Cesar Fueta
Cesar Fueta
Direito empresarial

As cláusulas de não concorrência e de não aliciamento

Neste artigo, vamos explorar a natureza, a aplicação e os debates em torno dessas cláusulas, com foco em sua validade e as implicações jurídicas.

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10 de julho de 2024
Vinicius Palermo
As cláusulas de não concorrência e de não aliciamento
A concorrência desleal é tratada em diversos ramos do Direito, incluindo o Direito Empresarial e o Direito do Trabalho.

No mundo empresarial é comum a existência de acordos e contratos destinados a proteger os interesses das sociedades. Entre as cláusulas mais frequentes estão as de não concorrência e não aliciamento: são instrumentos legais utilizados para prevenir práticas de concorrência desleal e merecem atenção em negociações e litígios empresariais. Neste artigo, vamos explorar a natureza, a aplicação e os debates em torno dessas cláusulas, com foco em sua validade e as implicações jurídicas.

A concorrência desleal é tratada em diversos ramos do Direito, incluindo o Direito Empresarial e o Direito do Trabalho. A legislação brasileira define como concorrência desleal práticas que visam a eliminar concorrentes, desviar clientes ou impor preços injustos. Exemplos clássicos incluem a venda do fundo de comércio, em que o vendedor é proibido de reestabelecer um negócio semelhante no mesmo ramo por até cinco anos, conforme previsão no Código Civil, e o uso de segredos empresariais por ex-empregados para obter vantagem competitiva. A Lei Trabalhista (Consolidação das Leis do Trabalho) também prevê como fundamento para demissão por justa causa a prática de atos de concorrência do empregado contra seu empregador durante a vigência do contrato de trabalho.

Nas relações comerciais, a cláusula de não concorrência é frequentemente incluída em contratos de compra e venda de sociedades, acordos de sócios e cessões de cotas. A validade dessas cláusulas depende de sua razoabilidade e proporcionalidade. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) considera ilícita a cláusula de não concorrência que tem como objetivo aniquilar empresas concorrentes ou eliminar clientes e mercados, configurando abuso econômico. Por outro lado, uma cláusula é considerada lícita se protege os interesses legítimos da empresa sem restringir indevidamente a liberdade de trabalho do sócio ou empregado.

Para que uma cláusula de não concorrência seja válida, deve-se observar alguns requisitos consagrados pela jurisprudência. Primeiro, a limitação temporal: a cláusula deve ter um prazo definido, geralmente não superior a cinco anos, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo a limitação de objeto: a cláusula deve ser específica quanto às atividades que estão sendo restringidas, evitando generalizações que possam inviabilizar a subsistência do ex-sócio ou ex-empregado. Terceiro, a limitação geográfica: a abrangência territorial da cláusula deve ser razoável, considerando o impacto das informações estratégicas da empresa.

No contexto trabalhista, a cláusula de não concorrência possui uma complexidade diferenciada. Durante a vigência do contrato de trabalho, a obrigação de não concorrência decorre diretamente da lei, sendo uma das poucas hipóteses de demissão por justa causa previstas na Consolidação das Leis do Trabalho. No entanto, estabelecer essa obrigação para além do término do contrato de trabalho requer maior cautela. A jurisprudência tem entendido que, para ser válida, a cláusula deve ser razoável em termos de duração e compensação financeira.

Empregados que têm acesso a informações estratégicas, como desenvolvedores de software ou executivos, podem se submeter a cláusulas de não concorrência após o término do contrato de trabalho. Nesses casos, a compensação financeira é essencial para garantir a subsistência do ex-empregado durante o período de não concorrência. A jurisprudência dos nossos tribunais sugere, em regra, que essa compensação deve equivaler a um salário mensal por cada mês de duração da cláusula, mas existem variações dependendo do caso concreto.

A cláusula de não aliciamento, ou non-solicitation, é uma obrigação acessória que impede o ex-sócio ou ex-empregado de contatar ou aliciar clientes, fornecedores ou empregados do antigo empregador. O objetivo dessa cláusula é evitar que, após a saída, o indivíduo utilize suas relações para desviar negócios ou pessoal estratégico, causando graves prejuízos à empresa original. Essa cláusula é particularmente comum em contratos de fusões e aquisições, em que a transferência de colaboradores essenciais pode ser prejudicial à empresa alvo.

A aplicação da cláusula de não aliciamento é geralmente menos controversa do que a de não concorrência, pois ela lida diretamente com a prevenção de práticas que configuram concorrência desleal. No entanto, para que seja eficaz e juridicamente segura, a cláusula deve ser clara e específica quanto às proibições impostas e o período de vigência.

Na prática, as cláusulas de não concorrência e de não aliciamento podem ser inseridas em diferentes tipos de instrumentos jurídicos. Por exemplo, em um acordo de sócios, pode ser estabelecida a previsão de que, enquanto os sócios mantiverem participação na sociedade, e por um prazo adicional após seu desligamento, estarão proibidos de atuar em atividades concorrentes ou aliciar funcionários e clientes da empresa. Esses modelos devem ser adaptados às especificidades de cada negócio, considerando a natureza das atividades e o mercado de atuação.

Na jurisprudência, diversos casos demonstram a aplicação e a validade das cláusulas de não concorrência e não aliciamento. Há decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) que confirmam a validade dessas cláusulas quando são estabelecidas de maneira razoável e proporcional. No entanto, cláusulas abusivas ou excessivamente restritivas podem ser afastadas judicialmente, o que revela a necessidade de uma redação cuidadosa e fundamentada deste tipo de disposições contratuais.

Podemos concluir, portanto, que as cláusulas de não concorrência e de não aliciamento são ferramentas úteis para proteger os interesses empresariais, mas devem ser implementadas e utilizadas com coerência e fundamentos jurídicos sólidos. A legalidade e a eficácia dessas cláusulas dependem de sua razoabilidade, proporcionalidade e clareza. Empregadores e sócios devem assegurar que essas cláusulas sejam bem fundamentadas e justas, respeitando os direitos dos envolvidos e evitando eventuais abusos que possam ser contestados judicialmente. Deste modo, é possível garantir uma proteção eficaz aos empreendimentos, mantendo a integridade das relações comerciais e de trabalho.