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Líder de royalties em SP, litoral norte tem milhares sem casa

A região viu nas últimas décadas desenvolvimento econômico, trazido pelos royalties da exploração do petróleo, atividade portuária e turismo.

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27 de fevereiro de 2023
Vinicius Palermo
Líder de royalties em SP, litoral norte tem milhares sem casa
Barra do Sahy, em São Sebastião, destruída pelas chuvas. Cidade recebe royalties de petróleo.

Os quatro municípios do litoral norte de São Paulo, que ocupou o noticiário com imagens de deslizamentos e resgates, fazem parte do grupo de cidades que mais recebem royalties da exploração de petróleo no Estado – incremento importante nos orçamentos locais, mas que não resultou em melhoria suficiente da infraestrutura urbana e das condições da população vulnerável.

A região também viu nas últimas duas décadas desenvolvimento econômico, trazido pela exploração do petróleo, atividade portuária e turismo. No ano passado, São Sebastião, Ubatuba, Caraguatatuba e Ilhabela receberam R$ 632,8 milhões de royalties, conforme dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

As quatro, que juntas reúnem só 0,7% da população do Estado, ficaram com 38% do valor distribuído aos 114 municípios paulistas com direito à verba. Ilhabela é a que mais recebeu (R$ 335,9 milhões). São Sebastião e Caraguá aparecem em 3ª e 4ª na lista, com R$ 145,1 milhões e R$ 138,6 milhões, respectivamente. Ubatuba teve aporte menor, mas ainda assim é a 13ª no Estado (R$ 13 milhões).

O valor extra engorda os orçamentos dos municípios litorâneos. São José dos Campos, por exemplo, maior município da região administrativa formada por Vale do Paraíba e litoral norte, tem população 21 vezes superior à de Ilhabela, mas o orçamento é só quatro vezes mais alto. Ilhabela tem 34 mil moradores e R$ 1 bilhão anual. São José tem 722 mil habitantes e cerca de R$ 3,8 bilhões.

Esses royalties podem ser usados em todo tipo de despesa da prefeitura, exceto pagar funcionários, aposentados e pensões. Pode, portanto, ir para obras de contenção de encostas e drenagem ou em projetos de habitação popular.

Apesar desse bônus e do desenvolvimento econômico recente, as quatro cidades – lembradas pelos turistas por suas belas praias e condomínios de luxo pé na areia – têm alto déficit habitacional e más condições de saneamento.

Em São Sebastião, com 56 das 57 mortes nas chuvas do carnaval, o déficit divulgado pela própria prefeitura é de 4,5 mil moradias – 14% dos 31 mil domicílios da cidade. É o dobro da média nacional, cujo déficit corresponde a 8% dos domicílios.

O problema deve ser ainda maior, já que outro dado municipal aponta 7,1 mil famílias vivendo em áreas irregulares, a maioria delas em encostas, sem infraestrutura básica e sujeita a inundações e deslizamentos, como a Vila Sahy, local com mais vítimas.

Em Ilhabela, o número de pessoas em assentamentos precários dobrou: de 6 mil para 12 mil entre 2010 e 2020. Em Caraguatatuba, o déficit chega a 4 mil habitações. Ubatuba não divulgou seus dados.

Há ainda número alto de domicílios sem acesso a redes de água e coleta de esgoto, conforme dados do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS) compilados pelo Instituto Água e Saneamento. A população sem acesso à água vai de 17% a 30% entre as cidades.

Já a taxa de pessoas sem esgoto varia de 30% em Caraguatatuba a mais de 60% em Ubatuba e Ilhabela. Em São Sebastião, é de 41%.

Para especialistas, os dados mostram que há recursos, mas não são usados adequadamente para atender os vulneráveis. “O desenvolvimento econômico atraiu trabalhadores, mas o modelo de urbanização foi muito orientado para viabilizar esses negócios. Não priorizou habitação, igualdade social nem todos os segmentos da população do mesmo modo”, diz o professor da Unicamp Eduardo Marandola Jr. e um dos autores de estudo de 2013 que mostra o desenvolvimento da região em descompasso com demandas ambientais e sociais.

Autora de estudos sobre o litoral norte, a arquiteta e urbanista Estela Alves diz que a prioridade dos governos tem sido a infraestrutura e a zeladoria de áreas mais abastadas ou turísticas.

Ela cita como exemplo a construção de praça em Boiçucanga, São Sebastião, entregue em dezembro. “É uma praça com pergolado gigante, que teve alto custo pela quantidade de material e que foca no turista, enquanto o mesmo bairro precisa de obras de drenagem”, afirma Estela, pesquisadora da USP.

Pelos dados da prefeitura, a obra da praça e de revitalização da orla de Boiçucanga custou R$ 8,5 milhões, mais que o orçamento para 2023 da Secretaria da Habitação e do Fundo de Regularização Fundiária, de cerca de R$ 8,2 milhões, segundo a lei orçamentária.