Fernanda Valadares
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Planejamento Familiar

Pai exclui filho do recebimento da herança

Para que o herdeiro deserdado seja efetivamente excluído, é necessário que o herdeiro beneficiado pela exclusão ingresse com uma ação judicial

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22 de outubro de 2024
Vinicius Palermo
Pai exclui filho do recebimento da herança
A deserdação é o ato pelo qual o testador, por meio de um testamento, exclui da sucessão um herdeiro necessário

Recentemente, o Brasil foi surpreendido pela notícia do falecimento do jornalista Cid Moreira, acompanhada da revelação de que ele havia deserdado seus filhos, excluindo-os do direito à herança. Nesse artigo iremos explicar como isso é possível, os casos em que acontece e em quais momentos o autor da herança pode excluir seus herdeiros de receber a herança deixada.

Trataremos da deserdação e da indignidade, que são duas figuras jurídicas importantes no âmbito do Direito Sucessório, cada uma delas com características e efeitos específicos, embora tenham em comum a possibilidade de excluir herdeiros da sucessão, mas seus fundamentos e procedimentos são diferentes. Entender essas distinções é fundamental para compreender como o direito brasileiro trata a exclusão de herdeiros necessários e outros beneficiários de uma herança.

Iniciaremos explicando que a deserdação é o ato pelo qual o testador, por meio de um testamento, exclui da sucessão um herdeiro necessário, ou seja, um descendente, ascendente ou cônjuge que teria direito à herança. Para que essa exclusão seja válida, é necessário que o testador declare, de forma expressa, a causa da deserdação em seu testamento, sendo fundamental que essa causa esteja prevista na lei. As causas de deserdação estão dispostas nos artigos 1.814, 1.962 e 1.963 do Código Civil.

Entre elas estão a ofensa física ao ascendente, descendente ou cônjuge; a injúria grave; as relações ilícitas com a madrasta ou padrasto; e o abandono do ascendente em situação de alienação mental ou enfermidade grave. É importante ressaltar que essas causas são taxativas, ou seja, o testador não pode ampliar as hipóteses de deserdação conforme sua vontade. Além disso, o fato que justifica a deserdação deve necessariamente ocorrer antes do falecimento do autor da herança.

Após a morte do testador, a deserdação não se consuma de maneira automática. Para que o herdeiro deserdado seja efetivamente excluído, é necessário que o herdeiro beneficiado pela exclusão ingresse com uma ação judicial, na qual deverá comprovar a veracidade dos fatos que justificam a deserdação. O herdeiro deserdado, por sua vez, tem o direito de contestar essa exclusão, podendo argumentar que a causa alegada não é verdadeira ou que os motivos não são suficientemente graves para justificar sua retirada da sucessão.

O prazo para alegar a deserdação é de quatro anos, contados a partir da abertura do testamento. Caso a deserdação seja confirmada pela justiça, o herdeiro perderá o direito à sua parte na herança, e esta será redistribuída entre os demais herdeiros. Contudo, essa exclusão não afeta os descendentes do herdeiro deserdado, que terão direito à parte da herança do herdeiro deserdado, como se o excluído já estivesse morto na época da abertura da sucessão. Isso significa que a deserdação tem caráter pessoal e não atinge a linha de sucessão dos descendentes.

Por outro lado, a indignidade, embora tenha consequências semelhantes à deserdação, é diferente em seu procedimento e fundamentação. A indignidade só pode ser declarada por meio de sentença judicial, sendo, portanto, uma questão que deve ser levada ao judiciário pelo autor da herança. As causas que justificam a indignidade também estão previstas no artigo 1.814 do Código Civil, e incluem atos como homicídio doloso ou tentativa de homicídio contra o autor da herança, cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; a acusação caluniosa em juízo contra o autor da herança; e o uso de meios violentos ou fraudulentos para impedir que o autor da herança disponha livremente de seus bens por testamento.

Diferentemente da deserdação, a indignidade pode ser declarada tanto para herdeiros necessários quanto para legatários. Isso significa que qualquer beneficiário da herança pode ser considerado indigno, desde que tenha cometido um dos atos mencionados acima, e previstos na legislação. Outra diferença importante entre a indignidade e a deserdação é que, no caso da indignidade, o fato que justifica a exclusão pode ocorrer tanto antes quanto depois da abertura da sucessão, desde que seja devidamente comprovado em juízo.

E assim como na deserdação, os efeitos da indignidade são estritamente pessoais. Isso significa que, se um herdeiro for declarado indigno, sua parte na herança será destinada a seus descendentes, como se ele tivesse falecido antes da abertura da sucessão. Além disso, o herdeiro declarado indigno não poderá usufruir dos bens ou administrá-los em nome de filhos menores de idade. A indignidade é considerada uma punição civil, e, como tal, pode ser evitada se o autor da herança, conhecendo o ato praticado pelo herdeiro, decidir perdoá-lo.

Esse perdão deve ser manifestado de forma expressa em testamento ou outro documento autêntico, configurando o que a doutrina chama de reabilitação. A lei também prevê um prazo de quatro anos, a partir da abertura da sucessão, para que os herdeiros interessados ingressem com a ação de indignidade. Esse prazo também se aplica para a deserdação, garantindo que não ocorram longos litígios após a morte do autor da herança. A jurisprudência pátria, em casos de grande repercussão midiática, como o caso de Suzane Von Richthofen, reforça a importância de uma análise cuidadosa dos atos praticados pelo herdeiro, a fim de garantir que a exclusão seja aplicada apenas nos casos em que houve uma real quebra dos laços de afeição e respeito que fundamentam a sucessão.

A deserdação e a indignidade são, portanto, institutos jurídicos que buscam excluir da sucessão aqueles herdeiros que praticaram atos considerados graves contra o autor da herança ou seus familiares mais próximos. Embora ambos tenham como consequência a retirada do herdeiro da partilha de bens, diferenciam-se quanto ao procedimento para sua concretização. Enquanto a deserdação depende da manifestação de vontade do testador por meio de testamento, a indignidade só pode ser declarada judicialmente. Em ambos os casos, o objetivo é garantir que o direito sucessório reflita não apenas a divisão patrimonial, mas também os laços de respeito e afeto que devem existir entre o autor da herança e seus sucessores.