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Revogação

Milei pressiona Congresso e ameaça convocar plebiscito para aprovar megadecreto

O presidente da Argentina disse que “obviamente” vai convocar uma votação popular caso os deputados e senadores, a quem chamou de corruptos, decidam pela revogação.

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27 de dezembro de 2023
Milei pressiona Congresso e ameaça convocar plebiscito para aprovar megadecreto
Foto: Reuters

O presidente Javier Milei avisou que pode convocar um plebiscito para aprovar o que vem sendo chamado na Argentina de “megadecreto” se o Congresso rejeitar a medida. A revogação de mais de 300 leis desregulamenta praticamente todas as relações comerciais no país e ainda não foi enviado à comissão mista que tem o poder de manter ou derrubar a ordem do presidente.

Questionado sobre o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) em entrevista ao La Nacion, Milei disse que “obviamente” vai convocar uma votação popular caso os deputados e senadores, a quem chamou de corruptos, decidam pela revogação. “Quero que me expliquem porque o Congresso se coloca contrário a algo que faz bem para as pessoas. As pessoas já entenderam bem, o megadecreto tem mais de 70% de aprovação. Então me expliquem porque votam contra as pessoas”, respondeu.

Depois da entrevista, o próprio La Nacion alertou para as possíveis implicações da ideia de votação popular. A primeira seria constitucional já que o presidente, alertam especialistas ouvidos pelo jornal, não poderia submeter à votação popular um pacote com mais de 100 medidas. A segunda seria prática: só o Congresso pode convocar plebiscitos vinculantes, ou seja, que viram lei automaticamente. No caso de plebiscitos propostos pelo presidente, mesmo que seja aprovado, o texto ainda precisará passar pelos legisladores.

“Se o que Miei quer é evitar o Congresso, não vai conseguir com essa ferramenta. Chegaria ao mesmo ponto de partida que está hoje”, afirma o La Nacion. O governo convocou sessões extraordinárias do Congresso que começou a discutir na terça-feira, 26, um pacote adicional ao megadecreto com mais 11 leis. São temas que não podem ser alterados por DNU, como imposto de renda, regras eleitores e a própria burocracia do Estado argentino. Por isso, estavam de fora do anúncio da semana passada.

O presidente da Argentina disse ainda que “uma das ideias” com as quais seu governo trabalha é emitir um bônus perpétuo para ir saldando uma dívida derivada de um processo judicial nos Estados Unidos. O país perdeu uma disputa na Justiça norte-americana relacionada à estatização da petroleira YPF, e a decisão de um tribunal de Nova York é que a Argentina comece a pagar a partir de janeiro US$ 16,1 bilhões, diante de uma demanda realizada pelo fundo Burford Capital.

Em entrevista ao canal La Nación+, Milei afirmou que “não temos o dinheiro, mas temos a vontade de pagar”. Ele ainda ironizou ao dizer que o bônus poderia ser batizado de “taxa Kicillof”, em referência a Axel Kicillof, peronista que foi ferrenho defensor da estatização sem pagar indenização à espanhola Repsol, em 2012. Kicillof foi ainda um dos interventores da empresa estatizada, antes de ocupar o comando do Ministério da Economia, sob Cristina Kirchner, e atualmente é governador da província de Buenos Aires.

O atual presidente disse que “a perspectiva ideológica” de Kicillof “prejudicou todos os argentinos” e agora será preciso “pagar o erro de um amador”. O governo anterior, de Alberto Fernández, denunciava o processo nos EUA e dizia que ele era politicamente motivado e que poderia recorrer à Suprema Corte norte-americana.

Já o atual governo mudou a conduta no caso. Na última sexta-feira, Manuel Adorni, porta-voz da presidência, havia afirmado que a Argentina cumprirá os compromissos e respeitará “sempre seus contratos”. Em entrevista coletiva, Adorni comentou que a atual administração avaliava os caminhos possíveis no caso.

O presidente confirmou ainda que o Banco Central da República Argentina (BCRA) está preparando a emissão de notas de 50 mil e 20 mil pesos argentinos diante da alta inflação e das complicações que a falta de um papel de denominação superior a atual trazem. Atualmente, o maior valor em circulação no país é de 2 mil pesos.

Em entrevista à TV do jornal La Nación, Milei confirmou a iniciativa, e disse que a questão das cédulas é uma “tortura”. “Imagine que você tem que fazer um pagamento em dinheiro, tem que andar por aí com um maço de papéis, colocam uma etiqueta na sua testa que diz ‘roube aqui, roube aqui. É óbvio que você está carregando dinheiro”, afirmou.

Neste sentido, sublinhou que a ausência de cédulas maiores “dificulta as transações e traz muitos custos”, e atribuiu as dificuldades do caso aos governos anteriores. “Entendo que os Kirchneristas usaram este truque para tentar abrandar a circulação do dinheiro, mas nós, como parte do nosso programa fiscal, monetário e cambial, fechamos a torneira monetária, tanto ao nível dos Leliqs como ao nível do déficit”, acrescentou

Milhares de membros da principal central sindical e de organizações sociais da Argentina manifestaram-se na quarta-feira, 27, em frente à sede do Poder Judiciário contra o decreto do presidente que desregula a economia e contempla reformas trabalhistas que consideram desfavoráveis aos trabalhadores.
Durante o protesto, a Confederação Geral do Trabalho (CGT) fez um movimento judicial para barrar o alcance do decreto anunciado na semana passada pelo presidente.

O porta-voz presidencial Manuel Adorni indicou que durante a manifestação o governo irá ativar o protocolo de segurança que anunciou recentemente e que proíbe o bloqueio de vias públicas. O decreto, que entrará em vigor na sexta-feira, contempla a revogação ou modificação de mais de 300 leis com o objetivo de desregulamentar uma economia com forte intervenção do Estado durante décadas. Em matéria laboral, introduz mudanças que desafiam o poder dos sindicatos e alterações à legislação que até agora tem favorecido os trabalhadores.

Por um lado, restringe o direito à greve em atividades essenciais como serviços hospitalares, educação e transportes e abre caminho para novos mecanismos de compensação que tornarão menos oneroso o despedimento de trabalhadores.

O decreto já gerou as primeiras reclamações no campo da justiça e pode encontrar obstáculos no Congresso, onde o partido de Milei, La Libertad Avanza, tem uma representação muito limitada
A norma deverá ser analisada nos próximos dias em uma comissão legislativa bilateral que emitirá parecer, que será debatido pelo plenário das duas câmaras em data ainda não definida.