Economia
Restrições

Campos Neto diz que batalha contra inflação não está ganha

Campos Neto, porém, não deu dicas sobre o quão restritiva terá de ser a política monetária para controlar a inflação.

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25 de agosto de 2023
Vinicius Palermo
Campos Neto diz que batalha contra inflação não está ganha
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, voltou a dizer que a batalha da inflação no País ainda não está ganha, com uma parte ainda bastante acima da meta, o que ainda demanda um quadro restritivo de juros em meio ao processo de afrouxamento monetário. Campos Neto, porém, não deu dicas sobre o quão restritiva terá de ser a política monetária para controlar a inflação. “Vai depender do caminho que vamos tomar e das variáveis até lá”, disse.

Nesse sentido, Campos Neto afirmou que há consenso no Comitê de Política Monetária (Copom) para continuidade de cortes de 0,50 ponto porcentual na taxa Selic.

No início do mês, o Copom decidiu pela primeira queda dos juros de 13,75% para 13,25% ao ano. Campos Neto citou que a parte de serviços da inflação está melhor, mas não como o Copom gostaria. “E a expectativa de inflação está em 3,5% quando a meta é 3%.”

Na entrevista, questionado sobre uma percepção de que o BC demorou a reduzir os juros, Campos Neto disse ter dificuldade em ver que a autoridade monetária tenha demorado para apertar ou para afrouxar a política monetária. “Foi o primeiro BC a subir os juros e um dos primeiros a cair também”, disse, repetindo que a autarquia teve visão privilegiada sobre a persistência da inflação após a pandemia de covid-19. “Percepção de outros BCs é de que BC aqui foi rápido e forte, mesmo em ano de eleição”, completou, reforçando o argumento de autonomia da instituição.

O presidente do Banco Central destacou as mudanças recentes no cenário internacional, com mais preocupações com o quadro da China e dos Estados Unidos. Segundo ele, duas coisas principais ocorreram: um temor maior com o panorama fiscal dos EUA e a deflação na China, que reforça a expectativa de desaceleração da economia do país asiático.

“O fiscal dos EUA, que está bastante expansivo, começou a cobrar seu preço. Houve o alerta da Fitch sobre a dívida americana e depois houve um pouco de mau humor dos mercados. Na China, houve um dado de deflação totalmente inesperado e parece que a economia está desacelerando. Os dados de envelhecimento da população mostram que está muito mais acelerado do que se imaginava.”

Campos Neto avaliou que a China não tem tanto espaço para corte de juros e que os movimentos já feitos “não fazem tanta diferença assim”.

Além disso, destacou que a crise no setor imobiliário chinês parece mais grave do que o esperado. “A China não faz parte dessa sincronia global da política monetária, eles têm mundo à parte. Subiram os juros quando quase todo mundo estava caindo e agora estão caindo quando grande parte do mundo desenvolvido ainda está subindo.”

O presidente do Banco Central voltou a atribuir a taxa elevada cobrada no rotativo do cartão à inadimplência do rotativo de cartão de crédito e às particularidades do meio de pagamento no Brasil, como o crescimento do parcelado sem juros. Campos Neto afirmou que o BC reconhece a importância do parcelado sem juros para a população e para o comércio, mas ponderou que a inadimplência no cartão é alta.

“Precisamos de uma solução que reduza os juros do rotativo, mas que afete o menos possível o consumo brasileiro. É isso que está sendo estudado, não posso adiantar porque não depende só do BC. Mas temos tentado fazer uma transição para melhorar o produto cartão de crédito”, disse.

Campos Neto citou que a inadimplência no rotativo é de quase 50%, enquanto no mundo há dificuldade de achar países em que os atrasos acima de 90 dias ultrapassam 25%. Já a fatia de parcelado sem juros é grande e cresceu, com parcelamento muito longo em produtos da linha branca, por exemplo. “A massa de crédito alocada em cartão de crédito hoje é de 20%, sendo que 15% é parcelado sem juros e 5% com juros, é três vezes maior.”

O presidente do BC repetiu que outro ponto de desequilíbrio é que cresceu muito o crédito via cartão, especialmente devido aos entrantes na modalidade e aos varejistas, que queriam fidelizar os clientes. Esses players têm inadimplência e juros mais altos, que chegam a 75% e a 700%, respectivamente. Até junho, o rotativo cobrava em média 437% de juros ao ano.

Campos Neto também voltou a dizer que a baixa recuperação de crédito afeta o juros no Brasil. Segundo ele, a recuperação de crédito no País só não é pior que países como Burundi, Zimbábue e Haiti. Além desse ponto, o presidente do BC afirmou que o Marco Legal de Garantias ajudaria a baixar os juros.

Na quinta-feira, 24, o deputado Alencar Santana (PT-SP) apresentou seu relatório do projeto de lei sobre o Desenrola Brasil, que também discute os juros do rotativo e do parcelado com juros do cartão.
Alencar deu 90 dias a partir da aprovação da lei para que as instituições financeiras apresentem uma proposta para baixar os juros em autorregulação. Se não houver consenso, a proposta é de delimitar os juros ao valor do principal da dívida.

O presidente do Banco Centra riu ao ser questionado sobre ter sido um interlocutor do então presidente Jair Bolsonaro como um agregador de pesquisas eleitorais. “Se o governo precisasse de consultoria política minha, estaria em maus lençóis, porque não entendo nada de política”, disse. “Quando leio que eu prestava consultoria política para o governo nas eleições, para mim chega a ser engraçado”, continuou.

Campos Neto garantiu que nunca conversou com o então presidente Bolsonaro sobre pesquisas eleitorais e nem com o marqueteiro do governo “sobre nenhum assunto”. Porém, na entrevista, ele foi lembrado que surgiu a confirmação de um encontro em maio de 2022, poucas horas antes da decisão do Copom com o presidente Bolsonaro. Esse encontro só foi revelado meses depois. Campos Neto disse que tentou se lembrar sobre essa reunião específica. “De vez em quando, (Bolsonaro) me chamava para falar.

Se o presidente Lula me chamasse para falar num dia de reunião do Copom, eu ia com certeza e tenho certeza que o próximo presidente do BC, se o presidente chamar, irá com certeza”, argumentou.
O melhor, segundo ele, é observar como o BC atuou após esse encontro.

“O que o BC fez? Atuou de forma autônoma, subiu os juros de um ano e meio antes das eleições até três meses antes das eleições, colocou os juros num patamar muito alto de forma independente exatamente para ter certeza de que o próximo mandato, independente de ser um incumbente ou não, a gente pudesse ter situação de juros mais baixos”, descreveu.

O certo, de acordo com o presidente da autoridade monetária, é “sair do ruído e dos factoides” e prestar atenção ao que foi feito “de verdade”, reforçando que o BC sempre atuou de forma independente e técnica.

Campos Neto argumentou que o chamado “período do silêncio”, que é quando os integrantes do Copom evitam fazer comunicações públicas, principalmente sobre assuntos ligados à política monetária, vale apenas para agentes de mercado, e não para integrantes do governo. Principalmente, de acordo com ele, para integrantes do alto Executivo. “Eu tive algumas reuniões com Bolsonaro com certeza. Acho que essa foi para discussão do Plano Safra”, cogitou.

Mais uma vez, o comandante do BC disse que a instituição atuou de forma autônoma sobre os juros. “O BC atuou de forma autônoma e vai continuar assim. Se me chamarem, eu vou em qualquer momento porque acho que é importante, e não infringe as regras do Copom.”