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Lula propõe cessar-fogo na Ucrânia e busca da paz

Lula sugeriu que os soldados ucranianos e russos devem “parar de atirar” para dar início a conversas em que cada lado na guerra ceda um pouco de sua posição inicial.

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23 de junho de 2023
Vinicius Palermo
Lula propõe cessar-fogo na Ucrânia e busca da paz
Em Paris, Presidente Lula se encontra com o Presidente da República de Cuba, Senhor Miguel Díaz-Canel Bermúdez. Foto: Ricardo Stuckert/PR

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs na quinta-feira, dia 22, que a guerra na Ucrânia seja paralisada como condição para o início das negociações de paz entre Kiev e Moscou. Lula sugeriu que os soldados ucranianos e russos devem “parar de atirar” para dar início a conversas em que cada lado na guerra ceda um pouco de sua posição inicial.

O presidente afirmou que busca a formação de um grupo de países não alinhados para sugerir mecanismos de resolução diplomática do conflito. Segundo ele, a abordagem conjunta para o cessar-fogo e posterior mesa de negociação envolveria Brasil, China, Índia, Indonésia, México e Argentina, além de representantes da África.

“É preciso colocar os atores numa mesa de negociação, é preciso parar de atirar e tentar encontrar uma solução pacífica”, afirmou o presidente. “É preciso convencer o Putin e o Zelenski que o melhor negócio é acabar com a guerra e tentar saber em que condições vamos voltar à normalidade.”

Lula discutiu suas ideias com o Papa Francisco, no Vaticano, mas indicou que o pontífice não necessariamente vai participar desta tentativa de formar um grupo de países. Lula afirmou que o chefe de Estado da Santa Sé e autoridade máxima da Igreja Católica tem “personalidade própria do ponto de vista jurídico, moral e político” para liderar individualmente conversas de lado a lado. Tanto Kiev quanto Moscou mantêm interlocução com o Vaticano.

“O Papa Francisco é hoje a mais importante autoridade política que existe no Planeta Terra, não só pelo que representa, mas por sua postura”, afirmou Lula, em entrevista a jornalistas. “O papa tem mandado seus cardeais que estão discutindo com Zelenski e com Putin.”

Lula reiterou que o Brasil condenou a ocupação da Ucrânia pela Rússia em resoluções nas Nações Unidas. O País vem defendendo o cessar-fogo, o que se choca com a proposta das potências ocidentais aliadas da Ucrânia. Os Estados Unidos e a União Europeia exigem, ao lado dos ucranianos, a retirada imediata das tropas russas.

O petista disse que considera um problema o fato de Estados Unidos e União Europeia estarem completamente envolvidos na guerra, o que prejudica sua capacidade negociadora.

Lula disse que “ninguém mais aceita uma nova guerra fria”, como a configuração polarizada entre EUA e China, e disse ter conversado sobre os aspectos da guerra com o presidente da Itália, Sergio Mattarella, e o Papa Francisco.

“O jogo já não é mais o mesmo quando a guerra começou, tem outros ingredientes, porque tem muitas mortes e destruição. Na minha cabeça, a primeira coisa a fazer era convencê-los a parar a guerra e sentar para conversar e para dizer o seguinte ‘eu não abro mão disso ou daquilo’ até que a gente encontre um denominador comum. Isso leva tempo, mas quando o ser humano está disposto a fazer, ele faz”, afirmou Lula, durante entrevista coletiva antes de deixar a Itália rumo à França.

Lula foi questionado por jornalistas italianos se estava de acordo com as condições de paz propostas pela Ucrânia – a “fórmula da paz” de Zelenski – que prevê a retirada total das tropas russas e devolução do território ocupado, entre outros pontos. Ele respondeu que a proposta equivale a uma rendição russa.

“Um acordo de paz não é uma rendição”, respondeu Lula. “No acordo de paz, os dois envolvidos têm que ceder em alguma coisa, senão não tem acordo. Se tem uma proposta em que alguém tem que ceder 100%, não é acordo, é imposição. E quem sabe o que é necessário para ter acordo são os ucranianos e os russos, não sou eu brasileiro, muito menos qualquer pessoa que não seja russa nem ucraniana.”

