Economia
Eficiência

Campos Neto diz que mudança de meta pode ganhar flexibilidade

Campos Neto voltou a alertar para movimentos em momentos de questionamentos, o que podem trazer desdobramentos negativos.

Compartilhe:
22 de maio de 2023
Vinicius Palermo
Campos Neto diz que mudança de meta pode ganhar flexibilidade
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto discursa no congresso Mercado Global de Carbono, no Jardim Botânico, zona sul do Rio.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, evitou na segunda-feira, 22, tecer avaliações sobre uma possível mudança da sistemática de meta de inflação de ano-calendário para contínua, como vem sendo defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Em seminário do jornal Folha de S.Paulo, ele disse que o processo é definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), onde o BC tem apenas um voto, mas voltou a alertar para movimentos em momentos de questionamentos, o que podem trazer desdobramentos negativos.

“Faz parte das regras do jogo o governo definir a meta que quer ter e o BC ter as ferramentas de forma autônoma para perseguir inflação. Seria muito conflituoso o BC decidir a própria meta”, disse Campos Neto. “O governo tem autonomia para decidir a meta, o BC atua como conselheiro. Não cabe ao BC comentar se uma é melhor que a outra”, completou.

Campos Neto afirmou, porém, que é preciso se atentar para as alterações que são feitas em momentos de “questionamento”. “Às vezes, mudanças feitas para gerar eficiência podem ser interpretadas como mudanças para ganhar flexibilidade. Temos elementos históricos de que esse não é caminho. Melhor caminho é perseguir a meta e melhorar eficiência do regime”, disse, citando o caso da Argentina, onde as expectativas inflacionárias e a inflação subiram e o câmbio despencou.

Sobre uma elevação do nível da meta, o presidente do BC destacou que há uma discussão global sobre o tema em meio ao choque inflacionário da economia. Alguns defendem a mudança, enquanto outros argumentam que a alteração poderia gerar a impressão errada, aumentando os prêmios de riscos das expectativas ante a meta. “O BC debateu isso internamente e entende que mudar a meta para cima não traria flexibilidade”, repetiu.

O presidente do Banco Central afirmou ainda que a “personalização” das críticas ao BC em seu nome mostra baixo conhecimento no processo de amadurecimento da autonomia da autoridade monetária. Ele ainda disse que esperava que o aumento de juros realizado pelo BC em meio à campanha eleitoral fosse reconhecido pelo governo.

Campos Neto destacou que o amadurecimento sobre a autonomia tende a aumentar ao longo do tempo, inclusive com a entrada de novos diretores no BC. Recentemente, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, e o técnico da autarquia Ailton Aquino foram indicados para as vagas abertas. Duas novas cadeiras podem ser alteradas em dezembro, conforme a lei de autonomia.

“Vamos ter novos diretores, que têm toda capacidade de ter opiniões diferentes, mercado vai entender as opiniões diferentes Isso já acontece hoje”, disse o presidente do BC, citando a divergência da reunião de setembro, quando dois diretores votaram por nova alta de juros, enquanto a maioria decidiu pela estabilidade da taxa.

Campos Neto reconheceu que o presidente da República tem direito de entrar em debate sobre taxa de juros, como está acontecendo, inclusive, em vários países. Mas confessou que acreditou que o trabalho do BC seria reconhecido, uma vez que subiu bastante os juros em um ano eleitoral em 2022, para garantir que a inflação seria mais comportada “independentemente de quem ganhasse”.

“Confesso que considerei que isso seria reconhecido. Fizemos aumento muito grande, com todos os questionamentos se era bom para o governo”, apontou Campos Neto. “Faz parte do debate. Algumas declarações vêm no sentido de não ter entendido as regras do jogo. É importante entender que desenhamos autonomia, que tem regras a serem seguidas”, completou.

O presidente do Banco Central disse que o indicado à diretoria de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, tem capacidade técnica para assumir o posto, assim como o técnico do BC que foi apontado para a cadeira de Fiscalização, Ailton Aquino. Mas ele destacou que não foi uma escolha sua. “Fiquei sabendo através da mídia”, comentou.

Sobre uma possível sucessão de Galípolo, hoje secretário-executivo do Ministério da Fazenda, para a presidência do BC, Campos Neto afirmou que seria deselegante comentar, até porque o número 2 de Fernando Haddad ainda nem foi sabatinado.

Ao anunciar a indicação de Galípolo para o BC, Haddad disse que Campos Neto havia sido a primeira pessoa a mencionar a possibilidade de o secretário-executivo da Fazenda tornar-se diretor da autoridade monetária.

“Qualquer indicação para o BC que venha de fora vai saber que tem um quadro muito técnico e que, se quiser desviar muito da opinião técnica, vai ter que ter um processo de convencimento, que é técnico. Se, depois disso, algum diretor tiver opinião muito diferente do quadro técnico e dos outros diretores, vai ter um debate, que vai se refletir na comunicação do BC. A sociedade e os mercados vão julgar ao longo do tempo os resultados”, comentou Campos Neto, no seminário.

Segundo ele, é saudável ter divergência nas decisões do Comitê de Política Monetária (Copom). Para Campos Neto, com o processo de autonomia e transição de governos, vai diminuir a unanimidade, mas isso vai ocorrer dentro de um ambiente técnico e saudável. O presidente do BC disse ainda que a autonomia indica que o governo tem o direito de escolher os diretores.

Sobre a autonomia do BC, Campos Neto disse que é importante avançar na parte administrativa e financeira, algo que fica para os seus sucessores. A autonomia hoje do BC é apenas operacional. Sobre uma possível revisão da independência formal, o presidente do BC disse que é uma questão para o Congresso.

O presidente do Banco Central elogiou novamente o trabalho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na confecção do novo arcabouço fiscal, vencendo críticas até de alas do governo. “Haddad trabalhou de forma muito dura. Eliminou completamente o risco de que a dívida saia do controle “

Campos Neto voltou a dizer, entretanto, que não há relação mecânica entre o arcabouço e a política monetária, que tem como conector o efeito nas expectativas. “A relação é através canal de expectativas. A pergunta é o que eu posso fazer para maximizar melhora de expectativas para abrir cenário em que o BC tenha condições para cair os juros.”

Segundo Campos Neto, há uma preocupação no mercado entre a relação de gastos e receitas no arcabouço. “Não cabe ao BC comentar. O importante é ser feito com credibilidade, que é o que atua sobre o canal de expectativas e abre a capacidade para o BC atuar.”

Durante sua apresentação, o presidente do BC citou o receio do mercado com o crescimento de gastos em termos reais. No relatório do arcabouço, o relator do projeto, Cláudio Cajado (PP-BA), determinou que as despesas podem crescer 2,5% em termos reais em 2024 sob qualquer condição de receita, como uma espécie de regra de transição.

Campos Neto ainda disse que não pode antecipar as decisões das próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), mas disse que o BC tem elucidado as preocupações principais, como a desancoragem de expectativas, a questão do hiato, a desinflação lenta e os núcleos persistentes, especialmente os preços de serviços.