País
Marco temporal

STF dá vitória a indígenas e derruba tese

O julgamento é histórico e começou em 2021, a partir de um caso específico que diz respeito a uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng.

Compartilhe:
22 de setembro de 2023
Vinicius Palermo
STF dá vitória a indígenas e derruba tese
Com o voto do ministro Luiz Fux, na quinta-feira, 21, o placar foi a seis a dois

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a tese do marco temporal. Com o voto do ministro Luiz Fux, na quinta-feira, 21, o placar foi a seis a dois contra a proposta que diz que povos indígenas só poderiam reivindicar terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

O julgamento é histórico e começou em 2021, a partir de um caso específico que diz respeito a uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng. O resultado final, no entanto, deve determinar o futuro de mais 300 territórios ocupados por povos originários em todo o País.

Contra o marco, já votaram o relator do caso, Edson Fachin, assim como os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Os seis entendem que o direito das comunidades a territórios que tradicionalmente ocupavam não depende de uma data fixa. Os ministros Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor da tese.

Na quinta-feira, o julgamento entrou na 11ª sessão. Ainda não votaram o ministro Gilmar Mendes e a presidente da Corte, Rosa Weber. Rosa Weber vê o caso como uma pauta prioritária e espera concluir a votação antes de sua aposentadoria, que deve ocorrer nos próximos dias.

Rosa já demonstrou proximidade com a questão indígena. Ela foi a primeira presidente do STF a visitar uma tribo institucionalmente, ao ir ao Vale do Javari, em março, onde morreram o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips. Na ocasião, prometeu pautar o marco temporal. A ministra também visitou a tribo Yanomami e lançou a primeira Constituição brasileira traduzida para a língua indígena Nheengatu.

Mesmo com a maioria, o julgamento não está concluído, já que mesmo entre os ministros que se opõem à proposta há divergências, principalmente no que diz respeito à indenização dos proprietários atuais do território.

O assunto entrou na discussão depois do voto do ministro Alexandre de Moraes, que afirmou que, além da indenização por eventuais benfeitorias, que já estão previstas na lei, pessoas que ocuparam um território indígena em ‘boa-fé’ também deveriam ser indenizados pela terra nua, o que aumentaria consideravelmente o impacto das demarcações ao erário público.

A decisão do STF pode enterrar a tese do marco temporal na Corte, mas não encerra a batalha institucional sobre o assunto. Isso porque, paralelamente ao julgamento, o Congresso também vota uma um projeto sobre o tema.

Demanda da bancada ruralista, o projeto de lei 490/2007, conhecido como PL do Marco Temporal, já foi aprovado em maio pela Câmara dos Deputados, sob protesto de parlamentares de esquerda e movimentos indígenas.

A proposta atualmente está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Em votação na quarta-feira, 20, gerou discussões entre os senadores, que mandaram recado ao STF; ‘não somos menores que ministros’.

No entanto, especialistas avaliam que, se os ministros decidirem que a tese é inconstitucional, o projeto de lei será colocado em xeque. O PL trata de outros temas, que podem seguir tramitando, mas o trecho sobre o marco temporal precisará ser revisto.

“Entendo que o PL, internamente, até poderia tramitar. Contudo, o STF poderia novamente declarar sua inconstitucionalidade. Ou seja, ele seria inócuo. Não surtiria efeitos na prática”, explica o constitucionalista Georges Abboud, sócio do Warde Advogados e professor da PUC de São Paulo.

Se os parlamentares insistirem na votação do PL, o Supremo Tribunal Federal tem pelo menos dois caminhos disponíveis. O primeiro, mais cauteloso, é aguardar a movimentação no Congresso e, se o projeto for promulgado, esperar o ajuizamento de alguma ação para eventualmente derrubar o texto. A segunda alternativa seria um controle prévio de constitucionalidade. A atuação preventiva acontece, via de regra, quando há risco de violação de cláusulas pétreas da Constituição.