País
Mudanças

Lula ignora pressões do PT e faz terceiro mandato sem ‘grilo falante’

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém um antigo hábito: antes de seus pronunciamentos, lê várias vezes o texto em voz alta.

Compartilhe:
22 de setembro de 2023
Vinicius Palermo
Lula ignora pressões do PT e faz terceiro mandato sem ‘grilo falante’
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, reunido com Ministros do Governo em Nova York. Nova York - EUA. Foto: Ricardo Stuckert / PR

Às vésperas de completar dez meses no terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém um antigo hábito: antes de seus pronunciamentos, lê várias vezes o texto em voz alta, faz pausas para tomar goles de água e dirige perguntas sobre o conteúdo a quem está por perto.

Quando não engaveta tudo e fala de improviso, costuma encaixar adendos no original. Não foi diferente com o discurso que leu na abertura da 78ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, na última terça-feira, 19.

O tom do pronunciamento foi dado pelo ex-chanceler Celso Amorim, hoje chefe da assessoria especial do Palácio do Planalto. Mas Lula interferiu bastante. Pediu para incluir, por exemplo, que “a desigualdade precisa inspirar indignação”, além de mais dados sobre a fome.

Todos os homens do presidente sabem, porém, que ele às vezes introduz “cacos” de última hora no discurso. Tanto é assim que o texto distribuído à imprensa, após Lula ocupar a tribuna da ONU, veio com a seguinte advertência: “(*) Cotejar com versão oral.”

Padrinho do atual ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, Celso Amorim também foi titular da Defesa no governo Dilma Rousseff e é hoje um dos poucos auxiliares que fazem a cabeça de Lula no Planalto.

Gilberto Carvalho, ex-chefe de gabinete, despacha agora a menos de um quilômetro dali. É secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, administrado por por Luiz Marinho.

Carvalho assistiu à terceira posse do amigo no gramado da Esplanada. “Tenho cada vez mais prurido ao entrar em palácios”, admitiu o petista, que, após oito anos ao lado de Lula, comandou a Secretária-geral da Presidência sob Dilma.

Cenas de sincericídio entre Carvalho e Lula ficaram famosas nos dois primeiros mandatos. Em 2007, por exemplo, passava das 17 horas quando Gilbertinho, como era chamado pelo presidente, entrou no gabinete e lhe deu uma ordem.

“Véio, você tem que receber o povo que está aqui”, disse ele. Irritado, Lula não se conteve: afirmou que todos ali viviam enchendo sua agenda de compromissos, um atrás de outro, e, por isso, não podia fazer milagre.

Conhecido como “grilo falante” do Planalto, Carvalho não tinha medo dos rompantes de Lula. Ao contrário: ex-seminarista, era um dos poucos que o faziam mudar de ideia. Naquele dia, sem que tivessem marcado audiência, representantes do movimento dos portadores de hanseníase esperavam o presidente. Lula acabou ficando mais de uma hora com eles. Chorou. Em 24 de maio de 2007, assinou Medida Provisória criando pensão indenizatória para quem sofria da doença.

Dezesseis anos depois, Lula não tem mais o “grilo falante” que o acompanhou nos dois primeiros mandatos. No Planalto ainda está Clara Ant, testemunha privilegiada das audiências do petista, de 2003 a 2010, que lançou o livro Quatro Décadas com Lula – O poder de andar junto. Mas Clara é uma exceção. A fila andou.

Nomes da velha-guarda do PT foram abatidos por escândalos de corrupção, a exemplo de José Dirceu e Antônio Palocci. Amigos que também atuavam como conselheiros do presidente, como Márcio Thomaz Bastos e Luiz Gushiken, morreram.

Longe dos holofotes, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), tem desembarcado quase toda semana em Brasília. A viagem não é, porém, apenas para resolver problemas de sua cidade. Amigo de Lula, Edinho atua para apagar incêndios políticos com o PT e com os novos aliados do Centrão.

Ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) na gestão de Dilma, o prefeito é visto como “pule de dez” para retornar ao governo em 2025, após o término de seu mandato.

Nos bastidores, não são poucos os que comentam que a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, afastou Lula dos antigos amigos e da turma de São Bernardo do Campo, onde ele iniciou sua trajetória como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos.

Janja sempre negou esse comportamento. Em mais de uma ocasião, afirmou que sua única preocupação era com o bem-estar do marido. “Quem ama, cuida”, argumentou ela.

Os defensores da primeira-dama dizem, por sua vez, que ela é alvo de ciúme e fogo amigo de uma ala do PT. Na prática, com quase nenhum ministro ou auxiliar com intimidade suficiente para apontar eventuais erros do governo, quem faz essa tarefa é mesmo Janja, mas nem sempre consegue convencer Lula.

Tanto que, se dependesse dela, o deputado André Fufuca (PP), integrante do Centrão e vice-líder do governo de Jair Bolsonaro, não teria jamais ocupado a cadeira de Ana Moser no Ministério do Esporte.
O chefe da Casa Civil, Rui Costa – tido como “capitão do time” -, tem a simpatia de Lula, mas não da maioria dos colegas. Em conversas reservadas, alguns deles dizem que, nas reuniões ministeriais, Costa age como se ainda fosse governador da Bahia, dando ordem a seus secretários.

Na Esplanada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, além de Marinho e de Wellington Dias (Desenvolvimento Social), são os três mais próximos do presidente. Nos últimos tempos, Lula tem elogiado muito o titular da Justiça, Flávio Dino, que passou a ser o mais cotado para ocupar a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Mesmo assim, só Marinho – que conhece Lula desde os tempos de sindicalismo – tem coragem de contrariá-lo e até de brigar com ele. E não foram poucas as vezes que o fez.

Foi Marinho quem obrigou Lula a tirar uma foto apertando a mão de Paulo Maluf, em 18 de junho de 2012. Tratava-se de uma exigência de Maluf para apoiar Haddad na campanha à Prefeitura de São Paulo.

“Ele estava fazendo exercício na academia, em São Bernardo. Não queria ir de jeito nenhum. Eu disse: Você tem que ir na casa do Maluf. E ele foi”, contou Marinho.