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Precarização

Lula diz a Biden que democracia corre cada vez mais perigo

Biden agradeceu a Lula pela conversa e disse que trabalhar por um mundo melhor inclui promover os direitos dos trabalhadores

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21 de setembro de 2023
Vinicius Palermo
Lula diz a Biden que democracia corre cada vez mais perigo
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontra com o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Nova York. Foto: Ricardo Stuckert/PR

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, em conversa com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que a democracia “corre cada vez mais perigo”. Ele também afirmou que o trabalho está muito precarizado.

“A democracia cada vez corre mais perigo porque a negação da política tem feito com que setores extremistas tentem ocupar um espaço em função da negação da política no mundo inteiro”, declarou o brasileiro.

A conversa entre Lula e Biden ainda está em andamento. A primeira parte do diálogo foi aberta à imprensa e transmitida. Ambos estão em Nova York, onde participaram da Assembleia-Geral da ONU. Os dois presidentes estão lançando uma iniciativa para promover o que o brasileiro tem chamado de “trabalho decente”.

Biden agradeceu a Lula pela conversa e disse que trabalhar por um mundo melhor inclui promover os direitos dos trabalhadores. O brasileiro declarou que nunca havia visto um presidente americano falar tão bem dos trabalhadores.

Lula disse que é necessária uma proposta concreta para melhorar as relações trabalhistas, e que a conversa com Biden é um “momento exemplar”.

O petista afirmou que os trabalhadores trabalham cada vez mais e ganham menos. Segundo Lula, é importante levar essa discussão ao G20. O Brasil presidirá as atividades desse fórum no ano que vem. Ele também mencionou o Brics.

Lula disse que há perspectiva de uma cooperação “excepcional” com Estados Unidos, e que o encontro com Biden é o renascer de “um novo tempo” entre os dois países.

O presidente dos Estados Unidos disse que continuará trabalhando com o presidente Lula na esteira da formulação das iniciativas dos direitos trabalhistas no mundo. Para o americano, todos merecem uma oportunidade igual e os direitos trabalhistas precisam ser garantidos de baixo para cima.

Biden disse que seus pais o ensinaram sobre o trabalho que, segundo eles, para além do dinheiro, tem relação com dignidade, respeito e auto estima. No anúncio, Lula disse esperar que a parceria entre Brasil e Estados Unidos busque desenvolvimento e melhoria de vida ao povo.

Biden agradeceu a Lula pela presença nos Estados Unidos e pela parceria com o presidente brasileiro no objetivo de superar os desafios atuais do mercado de trabalho. Já o petista elogiou o encontro com o mandatário americano, acrescentando que os dois são parceiros na luta pela democracia.

Após um primeiro semestre ruidoso em grande parte pelas declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia e o papel exercido pelos EUA no conflito, os dois presidentes lançaram uma iniciativa global em defesa de direitos trabalhistas.

O encontro aconteceu em paralelo à Assembleia-Geral da ONU, na qual os dois presidentes abriram com os discursos na terça-feira, 19. O discurso de ambos tiveram pontos de convergência, mas, sobre à invasão russa na Ucrânia, o tema mais sensível da relação entre Lula e Biden, o tom destoou. Biden foi enfático em defesa da Ucrânia, enquanto Lula foi mais vago. O tema também esteve na conversa de quarta-feira, após meses de desentendimento entre os dois países.

Na viagem que fez à China em abril, Lula criticou os Estados Unidos e a Europa pelo fornecimento de armas à Ucrânia. A declaração irritou Washington e a União Europeia, que acusaram Lula de aderir à propaganda russa. Três dias depois da declaração do petista, o chanceler russo, Serguei Lavrov, esteve em Brasília e declarou em russo que o Brasil e a Rússia estavam “alinhados”. (utilizando uma expressão em russo que significa que duas partes emitem o mesmo som). O governo americano, então, cobrou explicações do Brasil.

Autoridades americanas chegaram a afirmar que estavam “decepcionados”, “preocupados” e “surpreendidos” com os movimentos da diplomacia brasileira sob Lula, mas não se afastaram do petista por o considerarem um líder com valores em comum com a gestão do democrata Joe Biden.

