O aumento da produção de energia solar, que já é a segunda maior fonte do País, atrás da hidrelétrica, está ampliando o acesso à energia mais limpa e mais barata para quem não quer ou não pode investir na instalação de placas fotovoltaicas no telhado ou em área própria para isso.
Por meio de assinatura, uma espécie de aluguel de créditos de energia, é possível conseguir desconto médio na conta de luz de 10% a 20%, dependendo do contrato.
A modalidade de assinatura ou compartilhamento de energia é feita por meio de cooperativas criadas por empresas que fazem a intermediação entre a usina produtora e o consumidor de baixa tensão, como residências e pequenos comércios e indústrias. É como se o consumidor alugasse uma fração da energia gerada pela usina, mas recebe sua cota em crédito que será abatido da conta enviada pela concessionária.
“Essa energia é vendida tipicamente para consumidores que não podem ir para o mercado livre de energia e ficam presos na tarifa da distribuidora”, afirma Rodrigo Gelli, diretor técnica da PSR, consultoria internacional na área de tecnologia e serviços nos setores de energia elétrica e gás natural.
Segundo Gelli, como as tarifas de energia estão caras, essa alternativa é atraente para o consumidor. Para ele, todos os envolvidos, usinas, empresas de intermediação e consumidores têm ganho econômico no processo. “Só perde quem não tem (a assinatura).” É um modelo simples de aderir, parecido ao sistema de acesso aos canais de streamings.
Embora ainda represente minúscula fatia dos 18 gigawatts (GW) de potência instalada em geração distribuída com fonte solar, a tendência é de rápido crescimento da energia por assinatura. De 2020 até o mês passado, a potência instalada de energia contratada por assinatura mais que dobrou, passando de 39,2 MW para 95,5 MW, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).
O número de unidades consumidoras que aderiram à modalidade cresceu 3,5 vezes, para 11.619. Atraídas pela oportunidade de negócios, a quantidade de fazendas para atender a demanda de assinaturas cresceu ainda mais, de 861 em 2020 para 3.889 em fevereiro.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) criou o modelo compartilhado em 2015 e, desde então, já era possível adquirir créditos. Mas só em janeiro passado entrou em vigor a Lei 14 300, que trouxe segurança jurídica ao investidor.
O engenheiro Arlindo de Goes Moreira pagava entre R$ 380 e R$ 400 ao mês na fatura da energia elétrica do apartamento onde vive com a esposa em Praia Grande, na Baixada Santista. Em período de bandeira vermelha, quando o preço sobe por causa da escassez de chuva, a conta chegava a R$ 500.
Moreira se incomodava por não ter um local para instalar painel solar até conhecer a possibilidade de acesso à energia solar por assinatura há um ano. Desde então, fez contrato com a empresa Sun Mobi – pioneira nessa modalidade – e recebe créditos equivalentes a 300 quilowatts hora (kWh).
Na última conta, pagou R$ 333 em energia, sendo R$ 198 pela assinatura e R$ 135 para a CPFL, concessionária local. Há meses em que a fatura é de R$ 90. Só fica mais cara quando a filha, o genro e a neta passam alguns dias na residência.
Moreira recebeu da empresa um sensor que é acoplado ao relógio de luz para acompanhar online os gastos diários. Por exemplo, sabe exatamente quanto custou o banho de chuveiro e pode encurtar o tempo da próxima vez.
“Outra vantagem é não ser mais afetado quando a bandeira tarifária é acionada pelo governo, que era um custo alto”, afirma Moreira, que é professor universitário e reforça aos alunos a importância da geração sustentável. Em breve, o prédio em que reside receberá placas solares para gerar a energia dos elevadores e das luzes do condomínio.
As fazendas que geram a energia são intermediadas por empresas que criam cooperativas ou consórcios e oferecem créditos ao consumidor por meio de plataformas digitais. Algumas têm suas próprias fazendas, como a Sun Mobi.
Com início de operações em 2017, a empresa tem duas usinas de geração fotovoltaica de 5,4 MW. Instaladas em Porto Feliz e Araçoiaba da Serra, elas atendem 300 unidades consumidoras de 27 cidades do interior de São Paulo e da Baixada Santista. Uma terceira usina entrará em operação em setembro em Taubaté com capacidade similar e vai atender consumidores de 28 cidades do interior paulista.
O projeto recebeu R$ 23 milhões em investimento. “A geração compartilhada acelerou e tem democratizado o acesso à uma energia limpa e mais barata, sem a necessidade de investimentos em painéis fotovoltaicos”, diz Alexandre Bueno, sócio-diretor da Sun Mobi.
Segundo ele, cerca de 75% das edificações do Brasil não têm condições de instalar placas solares, seja por insuficiência de áreas, telhados pequenos, falta de irradiação e custos elevados. Os cooperados da Sun Mobi pagam uma mensalidade para usufruir do serviço de acordo com o consumo. “Há uma vantagem econômica média de 10% na fatura da energia comum”, diz Bueno.
O mecanismo é de compensação: a fazenda solar gera energia que é fornecida aos usuários pela distribuidora sem identificação da fonte. O assinante recebe créditos contratados dessa geração limpa.
A Genyx, de Minas Gerais, opera há 11 anos na distribuição de equipamentos fotovoltaicos.
Em 2020, criou a divisão WeGen, em parceria com a startup Smartben, para oferecer assinaturas. Já tem 2,7 mil clientes e previsão de conquistar mais 10 mil em seis meses. “Somos o ‘Uber’ da energia; juntamos pequenos produtores que geram créditos excedentes com consumidores que não têm condições ou espaço para instalar um sistema fotovoltaico e oferecemos energia a preços acessíveis”, afirma Lucas Freitas, CEO da Genyx.
Freitas também comprou uma pequena usina de 75 kWt, um investimento de R$ 500 mil que, segundo ele, dá retorno mensal de R$ 9,5 mil, “mais do que renderia se estivesse em uma aplicação no banco.”
Grandes grupos também apostam no negócio. A Claro tem projeto piloto de energia por assinatura para clientes pessoa física e pequenas e médias empresas em Minas, Paraná e Santa Catarina. A empresa já tinha 80 usinas que atendem a demanda na geração distribuída. A Ultragaz comprou uma startup que atua como marketplace de energia, conectando residências e geradoras.
Instituições financeiras também veem oportunidade no mercado de energia sustentável. O C6 Bank fez parceria com a Prona, startup que opera com geração de energia compartilhada e oferece aos seus clientes pessoas jurídicas descontos de 15% a 30% nas faturas normais.
Já a Oi iniciou neste ano a oferta de créditos de energia por assinatura para sua base de clientes. A operadora começou por Belo Horizonte (MG), mas negocia com diversos operadores para ampliar a oferta ao longo do ano para pelo menos mais dez capitais. A energia que dá lastro aos créditos é gerada por várias usinas parceiras, informa o gerente de Novos Negócios de Energia, Bernardo Stefan. “É uma nova linha de produtos e de receita da companhia”, diz.
O ganho vem da remuneração que a usina paga pela intermediação com os assinantes. A Oi também começou a atuar na oferta de energia de fontes renováveis para o mercado livre, de alta tensão, para clientes corporativos.