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Extinção de órgão em São Paulo trava estudos e atrapalha ações de combate a epidemias

A Sucen existia desde 1970 e atuou no combate às primeiras epidemias de dengue em São Paulo, nos anos 80 e 90.

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04 de março de 2023
Vinicius Palermo
Extinção de órgão em São Paulo trava estudos e atrapalha ações de combate a epidemias
O trabalho de prevenção de dengue foi impactado em São Paulo com o fim da Sucen.

Em meio ao período do ano de maior incidência de dengue e outras doenças transmitidas por mosquitos, parte das ações e pesquisas para controle e vigilância dessas enfermidades estão suspensas ou foram reduzidas no Estado de São Paulo após a extinção da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) e desestruturação do trabalho feito pelos servidores e pesquisadores que integravam o órgão.

A extinção da Sucen foi determinada pela lei 17.293, sancionada sob a administração de João Doria (PSDB) em outubro de 2020, e efetivada pelo governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), em decreto de abril de 2022. Com o fim da Sucen no ano passado, os cerca de 900 servidores da autarquia foram realocados em diferentes órgãos da secretaria de saúde.

O grupo formado por pesquisadores foi para o Instituto Pasteur. Os demais funcionários ficaram em setores da Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD), o que levou à separação de equipes científicas e operacionais que antes trabalhavam conjuntamente. A secretaria diz que não houve prejuízo ou interrupção das ações, mas admite que pesquisas novas estão suspensas.

Segundo servidores ouvidos pela reportagem, uma das ações afetadas foi a aplicação de inseticida em áreas com alta incidência de mosquitos transmissores de doenças como a dengue, estratégia também conhecida como fumacê. A Sucen existia desde 1970 e atuou no combate às primeiras epidemias de dengue no Estado, nos anos 80 e 90.

“Aqui em São Paulo, por exemplo, os grupos não fazem mais essa nebulização porque as máquinas de inseticida foram para um lugar e os servidores foram para outro prédio, onde não temos estrutura para trabalhar com inseticida, que exige uma preparação e limpeza específicas”, contou um dos servidores da extinta Sucen, que não quis ter seu nome divulgado.

As 12 unidades regionais da antiga Sucen, a maioria no interior do Estado, deixaram de ter autonomia para realizar compras e licitações, o que dificulta a aquisição de insumos e a renovação de licenças e contratos de prestação de serviços.

Segundo a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), algumas pesquisas em andamento nas dependências da extinta Sucen foram interrompidas por falta de material e novas pesquisas foram vetadas até que os laboratórios regionais estejam formalmente vinculados a outro órgão, como o Instituto Pasteur.

A entidade afirma que não tem sido possível, por exemplo, comprar nitrogênio líquido, insumo necessário para preservar mosquitos coletados durante pesquisas de campo feitas com o objetivo monitorar a população de insetos na tentativa de reduzir a chance de epidemias de doenças transmitidas por esses vetores.

“Hoje, as atividades que eram da Sucen estão em um limbo. Não é possível começar pesquisas novas. É como se estes pesquisadores e todos os laboratórios, legalmente, não existissem, o que compromete a compra de insumos e de equipamentos, a prestação de contas”, diz Patricia Bianca Clissa, presidente da APqC.

Em e-mail enviado pela diretoria do Pasteur a pesquisadores em novembro do ano passado, a gestão do instituto afirma não ser possível desenvolver novos projetos de pesquisa nem receber alunos e bolsistas nas dependências da extinta Sucen pela falta de formalização da vinculação das unidades da Sucen ao Pasteur.

Entre os trabalhos afetados, segundo a APqC, estão três estudos de vigilância que deveriam ter sido iniciados no segundo semestre de 2022, um de malária na Mata Atlântica, outro sobre transmissão e prevenção da leishmaniose e um terceiro sobre caramujos hospedeiros do agente causador da esquistossomose.

Segundo os pesquisadores, outro projeto de pesquisa importante que teve seus trabalhos atrasados em um ano pela dificuldade na compra de insumos é o de vigilância prospectiva de doenças. Nele, equipes vão a campo coletar mosquitos para posterior avaliação de patógenos presentes no inseto que possam causar doenças em humanos.

Isso inclui o monitoramento de doenças já conhecidas, como dengue e febre amarela, ou de vírus que circulam em outras áreas do País, mas que nunca foram registrados no Estado. “A ideia é evitar uma epidemia antes dela começar”, diz um dos pesquisadores da Sucen ouvido.

Patricia afirma ainda que há laboratórios da extinta Sucen sem serviços de limpeza e segurança há meses pela falta de um responsável pela renovação dos contratos. O biotério da unidade de Mogi-Guaçu, diz ela, está com a licença junto ao Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, vencida desde o ano passado pelo mesmo motivo.

“A frota de carros antes exclusiva da Sucen e à disposição para operações de campo hoje precisa ser solicitada, dificultando os trabalhos. Quando tem um caso de uma doença, a equipe precisa se deslocar, fazer a inspeção da região”, diz ela sobre outro entrave para o trabalho dos servidores.

“Há um certo desleixo nessa situação toda porque a extinção da Sucen foi efetivada em abril de 2022 e não foi preparada uma estrutura adequada para a continuidade dos trabalhos”, diz a presidente da APqC.
Pesquisadores da extinta Sucen têm feito reuniões com a Secretaria da Saúde para tentar acelerar a vinculação das unidades da antiga autarquia ao Instituto Pasteur ou à CCD para, assim, poder retomar trabalhos de campo, pesquisas científicas e ações de combate a doenças hoje prejudicadas.

O cenário de desmobilização dos trabalhos de controle de doenças e vigilância epidemiológica ocorre em um momento de alta de dengue e outras arboviroses no País. De acordo com o Ministério da Saúde, houve aumento de 46% nos casos de dengue e de 142% nas infecções por chikungunya neste ano em comparação com o ano passado.

Outro ponto de alerta foi o diagnóstico do primeiro caso de febre amarela em São Paulo desde 2020. O caso ocorreu em Vargem Grande do Sul, no interior paulista, e foi confirmado no final de janeiro.
Procurada, a Secretaria Estadual da Saúde afirmou que não houve paralisação de pesquisas em andamento nem falta de insumos para os estudos e destacou que as ações “de controle das doenças transmitidas por vetores e hospedeiros intermediários no Estado de São Paulo” continuam sendo realizadas.

O órgão destacou que estão em execução 21 projetos de pesquisa no Instituto Pasteur, entre eles estudos sobre febre amarela, acidentes com escorpiões e o Trypanosoma cruzi, protozoário causador da Doença de Chagas

A pasta admitiu, porém, que novas pesquisas que seriam realizadas nas dependências da antiga Sucen estão suspensas e disse que “um grupo de trabalho atua na integração das atividades técnicas e estratégicas de coordenação das ações de vigilância e controle de vetores, hospedeiros e animais nocivos no âmbito da CCD”. De acordo com o órgão, a minuta de formalização da área técnica está em andamento e, após a conclusão do processo de estruturação, novos projetos de pesquisa serão aprovados.