País
Regime de exceção

Rosa Weber vota por inconstitucionalidade do orçamento secreto

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), relatora de ações que contestam a execução do orçamento secreto, votou pela inconstitucionalidade do esquema. No seu entendimento, a utilização de emendas de relator subverte o regramento constitucional do orçamento. “Trata-se de verdadeiro regime de exceção ao orçamento da União”, destacou a ministra.
Ela foi a primeira e única a votar no julgamento que avalia quatro ações, propostas pelo PSOL, Cidadania, Rede e PSB, que contestam as emendas de relator. A análise será retomada na quinta-feira para os votos dos demais ministros.
A magistrada propôs que as emendas de relator-geral devem servir, apenas, à correção de erros e omissões no orçamento. Ela também votou no sentido de determinar a publicização dos dados referentes aos serviços, obras e compras realizadas com verbas públicas e a identificação dos respectivos solicitadores e beneficiários em até 90 dias.
O sistema, usado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para aumentar sua base de apoio no Congresso, transfere às cúpulas da Câmara e do Senado o poder de distribuir bilhões a estados e municípios. De acordo com a ministra, as emendas de relator são executadas “à margem da legalidade” e evidenciam “verdadeiro desvio de fidelidade na liberação de recursos”.
Rosa também destacou que a execução das emendas leva à “desestruturação de serviços e políticas públicas essenciais”, serve a interesses pessoais e eleitorais, e subverte a lógica da harmonia entre poderes ao deixar o Executivo à mercê do Congresso.
“As emendas de relator têm servido a propósitos patrimonialistas, de acomodação de interesses de cunho personalístico, viabilizando a congressistas a oportunidade de definir o destino da cota ou do quinhão que lhe cabe na partilha do orçamento, sem o encargo de comprovar a pertinência da despesa reivindicada com as prioridades e metas federais”, afirmou.

