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Governo anuncia renegociação de dívida de Estados com contrapartida de investimento em educação

A sugestão da Fazenda prevê três faixas de correção das dívidas, a depender do porcentual aplicado pelos Estados nas contrapartidas.

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26 de março de 2024
Vinicius Palermo
Governo anuncia renegociação de dívida de Estados com contrapartida de investimento em educação
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, participa de cerimônia de Assinatura de Atos relacionados ao Programa MOVER e Debêntures de Infraestrutura Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

O Ministério da Fazenda divulgou na terça-feira, 26, o programa Juros por Educação, uma proposta para refinanciar as dívidas dos Estados com a União com compromissos de investimentos no Ensino Médio Técnico (EMT). A sugestão da Fazenda prevê três faixas de correção das dívidas, a depender do porcentual aplicado pelos Estados nas contrapartidas.

Para os Estados que aplicarem ao menos 50% da economia no serviço da dívida proporcionada pela redução dos juros na ampliação de matrículas no EMT, a taxa de juros será IPCA+3% ao ano. Para os que aplicarem ao menos 75%, a taxa cai para IPCA+2,5% ao ano. Por fim, os que aplicarem 100%, a taxa cai para IPCA+2% ao ano.

Segundo a Fazenda, caso as metas do programa sejam atingidas pelos Estados, essa redução na taxa de juros se torna permanente para os entes federativos.

Além disso, o programa também prevê uma redução maior na taxa de juros caso os Estados optem por amortizar o saldo devedor. Se 10% do saldo for amortizado, a taxa cai 0,5%. Se 20% for amortizado, a queda é de 1%. Os Estados poderão usar ativos, como participações em empresas públicas e sociedades de economia mista, para fazer a amortização.

Qualquer Estado poderá aderir ao programa apresentado pelo Ministério da Fazenda. Os Estados que porventura não tiverem dívidas com a União ou que tenham débitos de menor valor terão acesso prioritário a linhas de financiamento e outras ações de apoio à expansão do EMT, de acordo com a pasta.

Caso os Estados não apliquem a integralidade dos recursos na ampliação das matrículas do EMT, os governadores deverão recolher a diferença a título de aporte no Pé de Meia, programa do governo federal que criou uma espécie de “poupança” para estudantes do ensino médio.

Se as unidades federativas não cumprirem esse aporte, a taxa de juros real de 4% (ou seja, IPCA+4%) será cobrada retroativamente, com a obrigação de essa diferença ser quitada em até 30 dias. O Estado que não cumprir nenhuma dessas obrigações terá esse montante incorporado ao saldo devedor e será excluído do programa.

A redução na taxa de juros era uma demanda dos governadores para permitir a quitação desses débitos. O modelo escolhido pelo ministério foi estabelecer uma faixa para beneficiar Estados que aplicarem um montante maior no ensino médio técnico.

Os Estados pleiteavam uma correção nominal de 3% – o que era visto, nos bastidores, pelos próprios governadores, como uma proposta para estabelecer o início de uma negociação, mas não necessariamente o que seria atingido.

A proposta lançada na terça-feira pelo Ministério da Fazenda foi criada a partir de uma sugestão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para renegociar a dívida de seu Estado, Minas Gerais.

Com a discussão da dívida mineira, Pacheco passou a sugerir uma proposta que valesse para todos os Estados, permitindo a cessão de empresas públicas como forma de amortizar parte da dívida e reduzindo a taxa de correção.

O programa Juros por Educação foi apresentado pelo ministro Fernando Haddad a governadores do Sul e do Sudeste na manhã de terça. Participam da reunião os governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo), Cláudio Castro (Rio de Janeiro), Romeu Zema (Minas Gerais), Renato Casagrande (Espírito Santo), Ratinho Jr (Paraná), Jorginho Mello (Santa Catarina) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul).

A Pasta destacou que o saldo devedor acumulado dos Estados soma R$ 740 bilhões. Desse montante, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais respondem por R$ 660 bilhões, equivalente a 90% do estoque da dívida.

