Economia
OCDE

Sustentabilidade da dívida pública no Brasil depende de arcabouço crível e gasto eficiente

A avaliação da entidade é de que uma combinação de política fiscal expansionista, juros elevados e menor crescimento colocam a dívida bruta em trajetória de alta

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18 de dezembro de 2023
Vinicius Palermo
Sustentabilidade da dívida pública no Brasil depende de arcabouço crível e gasto eficiente
O cenário base da OCDE pressupõe que o arcabouço fiscal e novos impostos sobre consumo estarão implementados

A sustentabilidade da dívida pública no Brasil só será garantida com um arcabouço fiscal crível, uma reforma tributária efetiva e eficiência nos gastos públicos, aponta a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em seu Relatório Brasil 2023, sobre a economia do País neste ano. A avaliação da entidade é de que uma combinação de política fiscal expansionista, juros elevados e menor crescimento colocam a dívida bruta em trajetória de alta, com projeção para fechar 2024 em 80% do PIB e 2047 em 90% do PIB.

O cenário base da OCDE pressupõe que o arcabouço fiscal e novos impostos sobre consumo estarão implementados, o que elevará o crescimento potencial em 0,5 ponto porcentual. Com isso, o superávit subiria para 1% do PIB a partir de 2026, considerando maiores receitas tributárias, reflexo da melhoria na arrecadação de impostos.

“A trajetória da dívida é altamente sensível à implementação da agenda de reformas. Uma falha na implementação da reforma tributária implicaria um crescimento mais baixo, o que seria suficiente para questionar a sustentabilidade da dívida pública. Uma consolidação fiscal mais baixa (exemplificada por um superávit primário equilibrado a partir de 2025) levaria a uma trajetória de dívida claramente insustentável, com o nível da dívida atingindo 100% do PIB já em 2037 e com uma forte inclinação para cima. Um pacote mais ambicioso de reformas estruturais impulsionaria o crescimento potencial e levaria a uma queda na relação dívida-PIB”, pontua o documento.

Os dados estão no Relatório Econômico Brasil 2023, divulgado pela OCDE e Ministério da Fazenda nesta segunda-feira. O documento examina o desempenho econômico do País diante de desafios globais e do mercado interno, trazendo recomendações para o enfrentamento de desafios estruturais, com vias de garantir ao Brasil um crescimento robusto, inclusivo e sustentável a médio e longo prazo.

A OCDE reforça a necessidade de reformas fiscais e fortalecimento das regras fiscais para a estabilização e sustentabilidade da dívida pública. Esse movimento também será necessário para abrir espaço para gastos mais eficientes.

O documento avalia que o novo arcabouço fiscal procura “aprimorar a previsibilidade de médio prazo nas finanças públicas, ao mesmo tempo em que adiciona flexibilidade, principalmente para investimentos”, com mecanismo para realinhar a meta no caso de desvios. Mas a OCDE pondera que o País não tomou providências para lidar com o excesso de “rigidezes orçamentárias”, que contribuem para a prociclicidade da política fiscal e estão associadas a uma menor eficiência nos gastos públicos.

O relatório cita os pisos nacionais de saúde e educação e benefícios atrelados ao salário mínimo e inflação. No caso dos pisos, há o reconhecimento de que garantir uma parcela de recursos para estes fins é compreensível do ponto de vista de política social, mas vem o alerta sobre o limite da flexibilidade da política fiscal para lidar com mudanças demográficas ou choques econômicos. Do mesmo modo, a indexação ao salário mínimo é apontada como um risco, pelas implicações fiscais significativas.

