Os quatro municípios do litoral norte de São Paulo, que ocupou o noticiário com imagens de deslizamentos e resgates, fazem parte do grupo de cidades que mais recebem royalties da exploração de petróleo no Estado – incremento importante nos orçamentos locais, mas que não resultou em melhoria suficiente da infraestrutura urbana e das condições da população vulnerável.
A região também viu nas últimas duas décadas desenvolvimento econômico, trazido pela exploração do petróleo, atividade portuária e turismo. No ano passado, São Sebastião, Ubatuba, Caraguatatuba e Ilhabela receberam R$ 632,8 milhões de royalties, conforme dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
As quatro, que juntas reúnem só 0,7% da população do Estado, ficaram com 38% do valor distribuído aos 114 municípios paulistas com direito à verba. Ilhabela é a que mais recebeu (R$ 335,9 milhões). São Sebastião e Caraguá aparecem em 3ª e 4ª na lista, com R$ 145,1 milhões e R$ 138,6 milhões, respectivamente. Ubatuba teve aporte menor, mas ainda assim é a 13ª no Estado (R$ 13 milhões).
O valor extra engorda os orçamentos dos municípios litorâneos. São José dos Campos, por exemplo, maior município da região administrativa formada por Vale do Paraíba e litoral norte, tem população 21 vezes superior à de Ilhabela, mas o orçamento é só quatro vezes mais alto. Ilhabela tem 34 mil moradores e R$ 1 bilhão anual. São José tem 722 mil habitantes e cerca de R$ 3,8 bilhões.
Esses royalties podem ser usados em todo tipo de despesa da prefeitura, exceto pagar funcionários, aposentados e pensões. Pode, portanto, ir para obras de contenção de encostas e drenagem ou em projetos de habitação popular.
Apesar desse bônus e do desenvolvimento econômico recente, as quatro cidades – lembradas pelos turistas por suas belas praias e condomínios de luxo pé na areia – têm alto déficit habitacional e más condições de saneamento.
Em São Sebastião, com 56 das 57 mortes nas chuvas do carnaval, o déficit divulgado pela própria prefeitura é de 4,5 mil moradias – 14% dos 31 mil domicílios da cidade. É o dobro da média nacional, cujo déficit corresponde a 8% dos domicílios.
O problema deve ser ainda maior, já que outro dado municipal aponta 7,1 mil famílias vivendo em áreas irregulares, a maioria delas em encostas, sem infraestrutura básica e sujeita a inundações e deslizamentos, como a Vila Sahy, local com mais vítimas.
Em Ilhabela, o número de pessoas em assentamentos precários dobrou: de 6 mil para 12 mil entre 2010 e 2020. Em Caraguatatuba, o déficit chega a 4 mil habitações. Ubatuba não divulgou seus dados.
Há ainda número alto de domicílios sem acesso a redes de água e coleta de esgoto, conforme dados do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS) compilados pelo Instituto Água e Saneamento. A população sem acesso à água vai de 17% a 30% entre as cidades.
Já a taxa de pessoas sem esgoto varia de 30% em Caraguatatuba a mais de 60% em Ubatuba e Ilhabela. Em São Sebastião, é de 41%.
Para especialistas, os dados mostram que há recursos, mas não são usados adequadamente para atender os vulneráveis. “O desenvolvimento econômico atraiu trabalhadores, mas o modelo de urbanização foi muito orientado para viabilizar esses negócios. Não priorizou habitação, igualdade social nem todos os segmentos da população do mesmo modo”, diz o professor da Unicamp Eduardo Marandola Jr. e um dos autores de estudo de 2013 que mostra o desenvolvimento da região em descompasso com demandas ambientais e sociais.
Autora de estudos sobre o litoral norte, a arquiteta e urbanista Estela Alves diz que a prioridade dos governos tem sido a infraestrutura e a zeladoria de áreas mais abastadas ou turísticas.
Ela cita como exemplo a construção de praça em Boiçucanga, São Sebastião, entregue em dezembro. “É uma praça com pergolado gigante, que teve alto custo pela quantidade de material e que foca no turista, enquanto o mesmo bairro precisa de obras de drenagem”, afirma Estela, pesquisadora da USP.
Pelos dados da prefeitura, a obra da praça e de revitalização da orla de Boiçucanga custou R$ 8,5 milhões, mais que o orçamento para 2023 da Secretaria da Habitação e do Fundo de Regularização Fundiária, de cerca de R$ 8,2 milhões, segundo a lei orçamentária.