O presidente também informou que vai enviar seu assessor especial Celso Amorim a uma reunião convocada pela Ucrânia, em Copenhagen, Dinamarca. Ele seguirá para a reunião na sequência da viagem a Roma e Paris.

O governo Volodimir Zelenski convidou o Brasil, África do Sul, Índia e China, além dos países do G7, para discutir a organização de uma conferência de paz. Segundo Lula, Amorim conversou com os bispos envolvidos nas tentativas de mediação da paz empreendidas pelo Papa Francisco. O cardeal Matteo Zuppi já visitou Kiev e deve ser recebido em Moscou.

O presidente elogiou ainda, a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, uma das novas caras da direita mais radical europeia. Lula e Meloni se reuniram durante a passagem do petista por Roma. Antes de deixar o país, Lula falou sobre a pauta migratória, um tema que divide opiniões na Europa, e sugeriu que a esquerda encampe essa bandeira para fazer frente à extrema-direita.

“Quando um chefe de Estado encontra com outro (de governo, no caso dela) não está em jogo a questão ideológica. A mim, não importa o posicionamento político. Não existe possibilidade de veto ideológico. Quando é amizade pessoal posso escolher alguém que gosto politicamente”, disse Lula, em entrevista coletiva, antes de deixar Roma.

“Fiquei bem impressionado com a Giorgia, uma jovem primeira-ministra. Uma mulher é uma novidade extraordinária num mundo ainda muito machista. Ela vai enfrentar muito preconceito, desrespeito, violência contra mulheres. Eu senti que é uma mulher com a cabeça no lugar, inteligente, se não fosse não estaria onde está”, afirmou o petista.

Lula e Meloni se encontraram no Palácio de Chigi. A reunião foi confirmada de última hora. Havia expectativa e sensibilidade política, por causa das divergências explícitas e de manifestações pejorativas de lado a lado.

Se Meloni criticara Lula, reiteradamente, sobretudo por ter barrado a extradição de Cesare Battisti, condenado na Itália a prisão perpétua por assassinatos nos anos 1970, Lula havia usado a expressão “país de fascistas” quando a líder do Irmãos da Itália venceu as eleições, queixaram-se italianos.

O encontro foi uma forma de normalizar a relação e adotar mais pragmatismo, segundo diplomatas envolvidos no diálogo bilateral. Os países lançaram um mecanismo de coordenação política e contatos frequentes nas futuras presidências do Brasil, no G20, e da Itália, no G7.

O presidente disse que a esquerda europeia precisa se repaginar e encontrar um novo discurso que defenda, por exemplo, os direitos e o acolhimento de imigrantes, tema que divide a classe política nos países.

Lula disse que a esquerda europeia “perdeu o discurso”. Agora, sugeriu Lula, a esquerda deve reconstruir a sua “utopia” para rebater argumentos da direita e dos setores mais conservadores.

“Precisamos ter coragem de defender o trânsito livre de ser humanos da mesma forma que se defende o trânsito livre de dinheiro. O dinheiro circula por todos os países sem mostrar passaporte. É preciso que a gente tenha mais paciência e maturidade para defender os migrantes, as pessoas que fogem porque não têm como sobreviver”, propôs Lula. “O ser humano é por natureza nômade, ele vive em busca do que comer, onde trabalhar, das coisas melhores. É normal se você tem centros de pobreza e violência no mundo que as pessoas queiram transitar de um lado para outro.”

Lula ponderou que a esquerda, em âmbito global, deve reagir ao surgimento da extrema-direita e às propostas radicais nos costumes e no debate da família: “Muitas vezes, a esquerda fica um pouco inibida. A esquerda no Brasil, na América Latina e no mundo precisa criar uma nova utopia, a juventude precisa de um sonho para a gente continuar a lutar por eles”.

O petista disse estranhar o fato de poucas autoridades italianas visitarem o Brasil. Ele cobrou um reforço no fluxo comercial. Segundo Lula, o comércio pode superar em muito os atuais U$ 10,5 bilhões.