O feijão é item fundamental na mesa do brasileiro, desde as refeições mais cotidianas à feijoada de domingo. A tendência, porém, é de que o alimento seja cada vez menos consumido no Brasil, conforme um estudo de pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que também reforça os benefícios desses grãos à saúde. Segundo o trabalho, quem deixa de comer feijão com regularidade tem 10% mais risco de desenvolver excesso de peso e 20% de ficar obeso.
Já aqueles que consomem feijão regularmente (de cinco a sete dias da semana) têm 14% menos chance de lidarem com sobrepeso e 15% menos risco de ficarem obesos. A tendência, aponta o trabalho, é de que até 2025 a grande maioria dos adultos vai consumir o alimento de forma irregular (de um a quatro dias por semana), mudança ante a tendência histórica. Na análise por gênero, constata-se que as mulheres já comiam feijão menos de cinco vezes por semana em 2022. Para os homens, a previsão é que isso mude a partir de 2029.
O estudo analisou dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), conduzido pelo Ministério da Saúde. Foram levadas em conta entrevistas com mais de 500 mil adultos, feitas de 2009 a 2019. O trabalho consiste na tese da nutricionista Fernanda Serra Granado, doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG.
“O feijão é um marcador da qualidade da dieta, porque apresenta excelente perfil nutricional, contribuindo para o bom funcionamento do organismo e para a saúde da população. Além disso, representa elemento essencial, muitas vezes, para a segurança alimentar”, diz ela. O trabalho também compreende outros fatores que podem levar a sobrepeso e obesidade, como aqueles ligados ao estilo de vida – tabagismo, falta de atividade física e consumo abusivo de álcool.
A associação observada, dizem os especialistas, pode decorrer de más escolhas alimentares feitas pelos que abandonaram ou reduziram o consumo. “Quando consome feijão, o indivíduo põe na mesa outros alimentos saudáveis, como arroz, vegetais, salada e mesmo carne, compondo um prato nutricionalmente equilibrado. Quando deixa de comer feijão, muitas vezes faz escolhas alimentares mais inadequadas, que apresentam elevada quantidade de calorias, por exemplo, o que pode levar ao ganho de peso da população adulta”, diz Fernanda.
Assim como demais leguminosas, o feijão é rico em proteínas vegetais, fibras, vitamina B, ferro, cálcio, potássio, fósforo e zinco. Além disso, a maioria dos feijões têm baixos teores de gordura. São semelhantes à carne em nutrientes, mas com níveis de ferro mais baixos e gorduras não saturadas. Esses alimentos contêm antioxidantes que ajudam a prevenir células danosas e combater doenças, com importância para a regeneração de tecidos e a formação de músculos. As fibras do feijão oferecem ainda benefícios para o sistema digestivo.
O analista contábil Roberto Reis, de 23 anos, diz ser um fã da “duplinha brasileira”, brincadeira em referência ao dueto do feijão com o arroz. “Quando não como em casa, geralmente pego pratos com arroz e feijão nos restaurantes. Ele está sempre presente”, conta.
“Quando como arroz e feijão sempre incluo no prato outras coisas Variedades de saladas e carnes, por exemplo. Não sou uma pessoa que foca tanto na questão de ter ótimos hábitos alimentares, mas busco comer bem no almoço, principalmente, para atender o máximo possível a essa questão. O feijão, com certeza, contribui para isso”, relata ele.
Trabalho publicado no Journal of the American College of Nutrition, de 2008, indicou que aqueles que comem feijão tendem a ter menos peso e menor circunferência da cintura, em comparação com os que não consomem. O levantamento, feitos nos Estados Unidos, apontava que consumir feijão diminui em 23% o risco de aumento da região abdominal e em 22%, o de obesidade.
O feijão é um grande símbolo da cultura alimentar no Brasil, especialmente quando combinado ao arroz, prato já incorporado aos hábitos alimentares dos brasileiros. Isso é reforçado pelo Guia Alimentar para a População Brasileira de 2014, publicação do Ministério da Saúde. O documento destaca, entre outros fatores, a importância do consumo de alimentos in natura ou minimamente processados, como leguminosas, como base para uma alimentação saudável.
Por trás dessa mudança de cardápio, há uma questão socioeconômica, segundo Cris Maymone, nutricionista e mestre em Nutrição em Saúde Pública pela USP. “O feijão tem perdido espaço também pela questão financeira, enquanto ultraprocessados (como macarrão, bolos e biscoitos) ganham mais destaque. Esses alimentos dão maior sensação de saciedade a preços baixos, o que faz com que pessoas em situações mais vulneráveis optem por eles. O valor financeiro é o que mais pesa”, ressalta.
Outra questão apontada pela profissional são as dietas restritivas que aconselham reduzir ou cortar o consumo de carboidratos, conhecidas como low carb. Para Cris, quando não aplicadas corretamente, essas dietas podem ser prejudiciais à saúde. “Muitas vezes as pessoas eliminam alimentos ricos em fibra, por exemplo, como arroz e feijão, importantes para nossa alimentação”, diz.
No caso de Carmen Silvia Pagotto, de 69 anos, foi necessário reduzir o consumo de alimentos como arroz, macarrão e pães de farinha branca, além de frituras e açúcar em excesso. A dieta foi motivada por recomendação de sua médica endocrinologista, após ela sofrer com uma inflamação grave no joelho, que prejudicava seu bem-estar. “Emagrecer era uma condição para melhorar. Eu mal conseguia caminhar, por conta da dor”, relata. Mas ela não deixou de comer o feijão, presente quase todos os dias em seu cotidiano.
“Percebi que o feijão e outras leguminosas, como lentilha e grão-de-bico, garantem mais saciedade do que o arroz, além de serem mais saudáveis. Antes, meu jantar era um lanche: pão com frios e requeijão, por exemplo. Agora passei a comer legumes e carnes com feijão à noite”, conta. Segundo a socióloga aposentada, foi a combinação perfeita para ela: o regime alimentar tem funcionado e promoveu melhor qualidade de vida. Carmen já havia passado por outras dietas, algumas delas mais restritivas, sem consumo de feijão nem carboidratos de nenhum tipo, mas nenhuma deu tão certo.
Além de saber quem são os mocinhos da nossa dieta, é importante reconhecer quem são os vilões no cardápio, alerta Catherine M. Champagne, professora de Epidemiologia Nutricional do Pennington Biomedical Research Center (PBRC) em Luisiana (EUA). “Muitas vezes, o principal é eliminar escolhas alimentares pouco saudáveis, ou pelo menos limitá-las. Isso já ajuda o indivíduo a alcançar peso saudável e prevenir a obesidade. Bebidas adoçadas com açúcar, álcool, carne e laticínios em excesso são exemplos de hábitos que devem ser evitados”, disse.
Estudos conduzidos pelo PBRC demonstraram que dietas contendo feijão são baixas em densidade calórica e eficazes na redução da resistência à insulina e no emagrecimento, diz Catherine, que é da Sociedade Americana de Diabete e da Sociedade Americana de Nutrição. Conforme a Pesquisa Nacional de Saúde de 2020, 60,3% dos adultos no Brasil têm excesso de peso, sendo que a obesidade atinge 25,9% da população. Desde 1975, os índices globais de obesidade triplicaram, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).