Estados
Educação

Pedagogo José Pacheco defende trabalho pautado na coletividade

O pedagogo é palestrante da primeira edição da Eduko, Bienal de novos saberes, que acontece na sexta-feira (28) e sábado (29), em Belo Horizonte.

Compartilhe:
29 de julho de 2023
Vinicius Palermo
Pedagogo José Pacheco defende trabalho pautado na coletividade
Educador José Pacheco foi o idealizador da Escola da Ponte, em Portugal. Foto: Eduko/Divulgação

Passar da instrução para a aprendizagem é o resumo da proposta que tornou a Escola da Ponte, em Portugal, uma experiência inovadora de educação pública. Fundada em 1976, a instituição de ensino busca dar protagonismo ao aluno e ao processo de aprendizado, que se torna, ao mesmo tempo, mais autônomo e mais coletivo.

A experiência da Escola da Ponte inspirou outras instituições de ensino ao redor do mundo, inclusive no Brasil, onde José Pacheco chegou a participar da criação do Projeto Âncora, fundado no interior de São Paulo, em 1995.

Palestrante da primeira edição da Eduko, Bienal de novos saberes, que acontece na sexta-feira (28) e sábado (29), em Belo Horizonte, o pedagogo português José Pacheco reflete sobre tecnologia, diversidade e a educação do futuro. O evento é realizado por Sesc, Sistema Comércio MG e Senac.

“Os professores do futuro irão manter-se ancorados em aulas obsoletas servidas em lousas digitais? Irão replicar o planejamento de aulas congeladas no YouTube ou em tablets? Ou usar o digital a serviço da humanização da escola? Essa é a pergunta central. Não sou catastrofista, vejo tudo com o copo meio cheio. Mas as escolas têm se enfeitado de novas tecnologias sem intensificar a comunicação e a pesquisa. Pelo contrário, o modo como utilizam a internet fomenta a imbecilidade, a ignorância e a solidão”, define.

O idealizador da escola, o educador, antropólogo e cientista da Educação José Pacheco vê a educação pautada pela competição e individualidade como uma das causas de conflitos sociais, extremismo e violência nas escolas. E na sala de aula tradicional, defende, é impossível se pensar em um trabalho pautado na coletividade.

A sua concepção do que deveria ser a Escola da Ponte mudou ao longo do tempo? Como a prática cotidiana impactou suas ideias?

José Pacheco: A Escola da Ponte foi a primeira escola, no contexto da rede pública de educação, que operou a transição entre o paradigma da instrução, o trabalho centrado no professor, para o paradigma da aprendizagem, o trabalho centrado no aluno enquanto sujeito de aprendizagem. Foi a primeira no ensino fundamental, e, em 1976, foi inovadora, porque cumpriu os cinco critérios que definem inovação: ser efetivamente inédita, ser sustentável na lei e na ciência, ser replicável, ser útil e estar sempre em fase instituinte. A inovação é algo instituinte, não pode parar de inovar. E o que aconteceu na Escola Ponte é que parou de inovar. É a melhor escola do meu país, é uma das melhores escolas do mundo, no mundo da educação, claro, mas ela cristalizou. É um objeto de turismo educacional.

Você idealizou um projeto de educação pautado pela coletividade em um tempo em que o individualismo parece cada vez mais exacerbado. Que resposta a educação deve oferecer a esse movimento, na sua visão?

José Pacheco: Edgar Morin – antropólogo, sociólogo e filósofo francês – diz-nos que a modernidade nos confinou numa ética individualista que nos impede de pensar a responsabilidade por atos coletivos. E é isso que a escola da modernidade concretiza quando o professor está solitário na sala de aula e não é autônomo, e não ensina o que diz, transmite aquilo que é. Transmite heteronímia a uma audiência formal e o mesmo está sujeito a uma hierarquia explícita na sala de aula. É impossível pensar-se num trabalho pautado na coletividade. A sala de aula, como dispositivo central do paradigma da instrução, deverá ser extinta, pura e simplesmente, porque o que importa a saber é que alguns autores do século 20, e vou citar apenas dois ou três, Agostinho da Silva, Lauro de Oliveira Lima, Paulo Freire, que é incontornável. Mas um Freire que seja efetivamente cumprido, porque o que acontece hoje nas propostas, teorizações e teorias é algo que eu chamo de freirianos não praticantes. São teoricistas que falam de uma nova educação, falam em nome de Paulo Freire, mas fazem educação bancária, o que é contraditório, e até antiético, mas ficamos por aí. O que fazemos, a práxis, é criar os círculos de aprendizagem, o que é efetivamente uma inovação. E os círculos de aprendizagem dão origem a uma nova construção social, porque há várias. E essa nova construção são protótipos de uma comunidade de aprendizagem. Em vários países acompanho a evolução desse projeto de criação de uma nova construção social. Não é mais um paliativo, não é mais um ensino híbrido, nada disso. É uma nova construção social que irá ao longo dos anos substituir aquela que vem da Prússia militar do Século 18 e da Inglaterra da Primeira Revolução Industrial.

Acompanha experiências similares à sua no Brasil? Como vê a aplicabilidade desse método em realidades socioeconômicas diferentes de da cidade do Porto?

José Pacheco: Quando me foi pedido que fizesse o projeto âncora, tive o cuidado de entrar nas favelas que rodeavam esse projeto e vivenciar aquilo que lá acontecia. Partindo do princípio que escolas não são prédios, são pessoas, e as pessoas são os seus valores, eu encontrei nas favelas, se nos abstrairmos do tráfico e das milícias, a matriz axiológica da Escola da Ponte, os valores. O valor da solidariedade, da responsabilidade e da autonomia. É muito claro nos favelados essa tripla dimensão axiológica. E tive o cuidado também de, enquanto europeu, correndo risco de etnocentrismo, ir às comunidades dos povos indígenas. Estive um tempo entre os pataxós, outro tempo entre os tupinambás e outro tempo entre os xavantes. Depois, fui aos quilombos. Fui a um quilombo do Campinho. Fui a um quilombo em Goiás, estive em vários, e encontrei a tradução clara daquilo que é o provérbio africano de que é preciso uma tribo inteira para educar uma criança. Depois dessas experiências, costumo dizer que quanto mais eu conheço o Brasil menos entendo, mas isso se deve ao caldo cultural em que o Brasil está imerso. A origem portuguesa, japonesa, alemã, italiana e tantas outras de imigrantes que trouxeram toda a sua criatividade e é muito difícil pensar uma Escola da Ponte, mas é possível partir do exemplo da Escola da Ponte, para, aplicando com toda a reserva e cuidado à América do Sul, fazermos aquilo que há muito tempo este lugar reclama, que é uma escola, uma educação, na medida dos povos pré-colombianos, juntando cultura e miscigenação.