transferida ao credor, o banco, no caso.

Portanto, a complexidade surge quando se tenta penhorar os direitos aquisitivos do devedor, uma vez que esses direitos são uma espécie de expectativa de aquisição futura da propriedade. Em termos práticos, isso significa que o devedor possui um interesse em adquirir o bem, mas ainda não é o proprietário legal. Essa situação levanta a questão de como é possível penhorar algo que o devedor ainda não possui efetivamente. E como é possível penhorar algo que pela lei é considerado impenhorável, como o bem de família, por exemplo.

O bem de família é uma figura jurídica que visa proteger o imóvel residencial contra a penhora de execução de dívidas. O instituto foi regulamentado pela Lei nº 8.009/90, estabelecendo que o único imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida, exceto em situações excepcionais previstas na lei.

Essa proteção legal é importante para assegurar a estabilidade das famílias e garantir um local de moradia. No entanto, a aplicação do bem de família ao contexto da penhora de direitos aquisitivos em bens alienados fiduciariamente é um desafio complexo e aqui reside o cerne da questão: É possível penhorar os direitos aquisitivos de um bem que foi alienado fiduciariamente quando esse bem é protegido pelo instituto do bem de família? A resposta, como frequentemente ocorre no campo jurídico, não é simples.

A impenhorabilidade do bem de família tem como principal objetivo garantir a moradia e a estabilidade familiar, impedindo a penhora do imóvel que serve de residência. No entanto, essa proteção se aplica ao imóvel em si, e não aos direitos sobre ele decorrentes do contrato garantido por alienação fiduciária.

Portanto, a penhora dos direitos aquisitivos não equivale à penhora do bem imóvel em si, uma vez que este não é de propriedade das partes devedoras enquanto a dívida não estiver quitada, e, por isso, a jurisprudência entende que é permitida a penhora de direitos aquisitivos de bens alienados fiduciariamente.

No entanto, para fins práticos, o que acontece quando os direitos aquisitivos sobre um bem alienado fiduciariamente são penhorados, mas o imóvel em questão é considerado um bem de família?

Conforme jurisprudência consolidada, é possível a penhora dos direitos aquisitivos de um bem alienado fiduciariamente, mesmo em um bem de família, desde que, neste último caso, a proteção ao imóvel seja preservada. Isso significa que, enquanto o imóvel continuar a ser utilizado como residência da família e os direitos dos devedores não se converterem em propriedade sobre o imóvel, a penhora dos direitos aquisitivos pode ser realizada. No entanto, a alienação do imóvel em si não é permitida enquanto ele ostentar a qualidade de bem de família.

Uma situação adicional, no entanto, merece destaque que é a conversão dos direitos aquisitivos em dinheiro quando ocorre o inadimplemento do contrato do devedor com o banco. Nesse caso, a propriedade do bem é transferida para o banco, e os direitos remanescentes dos devedores se tornam uma quantia em dinheiro.

A conversão em pecúnia permite a realização da constrição, e a penhora dos direitos se transforma em penhora de dinheiro, consistindo em um eventual saldo apurado a favor dos devedores fiduciantes. Isso significa que, quando os direitos do devedor se convertem em dinheiro, a impenhorabilidade do bem de família não é mais aplicável, pois o valor pode ser utilizado para quitar a dívida exequenda.

Em conclusão, a jurisprudência consolidada indica que é possível a penhora dos direitos aquisitivos, inclusive em bens de família, desde que seja respeitada a proteção legal ao imóvel. A alienação do imóvel em si não é permitida enquanto ele mantiver a qualidade de bem de família. No entanto, a conversão dos direitos em dinheiro pode permitir a realização da penhora, quando a propriedade do bem é revertida em favor da credora.