A proximidade dos EUA com o Brasil também é estratégica para os americanos para conter a influência da China na América Latina, num contexto de disputa cada vez maior entre as duas superpotências atuais.
“O Brasil é uma voz importante, uma voz global, acredito que também é uma ponte entre os países mais ricos e as economias em desenvolvimento”, disse uma fonte do governo americano à Agência France-Press (AFP). “Talvez no âmbito comercial a China esteja fazendo mais no lado dos investimentos, mas chave é que Pequim não reconhece os atores não estatais como legítimos na política”, acrescentou a fonte.

Em maio, a embaixadora do Brasil em Washington, Maria Luiza Viotti, disse que os ruídos provocados por declarações de Lula a respeito da guerra na Ucrânia já haviam se dissipado e reiterou que os dois países não vão concordar em todos os temas. “Há uma compreensão para o fato de que o Brasil nem sempre vai concordar, ter uma identidade de posições com os EUA e isso é normal numa relação entre dois países soberanos, com seus próprios interesses”, declarou.

A iniciativa global lançada na quarta, chamada Coalizão Global pelo Trabalho, não significa um alinhamento maior do Brasil com os Estados Unidos e consequente distanciamento da China. Segundo analistas, o País mantém uma posição de equidistância da competição entre as duas nações e tem condições de aumentar a convergência com ambas.

Com os EUA em específico, desde a eleição de Lula o governo Biden tem construído uma relação baseada na agenda comum entre os dois países.

O discurso de ambos os líderes na Assembleia-Geral externou alguns desses temas: a defesa da democracia, do meio ambiente e a preocupação com as mudanças climáticas. Na semana passada, durante a cúpula do G-20, a boa relação entre ambos ficou evidente com o lançamento de uma outra iniciativa, focada em popularizar o uso do etanol em países emergentes.

Desta vez, a iniciativa global em defesa de direitos trabalhistas evidencia mais uma pauta em comum entre os dois governos. O documento defende a expansão das garantias trabalhistas e liberdade sindical em todo o mundo, principalmente em novas relações entre patrões e empregados, como no setor de aplicativos.

Em agosto, Lula e Biden conversaram por telefone para discutir os termos da iniciativa. Após a conversa, o presidente brasileiro, formado politicamente no sindicalismo, mostrou o entusiasmo. “É a primeira vez que trato com um presidente interessado nos trabalhadores”, declarou. Uma fonte do governo americano declarou à Agência France-Press (AFP) que os dois presidentes compartilham uma “clara afinidade” sobre o tema.

Para Biden, a defesa dos direitos trabalhistas e da classe média se tornou uma das pautas prioritárias para as eleições de 2024.

O objetivo da cooperação é incluir outros países para superar os desafios atuais do mercado de trabalho. A meta é lutar contra a exploração, incluindo o trabalho forçado e o trabalho infantil, a economia informal, a discriminação no ambiente de trabalho, em particular contra mulheres e pessoas LGBTQI+, e a marginalização de grupos raciais e étnicos, segundo uma fonte ouvida pela AFP.

Os governos também pretendem estabelecer uma prestação de contas e abordar os investimentos público e privado, a transição para energias limpas e a transformação digital.

“Queremos garantir que esta iniciativa apresente resultados concretos para os trabalhadores nos próximos meses”, afirmou uma fonte do governo americano, no momento em que os Estados Unidos enfrentam uma greve no setor automotivo e uma paralisação de atores e roteiristas em Hollywood. “Nada nesta iniciativa deve ser interpretado como algo que desencoraja ou limita o direito à greve”, acrescentou.

O petista classificou como momento “de ouro” o anúncio ao lado de Biden e disse que a juventude atualmente não tem perspectiva. “O gesto com Biden pode ser uma esperança de que é possível criar outro mundo”, declarou o brasileiro. Para ele, o gesto é de incentivo a milhões de brasileiros e americanos.

Na fala, o chefe do Executivo do Brasil disse que está em processo de recuperação da democracia do País e citou a aprovação da reforma tributária na Câmara. O petista lembrou sua trajetória de vida e disse que, ter só curto técnico lhe dá uma visão de mundo “que só parte da classe política consegue enxergar”.