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Prefeito de Bogotá sugere banho a dois e presidente decreta feriado por falta de água

A Colômbia cortou a exportação de energia para o Equador, e o governo Daniel Noboa anunciou dois dias de suspensão de atividades.

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22 de abril de 2024
Prefeito de Bogotá sugere banho a dois e presidente decreta feriado por falta de água
Foto: Reuters

O prefeito de Bogotá, Carlos Fernando Galán, pediu que os colombianos tomem banhos de no máximo três minutos e que usem o chuveiro “a dois”. Se dependesse de um dos apelos mais recentes de Galán, os moradores da capital da Colômbia não se banhariam um dia da semana – ele já sugeriu que pulem a ducha aos domingos.

O presidente Gustavo Petro decretou “dia cívico”, uma espécie de feriado, na sexta-feira, 19, e orientou os moradores de Bogotá a viajarem ao longo do fim de semana, segundo ele uma forma de aliviar a demanda por água, diminuir o gasto de energia elétrica e o risco de desabastecimento. Aulas e o trabalho presencial foram suspensos.

“Se, no domingo, você não sair de casa, aproveite e não tome banho”, disse Galán à emissora local Caracol. “Tomem banho em casal. Trata-se de um exercício pedagógico de economia de água, não de outras coisas”.

A justificativa de Galán e Petro – em lados opostos na política colombiana – é a mesma: a crise hídrica histórica em Bogotá. Os “embalses” – reservatórios de água que abastecem a cidade no topo dos Andes – registram níveis críticos. O abastecimento de 10 milhões de pessoas da região metropolitana de Bogotá está ameaçado. Todos dependem da mesma fonte de água potável.

Os embalses de Chuza e San Rafael, reservatórios do sistema Chingaza, abastecem a capital colombiana e registravam no sábado, dia 20, nível de 15,18% da capacidade, reportou o prefeito. Estima-se que os embalses precisariam de cerca de seis meses de chuvas para voltar ao nível normal. Atualmente, poderiam abastecer a cidade por cerca de 50 dias somente.

Segundo o presidente, há três anos os embalses registram níveis anuais cada vez mais baixos, sem que nenhuma intervenção para reverter a situação tenha sido concluída. “Agradeço aos mandatários, ao setor privado e a todos os cidadãos que aderiram ao dia cívico para poupar água e energia. Não podemos baixar a guarda e só juntos poderemos sair desta situação”, disse Petro.

Os fins de semana são críticos porque, segundo registros da Prefeitura de Bogotá, o dia de maior consumo é o sábado. Há ainda risco de que a redução da oferta de água afete represas e impacte a produção de energia elétrica, o que pode encarecer a conta doméstica.

A Colômbia cortou a exportação de energia para o Equador, e o governo Daniel Noboa anunciou dois dias de suspensão de atividades de trabalho e educacionais, nos setores público e privado. Os dois países dependem das hidrelétricas e enfrentam déficit nos reservatórios por causa da seca.

Um detalhe: a data do dia cívico convocado coincidiu com o aniversário de Petro, que fez 64 anos, na sexta-feira e com a fundação do M-19 (Movimento 19 de Abril), grupo guerrilheiro de esquerda que ele integrou na juventude.

A guerrilha do M-19 ficou famosa nos anos 1970 e 1980 por ações violentas. Eles tomaram o Palácio da Justiça mantendo 15 diplomatas reféns e roubaram a espada de Simón Bolívar de uma casa-museu onde o libertador da América Espanhola viveu.

A coincidência levantou dúvidas acerca da real intenção de Petro e motivou incentivo à desobediência. Houve quem visse nas ações do presidente uma manobra para, em vez de somente fechar as torneiras, esvaziar manifestações da oposição realizadas neste domingo, dia 21, em Bogotá e capitais do país. As marchas foram contra as reformas trabalhista, previdenciária e do sistema de saúde.

O próprio prefeito da cidade ignorou o presidente e ordenou que os órgãos públicos distritais funcionassem normalmente. Universidades e colégios privados também não pararam. “A necessidade de mudar os nossos hábitos e reduzir o nosso consumo de água não é uma questão de um dia, é um esforço a longo prazo e deve ser sustentável ao longo do tempo. Mais do que um dia cívico, Bogotá precisa de todos os seus servidores públicos dedicados a conseguir a redução do consumo de água e dos cidadãos fazendo a sua parte para o bem comum”, afirmou Galán.

As ações educativas e restritivas tomaram conta do debate no país nos últimos dias a ponto de alguns dos principais agentes públicos divergirem, incomodou moradores da cidade e incendiou as redes sociais.
“É bom que todos participemos, Distrito e Nação, mas devemos fazê-lo com base em evidências. Dizer a uma pessoa cujo plano dominical foi cancelado ‘fique em casa, nada acontece se você não tomar banho’ não é o mesmo que dizer a uma criança que não vá à escola quando ela tem direito à educação”, disse Galán, em referência a sua recomendação e a do presidente Petro.

O El Niño e a devastação florestal rareou os chamados “rios voadores”, como são conhecidos no país as nuvens carregadas de água em vapor que saem da selva amazônica colombiana e se deslocam até encontrar e precipitar sobre cordilheira dos Andes. No topo das montanhas, a água fica acumulada num bioma típico – os páramos andinos – cuja vegetação retém a água por meses e ajuda a formação dos reservatórios.

A seca e as queimadas, com temperaturas elevadas, transformou a paisagem do embalses e mudou o clima, com recordes de temperatura na região da Cordilheira Oriental. “Uma engrenagem humana, muitas vezes mafiosa, está destruindo a selva amazônica. Se acabarem com a selva amazônica, aqui não haverá água, não só em Bogotá como em toda a cordilheira andina, com suas grandes cidades. Se a selva amazônia for destruída a Colômbia não será mais habitável”, disse Petro.

Apesar da chuva nos últimos três dias, inclusive com granizo, a situação não foi aliviada e permanece longe de ser resolvida em Bogotá – na prática a tempestade somente piorou o caótico trânsito da capital colombiana. A chuva pode ter sido celebrada por ajudar a guardar água nos edifícios com captação, mas não impactou a política de racionamento. Sobre os embalses do sistema Chingaza caiu apenas uma garoa, o que não alterou o nível de água.

Os bogotanos dizem que já não usam mais o ditado “em abril, chuvas mil” – popular na cidade. Estão irritados com o incomum racionamento de água, com cortes diários em alguns bairros da cidade. A interrupção nas torneiras dura 24 horas e impacta a mesma vizinhança a cada dez dias.

A administração pública em Bogotá quer reduzir o consumo para 15 metros cúbicos por segundo e tentar fazer com que o nível do sistema de reservatórios atinja ao menos 20% da capacidade total até o fim de abril. “Está grave. Há muitos anos não vivíamos isso”, disse o motorista por aplicativo Gustavo Adolfo, enquanto dirigia numa noite da semana passada e reclamava que, se passam da cota mensal de consumo de metros cúbico, recebem uma multa na conta. “Costumamos dizer aqui na cidade ‘em abril, chuvas mil’, porque chove o tempo todo, mas este mês quase não choveu. Precisamos de consciência, de pedagogia.”