Economia
Resultado fiscal

Campos Neto diz que arrecadação tem surpreendido para baixo

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, avaliou que o resultado primário superavitário do ano passado foi beneficiado por uma inflação mais alta

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17 de agosto de 2023
Vinicius Palermo
Campos Neto diz que arrecadação tem surpreendido para baixo
Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, avaliou na quinta-feira, 17, que o resultado primário superavitário do ano passado foi beneficiado por uma inflação mais alta e pelo congelamento dos salários do funcionalismo. No primeiro semestre deste ano, o Governo Central registrou déficit primário de R$ 46,5 bilhões.

“A arrecadação tem surpreendido para baixo em alguns casos, apesar de economia estar crescendo mais. Quando passa a consumir menos bens e consome mais serviços, ou quando o crescimento é mais baseado em agricultura, a arrecadação é menor”, afirmou Campos Neto.

Para o presidente do BC, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está muito empenhado com a melhoria do resultado fiscal. “Não é trabalho fácil de fazer. E não adianta criar soluções que não sejam estruturais”, avaliou. Mais uma vez ele defendeu a aprovação de medidas de arrecadação para que o governo consiga realizar um resultado fiscal zero em 2024.

“O grande questionamento é se essas medidas de receita vão ser aprovadas e gerarão o impacto esperado”, avaliou Campos Neto. “O resultado fiscal não precisa ser exatamente zero. O que o mercado observa é qual é o tipo de sucesso que teremos no caminho em direção ao equilíbrio das contas”, completou.

Campos Neto destacou novamente que o Brasil precisa endereçar de forma estrutural o crescimento real do gasto público, que neste e nos próximos anos deve ficar bem acima do esperado em outros países emergentes. Ele citou mais uma vez a aprovação de uma reforma administrativa como uma medida que tem efeito de longo prazo com ganhos que podem ser antecipados.

“Eu vejo alguns anseios injustos. Eu entendo que existe anseio em cortar gastos, mas 40% da despesa está indexada por lei. Se fosse fácil já teria sido feito”, concluiu o presidente do BC.

O presidente do BC repetiu ainda que nunca cogitou entrar para a política partidária. “Meu avô tinha horror de que a gente um dia entrasse para a política. Ele passava um bom tempo dizendo que era muita frustração, um trabalho duro. Ele falava para a gente tentar fazer coisas mais técnicas, ligadas ao mundo privado”, afirmou.

E completou: “Quando acabar meu período no BC, provavelmente vou ingressar no mundo privado, em algum tipo de projeto.”

Campos Neto tem mandato na presidência do BC até o fim de 2024. Ele lembrou que sugeriu que a lei de autonomia da instituição proibisse a recondução do presidente. “O mandato de quatro anos no BC é bastante, dá para fazer bastante coisa”, acrescentou.

Questionado sobre as diferenças entre presidir o BC nos governos Bolsonaro e Lula, ele reiterou a necessidade de mostrar que o trabalho da autarquia é técnico. “Estou há pouco tempo no governo Lula, acho que as coisas vão se acomodando. Não podemos descuidar da inflação, senão ela volta e vem indexação”, respondeu.

E concluiu: “Passamos por um teste de transição de governos agora. Críticas fazem parte do processo. Eu estava preparado e tive críticas também no outro governo. As pessoas esquecem disso muito rápido.”

O presidente do BC repetiu que a China é muito importante para o Brasil e o chamado mundo emergente. “Quando a China espirra, os emergentes pegam um resfriado. Temos visto desaceleração da China acima do esperado e um número de deflação completamente inesperado. Empresas grandes da parte imobiliária na China começaram a não fazer pagamentos e entraram em situação falimentar”, destacou.

Campos Neto voltou a citar o corte de juros na China, mas repetiu que isso não deve ser suficiente para promover grandes mudanças. “Existe a interpretação de que governo chinês pode conviver com crescimento mais baixo, ainda que seja um crescimento bom. Hoje o mercado migra para alguma coisa mais próxima de 4,0% ou mesmo abaixo disso”, completou.

Sobre os Estados Unidos, Campos Neto apontou que o mundo só ficou atento à parte fiscal norte-americana após o alerta da Fitch.

“Os gastos dos EUA estão altos e é difícil saber como isso vai impactar a macroeconomia. Isso explica um pouco a resiliência do crescimento nos EUA”, acrescentou o presidente do BC brasileiro

O presidente do Banco Central disse que a barra para aumentar ou reduzir o ritmo de cortes da Selic para além de 0,50 ponto porcentual por reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) é bastante alta.
“A gente enxerga que o ciclo de 0,50 ponto porcentual é apropriado. A barra é alta para mudar o ritmo tanto para cima quanto para baixo”, afirmou Campos Neto. “Estamos olhando inflação corrente, expectativas e hiato”, completou.

Campos Neto revelou que defendeu uma sinalização de porta aberta ao corte de juros na reunião de junho, assim como votou por um corte mais expressivo em agosto.

No começo do mês, o Copom optou por iniciar o ciclo de afrouxamento monetário com uma queda de 0,50 ponto porcentual dos juros básicos, para 13,25% ao ano, o que surpreendeu uma parte do mercado, que apostava majoritariamente em uma queda mais “parcimoniosa”, de 0,25 ponto. O colegiado sinalizou ainda a manutenção do ritmo de cortes nas próximas reuniões.

O presidente do Banco Central disse também que a divisão da última reunião do Copom reflete a divisão que já havia ocorrido sobre a comunicação de próximos passos da reunião de junho.

“No Copom de junho, havia uma divisão muito grande sobre porta aberta ou fechada para redução de juros na comunicação sobre a reunião de agosto. A gente não sabia qual seria a nova meta de inflação (para 2026) e qual seria o efeito nas expectativas de mercado”, afirmou Campos Neto. “Entre um Copom em outro foi decidida a meta de 3,0% e as expectativas ficaram mais próximas da meta. A dinâmica de inflação também ficou um pouco melhor”, completou.

Ele destacou que os membros do Copom que queriam deixar a porta fechada para cortes em junho votaram pelo corte de 0,25 ponto porcentual, enquanto quem queria deixar a porta aberta entendeu que já havia condições para um corte de 0,50 ponto porcentual.