Economia
Cultura do medo

Subordinados dizem que as ordens do Beto moldaram a cultura da Americanas

Funcionários da empresa fazem referência aos efeitos das ordens de Beto Sicupura, acionista e sócio da empresa, no dia a dia.

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10 de fevereiro de 2023
Vinicius Palermo
Subordinados dizem que as ordens do Beto moldaram a cultura da Americanas
As "ordens do Beto" se intensificaram após a fusão da B2W com a Americanas.

“Ordens do Beto” era uma expressão frequente na Americanas até para questões do dia a dia que, normalmente, não competem ao conselho de administração, segundo profissionais da empresa. O “Beto” da frase era Carlos Alberto Sicupira, sócio de Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles. Juntos, os três são os maiores acionistas da Americanas e sócios da varejista desde 1983.

No passado, eles eram os controladores da companhia, mas reduziram participação no mais recente arranjo societário, anunciado em 2021. Relatos como os feitos por empregados da varejista, sob condição de anonimato, e documentos jurídicos mostram que Sicupira tinha papel ativo na gestão da empresa. Nos últimos dias, ele tem assumido a frente em negociações com bancos credores.

Ao lado de um membro da família de Lemann, Paulo Alberto Lemann, Sicupira tem assento no conselho de administração da Americanas, que trava uma disputa na Justiça com fornecedores e bancos credores depois de tornar público um rombo de R$ 20 bilhões em seu balanço. Sem caixa e com dívidas que superam os R$ 43 bilhões, a empresa entrou em regime de recuperação judicial.

A referência às ordens de Sicupira era tão frequente, diz uma ex-executiva da companhia entrevistada na condição de anonimato, que determinados pedidos pareciam ter sido creditados ao acionista como forma de evitar questionamentos dos empregados.

Funcionários, que também preferem não se identificar, dizem que Sicupira era presença frequente na sede da empresa, no centro do Rio. E, quando não estava, seu interlocutor na companhia era o ex-CEO Miguel Gutierrez.

Segundo funcionários, na época da junção da B2W e da Lojas Americanas, os encontros se intensificaram. Esse processo ocorreu durante a pandemia, o que desencadeou chamadas de vídeo recorrentes, nas quais Sicupira aparecia mais do que em reuniões presenciais. Ele, aliás, é conhecido como o nome que revitalizou a marca Americanas.

Quando estava na sede da companhia, seu contato era mais restrito à cúpula da empresa. Diretores abaixo de cada vice-presidência até faziam apresentações, mas não permaneciam na sala o tempo todo. O contato com os funcionários de mais baixa patente era quase nulo.

De maneira geral, os relatos apontam que a cúpula da companhia não tinha grande autonomia. Em reuniões com banqueiros, por exemplo, Gutierrez chegava a sair da sala para ligar para Sicupira na hora de tomar decisões – a ponto de ser descrito por uma fonte do segmento varejista como “um C-level (membro do comando) mais fraco, menos autônomo do que o que se vê no setor”.

Os três acionistas de referência têm como marca a busca feroz por resultados nas empresas em seu portfólio. Uma das fontes ouvidas pela reportagem traduz essa postura como uma “cultura do medo”. Nas palavras dos advogados do BTG, nos autos do processo que move contra a empresa, era a cultura do “sucesso a qualquer custo”.

Documentos judiciais de bancos credores que processam a Americanas também relatam a presença marcante de Sicupira nas decisões do dia a dia do grupo e a participação ativa na gestão. Essa, aliás, é a tese dos advogados para responsabilizar não só Sicupira, como Lemann e Telles pelos problemas do grupo, que os bancos dizem abertamente ser fraude e os três alegam não ter tido conhecimento.

Em petição do Bradesco, os advogados dizem que, ao esconder por anos os erros no balanço, Sicupira e os sócios “puderam apurar artificialmente maiores lucros, e assim receber mais dividendos” Só nos últimos 10 anos, prazo estimado dos problemas contábeis, os pagamentos de dividendos somaram R$ 1,8 bilhão, segundo o Warde, escritório contratado pelo Bradesco.

Entre banqueiros e executivos de bancos credores, a presença de Sicupira na companhia é tida como certa. Um executivo do mercado financeiro afirma que a presença do investidor no conselho da Americanas tinha destaque. Outro diz ser impossível que Sicupira não soubesse do rombo contábil, dada a sua proximidade com a administração da companhia, em especial com Gutierrez.

Em ação do Itaú, por exemplo, ele é nominalmente citado entre as pessoas ligadas à companhia a cujos e-mails o banco gostaria de ter acesso. Na do Bradesco, a citação é genérica, mas o escopo – ex e atuais executivos e conselheiros, em um período de dez anos – envolve Sicupira. Procurados, Sicupira, Lemann e Telles não responderam a pedidos de entrevista. A Americanas não se pronunciou até a conclusão desta edição.

O juiz Paulo Assed Estefan, da 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio, autorizou financiamento especial para a Americanas no valor de R$ 2 bilhões na forma de 2 mil debêntures de R$ 1 milhão. O ingresso de recursos se daria em dois momentos: o primeiro, de R$ 1 bilhão, “para desembolso imediato e emergencial”, diz a decisão, subscritos por acionista de referência, com o compromisso de suprir até o montante de R$ 1 bilhão, caso não haja outros credores da empresa interessados na participação no financiamento.