Cesar Fueta
Cesar Fueta
Direito empresarial

A Lei 14.451/2022 e a desburocratização dos empreendimentos

Para as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, desde 2006 há previsão legal do quórum de maioria absoluta para aprovação das deliberações sociais. Este quórum já era previsto na Lei Complementar 123/2006

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23 de março de 2023
A Lei 14.451/2022 e a desburocratização dos empreendimentos
Foto: Divulgação

A Lei nº 14.451/2022 promoveu alteração do Código Civil na parte que trata dos quóruns de deliberação das sociedades limitadas. Tal mudança legislativa foi muito celebrada, na medida em que foi promovida sob o argumento de simplificação na tomada de decisões, inclusive nos empreendimentos de menor porte. No entanto, esta opção foi ineficiente para as sociedades enquadradas como Microempresas ou Empresas de Pequeno Porte.

Os incisos I, II e III, do artigo 1076, do Código Civil previam quóruns variados para as deliberações dos sócios. Existiam 3 quóruns diferentes: três quartos do capital social, mais da metade do capital social (maioria absoluta) e maioria de votos dos presentes (maioria simples).

Com a Lei nº 14.451/2022, os quóruns previstos nos incisos do artigo 1076, do Código Civil foram simplificados. Este dispositivo passou a prever dois quóruns: a maioria absoluta e a maioria simples.

Na prática, os seguintes temas sofreram mudança no quórum de aprovação: modificação do contrato social, incorporação, fusão e dissolução da sociedade, ou cessação do estado de liquidação.

Para tais assuntos, a lei passou a exigir a aprovação por maioria absoluta e não mais três quartos.

O Projeto de Lei 4.498/2016, que deu origem à Lei 14.451/2022, destacou que a mudança no Código Civil pretendia sanar um erro normativo que atrapalha o empreendedorismo brasileiro. Os patamares da tomada de decisão nas sociedades limitadas estariam elevados de forma injustificada.

Nesse mesmo sentido, o parecer da CCJC – Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania atestou que “as disposições que se pretende alterar são aplicáveis às sociedades limitadas, as quais mais se aproximam aos empreendimentos de micro, pequeno e médio porte, não se justificando, por isso, a instituição de medidas tendentes a tornar suas decisões mais complexas”.

Portanto, o projeto de lei buscou desburocratizar a sociedade limitada. Afinal, trata-se de tipo societário utilizado em empreendimentos de micro, pequeno e médio porte. Não seria razoável instituir medidas que tornem suas decisões mais complexas.

A realidade brasileira quanto aos empreendimentos de menor porte pode ser constatada por relatório disponibilizado pelo Governo Federal na internet. Em consulta aos Painéis do Mapa das Empresas (https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/mapa-de-empresas/painel-mapa-de-empresas), verifica-se que a sociedade limitada é utilizada principalmente para os pequenos empreendimentos.

Segundo relatório extraído desse portal em março de 2023, há 6.066.646 sociedades limitadas no Brasil. Deste total, 5.101.622 são empresas de pequeno porte ou microempresas, conforme enquadramento da Lei Complementar 123/2006.

Tais dados deixam claro que o empreendedorismo brasileiro, no que se refere à sociedade limitada, é representado por 84% de sociedades enquadradas como Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.

Para as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, desde 2006 há previsão legal do quórum de maioria absoluta para aprovação das deliberações sociais. Este quórum já era previsto na Lei Complementar 123/2006.

Assim, há quase 16 anos já existe dispositivo de lei estabelecendo o quórum de maioria absoluta como regra para aprovar deliberações nas sociedades limitadas enquadradas como Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Além disso, as referidas sociedades estão desobrigadas da realização de reuniões e assembleias.

Um exemplo ajuda a entender na prática esta previsão legal: vamos considerar o caso de uma sociedade limitada constituída em 2010 e enquadrada como Microempresa, sem previsão expressa no contrato social acerca de quóruns de deliberação.

Esta sociedade já poderia alterar seu contrato social pela maioria absoluta, mesmo antes da alteração da Lei de 2022. Ou seja, neste exemplo específico, o quórum para alteração do contrato social jamais foi o de 75%, mas sim o de maioria absoluta. Este quórum já era menor mesmo antes da Lei nº 14.451/2022.

Conclui-se diante desta simples análise sistêmica, que a desburocratização pretendida para os empreendimentos de menor porte pela lei de 2022 na verdade já existia desde 2006, por meio da Lei Complementar 123/2006.

Este diploma legal já estabelecia maior simplicidade na tomada de decisões nas sociedades limitadas enquadradas como Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte.