Economia
Juros altos

Campos Neto admite que inflação no Brasil surpreende na parte qualitativa

Campos Neto destacou ainda que a inflação do Brasil tem se comportado melhor do que a média global indicaria.

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18 de outubro de 2023
Vinicius Palermo
Campos Neto admite que inflação no Brasil surpreende na parte qualitativa
Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse na quarta-feira, 18, que a inflação corrente tem surpreendido positivamente no Brasil, sobretudo na parte qualitativa. “A parte de núcleos também tem tido uma surpresa positiva”, comentou o banqueiro central, em evento do Credit Suisse.

Campos Neto destacou ainda que a inflação do Brasil tem se comportado melhor do que a média global indicaria. Repetiu, ainda, que foi importante manter o centro da meta de inflação em 3% para promover uma redução das expectativas de IPCA de longo prazo.

O presidente do BC salientou também que o Brasil tem juros reais altos, mas que o diferencial em relação a outros países diminuiu ao longo dos anos. Ainda repetiu que é necessário avançar na agenda de recuperação de crédito.

“É um tema super importante, grande parte do problema está no fato de a recuperação de crédito ser judicial”, comentou Campos Neto.

O presidente do BC ainda destacou que o Brasil é “disparado” o país que mais tem crédito direcionado, o que mantém os juros altos.

“Não é uma fala específica em relação ao que o BNDES está fazendo, ou ao que um banco A, B ou C está fazendo”, afirmou Campos Neto. “Quando o crédito direcionado caiu, o juro estrutural também caiu”, completou.

O presidente do Banco Central disse também que questionamentos sobre o caminho da desinflação à frente têm marcado debates internacionais, incluindo as últimas reuniões do FMI, no Marrocos.

“Uma das perguntas que surgiu muito nas reuniões internacionais é de onde vai vir a desinflação daqui para a frente”, disse Campos Neto.

O banqueiro central destacou que a inflação parou de cair em alguns países, em parte devido ao aumento dos preços de energia. Esses fatores levaram, inclusive, a um aumento nas projeções de inflação de alguns países para 2024.

Campos Neto salientou ainda que os preços do petróleo já sofriam “implicações” do arranjo entre Arábia Saudita e Rússia mesmo antes do conflito entre Israel e Hamas. Mas notou que grande parte dos países têm expectativas de inflação entrando no intervalo da meta, sobretudo para 2024 e 2025.

Sobre o Brasil, o presidente do BC voltou a destacar que a manutenção do centro da meta em 3% foi importante para ancorar as expectativas. Campos Neto disse ainda que os preços de alimentos continuam contribuindo para a desinflação no País.

Campos Neto disse ainda que a precificação da curva de juros norte-americana tem sido o principal tema de política mundial global.

“Em termos de política monetária, todos os olhos agora estão na precificação da curva americana”, disse ele, acrescentando que este é um dos primeiros momentos em que diversos países se referem ao tema da taxa de juros americana como um dos principais fatores para determinar os juros locais.

O presidente do BC acrescentou que há dúvidas no curto prazo sobre se o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) pode voltar a elevar os juros a partir de dezembro.

Sobre a curva, destacou que há incerteza sobre se existe um componente fiscal no aumento dos juros. “A grande pergunta é: será que tem alguma coisa de fiscal nessa curva de juros americana ou é uma coisa técnica?”, disse, lembrando que há dúvidas sobre o impacto de alguns programas fiscais nos EUA, mas também que a China tem vendido títulos do Tesouro americano.

O presidente do Banco Central repetiu que a autoridade monetária costuma ter uma postura mais conservadora porque os custos de errar para baixo na calibragem dos juros são maiores em países emergentes do que no mundo desenvolvido.

“Quando você senta na cadeira do BC, você fica mais conservador quase que imediatamente. Em qualquer processo de ajuste monetário, há dois tipos de erro: fazer demais ou fazer de menos O BC sempre navega entre esses dois erros, não querendo cometer nenhum deles. Mas no caso dos emergentes, o segundo tipo de erro tem um custo de credibilidade e um custo de reancoragem muito grande”, afirmou.

Segundo Campos Neto, no caso brasileiro, o BC até corre o risco de ser um pouco mais conservador porque sabe que o custo de um erro seria muito maior em termos sociais e de colapso de crédito “Historicamente, é muito mais fácil para um BC de país desenvolvido ajustar um pouco de menos os juros, porque ele pode voltar depois e subir. A gente viu os exemplos recentes do Canadá e da Austrália, que pararam de subir os juros e depois tiveram que voltar. Se um emergente tivesse passado por isso, o custo seria muito maior”, comparou.

O presidente do Banco Central disse ainda que é importante que o Brasil faça o “dever de casa” na política fiscal. Ele lembrou que o aumento dos juros globais parece responder, ao menos em parte, a preocupações fiscais com economias desenvolvidas.

Durante a participação em evento do Credit Suisse, o banqueiro central reconheceu dificuldades em temas como cortar gastos, mas defendeu que é importante perseverar no processo de ajuste fiscal. “Eu já estou aqui há quase cinco anos, já passei por dois governos e muitas histórias são parecidas, sempre olhando o que dá para cortar de gastos, e é super complicado, porque a gente tem um orçamento que é muito carimbado, muito indexado”, comentou. “Acho que é importante persistir no fiscal.”

Campos Neto acrescentou que o processo de desinflação do Brasil tem variáveis melhores do que o observado no mundo desenvolvido, como a dinâmica da inflação de alimentos e uma menor pressão de renda das famílias. “Não tem como dizer que ele vai continuar por muito tempo, não tem como fazer essa previsão. Mas eu acho que ele tem uma parte qualitativa melhor do que o que eu vejo em alguns países do mundo desenvolvido”, afirmou.

Em termos globais, Campos Neto afirmou que é possível que a inflação mundial estacione em “patamar mais alto”, acima do nível de 2% a 3%. “Pode ser que seja 3,5%, um pouco mais alto”, comentou.

Segundo o presidente do BC, a grande questão é a taxa de sacrifício que as economias aceitarão para levar a inflação para a meta, e em qual período. Ele destacou que, quanto mais a desinflação é postergada, mais tempo é necessário viver com juros mais longos, o que causa aperto de liquidez.