“Reduzir as rigidezes orçamentárias é uma área em que a nova regra provavelmente não trará muito progresso. Reduzir pisos obrigatórios de gastos e receitas vinculadas, ao mesmo tempo em que repensa alguns mecanismos automáticos de indexação, permitiria mais flexibilidade para ajustar políticas a prioridades em mudança e ao ambiente macroeconômico volátil do Brasil e deveria ser uma prioridade. Desenvolver planos orçamentários indicativos e plurianuais seria uma opção alternativa melhor para garantir financiamento adequado de prioridades e proteger investimentos públicos e gastos sociais ao longo do tempo”, argumenta o documento.

Após esse diagnóstico, a OCDE elencou medidas que devem ser tomadas pelo País para avançar na política fiscal. Um dos aspectos destacados é a continuidade da flexibilização da política monetária, desde que mantenha a convergência da inflação à meta, e a implementação do novo arcabouço fiscal, buscando a redução do déficit.

No caso do orçamento, avaliado como muito engessado, a sugestão é a redução de pisos de gastos obrigatórios e de receitas vinculadas. O documento também sugere a indexação de benefícios sociais à inflação, e não ao salário mínimo, como é o caso da aposentadoria.

A OCDE também analisou as emendas parlamentares individuais e constatou que elas carecem de auditorias e exacerbam a desconexão de estratégias políticas e alocações eficientes do orçamento. A sugestão é a imposição de limites mais rigorosos e auditoria sistemática de gastos financiados por esse tipo de emenda.

A OCDE alertou, em relatório, que o alto grau de descentralização do Brasil exige mais coordenação no ritmo de ajuste fiscal entre os níveis de governo e, até o momento, não há indicação de como conciliar a agenda de ajuste entre a União, Estados e municípios.

“Até o momento, o governo não esclareceu como os esforços para cumprir as novas regras fiscais serão distribuídos entre o governo central, Estados e municípios, nem como as novas regras fiscais interagirão com outras regras existentes, como a Regra de Ouro, que fez pouco para preservar o investimento público no passado. A complexidade poderia ser reduzida consolidando todas as regras fiscais em uma única lei, garantindo consistência e esclarecendo a hierarquia entre diferentes regras fiscais”.

A entidade alerta que os governos subnacionais podem criar riscos fiscais significativos para o governo central e que, ainda que a atual legislação traga regramentos sobre limites de dívidas e despesas com pessoal, há dificuldades com o monitoramento e aplicação delas. “Alguns Estados e municípios acumularam grandes dívidas ao longo do tempo e alguns ainda estão contraindo mais dívidas do que permitido por lei. O governo federal interveio várias vezes nas finanças subnacionais, criando uma expectativa de apoio financeiro futuro e incentivos para mais gastos”, pontua.

Apenas neste ano, a União concedeu uma ajuda extra a Estados e municípios, antecipando compensações das perdas de ICMS, que seriam feitas em 2024, e ampliando repasses para os fundos de participação. Esse socorro foi uma resposta, sobretudo, à marcha de prefeitos, que pressionaram o Congresso por mudanças acenando com dificuldades fiscais, e conseguiram os benefícios, estendidos aos Estados. Para a União, essa fatura custou quase R$ 15 bilhões.

O documento pontua que o sistema de Capacidade de Pagamento (Capag) tem sido eficaz para limitar o risco fiscal dos governos subnacionais, ao condicionar garantias federais para empréstimos dos subnacionais a padrões de desempenho fiscal mínimos.

“No futuro, as classificações Capag poderiam ser usadas para determinar a extensão do endividamento permitido dos subnacionais, em vez de decidir sobre a elegibilidade para garantias federais. Isso permitiria que os governos subnacionais com contas fiscais sólidas contraíssem mais empréstimos, ao mesmo tempo em que criaria incentivos de longo prazo para que eles fortalecessem suas contas fiscais”, sugere a OCDE.O Ministério da Fazenda sugeriu, neste ano,

mudanças na Capag para ampliar o acesso de Estados e municípios de menor porte a operações de crédito com apoio do Tesouro Nacional. O objetivo do pacote é incentivar a melhoria da saúde fiscal e elevar a nota de crédito desses entes.