Antes de começar a ler seu voto, Rosa Weber informou que os ministros da Corte máxima receberam, do Congresso Nacional, um ofício tratando do projeto de resolução com novas regras para a distribuição das emendas do relator.
A ministra cumprimentou os parlamentares pela iniciativa que, segundo a ministra, demonstra a ‘abertura ao saudável e democrático diálogo interinstitucional’. Por outro lado, a magistrada destacou que a ‘louvável’ preocupação do Congresso em se debruçar sobre o tema para ampliar a transparência das emendas, estabelecendo critérios de proporcionalidade e impessoalidade na destinação dos valores, ‘confirma a adequação’ da decisão liminar do Supremo que chegou a suspender os pagamentos até que fosse dada publicidade aos recursos repassados.
Ainda de acordo com Rosa, a movimentação também ‘confirma a impropriedade do sistema até então praticado’. A ministra destacou que a iniciativa do Congresso não prejudica o julgamento das ações apresentada ao STF pelos partidos de oposição ao governo Bolsonaro (PV, PSB, PSOL e Cidadania), ainda mais considerando que o projeto de resolução é uma ‘proposta legislativa em tramitação e para o futuro’.
Segundo as informações passadas à ministra, a proposta do Congresso suprime a possibilidade de indicação de emenda por usuário externo, um mecanismo que dificulta ainda mais a identificação do parlamentar responsável pela indicação do recurso. O texto apresento ao Supremo ainda estabelece a destinação obrigatória de 50% das emendas para ações de saúde ou assistência social, e trata da observância de critérios de proporcionalidade nas indicações.
O Congresso ainda destacou no texto que as emendas utilizadas no orçamento secreto não serão tornadas impositivas (obrigatórias), com o objetivo de preservar a prerrogativa do governo de decidir quando executar o pagamento das demandas parlamentar.
A possibilidade de as emendas se tornarem impositivas chegou a ser discutida pelo Congresso durante as negociações da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que amplia o teto de gastos para custear o pagamento de R$ 600 aos beneficiários do Bolsa Família, numa tentativa de pressionar o futuro governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a não agir junto ao STF contra o fim do esquema.
Em um primeiro momento da leitura de seu voto, Rosa defendeu a rejeição de questões preliminares suscitadas pelo Congresso, destacando que o julgamento do orçamento secreto no STF trata dos ‘direitos dos entes federativos eventualmente prejudicados na distribuição de recursos orçamentários da União, dos direitos dos membros das casas a distribuição equitativa no ajuste do orçamento e dos direitos dos cidadãos ao uso racional e eficiente dos recursos públicos e a luz da transparência’.
O parecer da ministra sobre o caso tem 90 páginas e traz ponderações sobre orçamento público, processo legislativo orçamentário, o chamado ‘orçamento secreto’ – suas características e consequências – , princípios da publicidade e transparência aplicados à gestão fiscal.
Em sua fundamentação, Rosa Weber lembrou que foi só a partir de 1988 que o Congresso retomou um papel ativo no orçamento. A ministra também destacou que a ciência das finanças estabeleceu mecanismos para impedir, por meio de controle financeiro, que a ‘vontade política venha dar liga ao patrimonialismo e atos de captura do poder com grave subversão dos interesses públicos em favor dos projetos de poder inoficiosos’.
Segundo Rosa, as emendas parlamentares têm autorização constitucional e funcionam como um instrumento legislativo que dá oportunidade a reivindicações mais urgentes da população. A ministra citou as modalidades de emenda previstas no regimento interno do Congresso – as de bancadas estaduais, as individuais e as de relator. Com relação a essa última, a ministra afirmou que elas têm a finalidade de ‘corrigir erros e omissões’, não contemplando a ‘inclusão de novas despesas ou programações’.
Em seu voto, Rosa Weber relembrou casos de captura do orçamento federal, como o esquema PC Farias, o escândalo dos Anões do Orçamento e a Máfia das Ambulâncias. A ministra reproduziu trechos de investigações feitas pelo próprio Congresso sobre os casos, destacando medidas adotadas pelos parlamentares para prevenir novos desvios. No entanto, segundo a ministra, a ‘experiência legislativa revela que normas regimentais não foram capazes de evitar a preponderância dos poderes não institucionais do relator geral do orçamento’.
A ministra então estabeleceu ligações entre os esquemas identificados ao longo dos anos e o orçamento secreto. Ela ainda destacou que, em 2019, a legislação orçamentaria restabeleceu a hegemonia do relator geral no processo orçamentário, ampliando o valor das emendas de relator.
“Tal como já observado em tempos passados, a figura do relator-geral do orçamento, restabelecidos os poderes que o congresso nacional, após a CPMI dos (anões) do orçamento, buscou, sem sucesso abolir, emerge uma vez mais como pivô das articulações entre o executivo e congresso nacional e guardião da caixa preta orçamentária”, afirmou.
Rosa destacou que, ainda ‘mais alarmante do que a amplitude do orçamento posto sob um domínio de um único parlamentar sobre o mistério das negociações em torno do destino a ser dado a esses recursos’. “Não apenas a identidade dos efetivos solicitadores, mas o destino desses recursos acha-se encoberto por um manto de névoas”, ponderou.
Segundo a relatora, a ‘prática político institucional’ do orçamento secreto ‘cria circunstâncias favoráveis para que ocorram delitos, como já vistos no passado’.
Rosa destacou ainda que emendas de relator se tornaram ‘o novo locus destinado a negociações reservadas a construção da base de apoio do governo no Congresso’. “A crise nas relações entre Executivo e Legislativo tornou ainda mais caros e dispendiosos a manutenção de uma base presidencial de apoio parlamentar no Congresso e o custo da governabilidade no contexto do que é denominado de presidencialismo de coalização”.
A ministra chegou a dizer que o a distribuição de emendas por meio do orçamento secreto transformou os padrinhos desses recursos em “vereadores federais” por concentrarem a alocação de verbas em políticas públicas de impacto “meramente local”, com interesses eleitorais, em vez de focar em medidas estruturantes regionais.
“A utilização indevida das emendas parlamentares para a satisfação dos interesses eleitorais representa grave ameaça a consecução dos objetivos fundamentais da República, em promover o desenvolvimento nacional equilibrado e sustentável, reduzir as desigualdades sociais e regionais e erradicar a pobreza e a marginalização”, destacou.

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15 de dezembro de 2022
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