A Fazenda estima que os investimentos em ensino técnico e profissionalizante têm potencial de incremento estrutural de mais de 2% do PIB. O Censo da Educação em 2023 apontou que das 7,7 milhões de matrículas no Ensino Médio, apenas 1,1 milhão estão integradas à formação profissional. O objetivo do avanço no ensino técnico segue parâmetros da OCDE.

O ministro da Fazenda disse no início da reunião com os governadores do Sul e Sudeste que pretende concluir as negociações para a revisão do indexador da dívida dos Estados em até 60 dias. “Pretendemos em 60 dias no máximo concluir os entendimentos a partir de determinadas premissas, que é o que nós vamos apresentar aqui”, afirmou.

Ele destacou que o objetivo é ter alguns parâmetros já estabelecidos para a negociação, o que facilitará as conversas entre Tesouro e os secretários de Fazenda dos governos regionais.

O ministro também salientou que algumas propostas já haviam sido apresentadas pelos Estados e a proposta da Fazenda visa adotar uma solução federativa com resultados de longo prazo.

O ministro disse que a proposta do programa Juros por Educação não terá impacto fiscal primário de curto prazo para a União. “Não tem impacto primário de curto prazo. Estão sendo sopesados todos os argumentos para que a nossa trajetória de dívida não seja comprometida com essa repactuação. Abri a reunião dizendo que não posso resolver o problema de vocês Estados criando um problema para o governo federal”, disse Haddad ao retornar à Fazenda após o anúncio da regulamentação da emissão de debêntures de infraestrutura e das primeiras regras para o Mover.

A ideia da Fazenda é enviar uma única proposta que mesclará a discussão da renegociação do indexador da dívida e a reformulação do Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Essas mudanças no RRF são independentes da proposta que foi apresentada na terça aos governadores e já estão adiantadas, porque este é um tema que a Fazenda vem debatendo desde o ano passado.

Haddad destacou que o governo é sensível ao argumento de que a trajetória da dívida dos Estados ficaria insustentável com a manutenção do atual patamar de juros, que é IPCA + 4%. Ele pontuou que esse patamar parecia positivo em 2014, em comparação com outros indexadores que consideravam o IGP-M, por exemplo, mas reconheceu que atualmente isso se tornou um grande peso. “Pagar 4% de juro real com as receitas estaduais está cada vez mais difícil”, admitiu.

Haddad ainda comentou uma das propostas da Fazenda, que permite amortizações do saldo devedor para redução de juros com ativos, incluindo participações em empresas públicas e sociedades mistas, independentemente da adesão ao programa Juros por Educação. Questionado se esse ponto atenderia ao pleito de Minas Gerais para federalização de estatais, o ministro disse que isso pode ocorrer com qualquer Estado que deseje abater dívida com ativos.

Ele frisou que os governadores foram convidados a construir um plano que vincula redução de juros para a dívida a investimentos na educação junto com o governo. A premissa básica é fazer essa troca de juros por educação, seguindo uma ideia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ser um grande Prouni para a educação profissional. O Prouni – criado na gestão de Haddad como ministro da Educação – é um programa de concessão de bolsas de estudo em instituições privadas de ensino superior.

Haddad frisou que Lula demonstra muita preocupação com o futuro dos jovens e, por isso, quer contrapartidas em educação, mas que é possível discutir alternativas como as mencionadas pelos Estados, de ações de infraestrutura e mobilidade atreladas à educação. Ele também pontuou que o Ministério da Educação será responsável por aferir o cumprimento das metas fixadas para ensino técnico.
Ele destacou ainda que a reunião com os governadores teve excelente nível e que estão abertos ao diálogo para iniciar o processo de renegociação da dívida dos Estados.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, vai liderar as reuniões técnicas com os secretários de Fazenda dos governos regionais e a expectativa do ministro é de que com até quatro reuniões com os governadores seja possível formatar um projeto para submeter à aprovação de Lula e enviar ao Congresso.