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Dom Odilo Scherer diz não querer ‘abafar’ CPI, mas questiona padre ser alvo

A resposta do religioso, segundo assessoria da arquidiocese, foi à acusação de ter feito uma ligação ao prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB)

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06 de janeiro de 2024
Vinicius Palermo
Dom Odilo Scherer diz não querer ‘abafar’ CPI, mas questiona padre ser alvo
Dom Odilo Scherer


O Arcebispo de São Paulo dom Odilo Scherer postou em seu perfil no X (antigo Twitter) que não quer “‘abafar coisa nenhuma” CPI, referindo-se à possível instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Municipal. “Querem fazer a ‘CPI das ONGs’? Pois façam!”, escreveu em seu perfil na manhã de sexta-feira, 5.

A resposta do religioso, segundo assessoria da arquidiocese, foi à acusação de ter feito uma ligação ao prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), solicitando que a CPI não fosse instalada. A entidade disse que a ligação realmente aconteceu, mas que o arcebispo não pediu para que investigação não ocorra. A conversa teria girado em torno de preocupações do religioso com possíveis prejuízos à imagem de São Paulo e da Câmara Municipal com a polêmica envolvendo a CPI.

A assessoria não soube informar quem teria ligado a quem, se dom Odilo a Ricardo Nunes, ou o contrário. O arcebispo está em viagem, durante recesso.

Na publicação de sexta-feira, Dom Odilo questiona as motivações da CPI em “mirar” no trabalho do padre Júlio Lancellotti. Segundo o arcebispo, o padre faz seu trabalho em nome da arquidiocese, que não é uma organização não governamental (ONG) e não recebe dinheiro público.

A assessoria de Nunes disse não confirmar a ligação, mas reforçou nota anterior, em que diz que o prefeito não interfere em decisões da Câmara, “procurando manter de forma transparente a independência entre o Executivo e o Legislativo”.

A CPI que pretende investigar a atuação de ONGs na Cracolândia, no centro de São Paulo, é proposta do vereador Rubinho Nunes (União). O documento, entretanto, não cita o nome de padre Júlio, o que causou a retirada do apoio de vereadores que assinaram pela abertura da CPI e se dizem enganados e surpresos com o direcionamento que o caso tomou.

A Craco Resiste, um dos alvos do vereador, informou que não é uma ONG e sim um projeto de militância que atua na região da Cracolândia para reduzir danos a partir de vínculos criados por atividades culturais e de lazer. “Quem tenta lucrar com a miséria são esses homens brancos cheios de frases de efeito vazias que tentam usar a Cracolândia como vitrine para seus projetos pessoais. Não é o primeiro e sabemos que não será o último ataque desonesto contra A Craco Resiste”, declarou a entidade em nota divulgada nas redes sociais.

A reportagem não conseguiu contato com o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, conhecida como Bompar, também mencionada por Rubinho.

O vereador Thammy Miranda (PL) e o padre Júlio Lancellotti apareceram juntos em uma live nas redes sociais após a polêmica da tentativa de criação de uma CPI. Thammy havia assinado o requerimento feito pelo vereador Rubinho Nunes. Contudo, anunciou na quinta-feira, 4, que estava retirando o apoio. O documento assinado por Thammy e outros vereadores não citava investigações contra o padre, o que foi depois verbalizado por Rubinho Nunes em entrevistas e nas redes sociais.

“Muito obrigado pelo apoio nesse momento tão difícil”, disse o vereador ao sacerdote no vídeo divulgado nas redes. “Quando eu assinei a CPI, em nenhum momento foi citado o nome do senhor”, disse Thammy, reforçando que “jamais teria assinado” algo nesse sentido.

Thammy disse que o trabalho que o religioso faz, de ajudar as pessoas, é também o que ele faz. Na transmissão, o vereador aproveitou para pedir que seus seguidores ajudem em uma vaquinha que o padre está fazendo para ampliar os serviços de ajuda à população de rua e ofereceu também, ele próprio, ajuda financeira. “As pessoas que me seguem vão ajudar o senhor a fazer esse trabalho tão bonito que o senhor faz”, completou.

Padre Júlio agradeceu pelo que chamou de “gentileza e transparência” de Thammy Miranda. “Importante que mesmo que nos joguem em posições falsas, antagônicas, nós somos capazes de romper essas barreiras’.

Além de Thammy, ao menos mais três vereadores anunciaram que retiraram o apoio à iniciativa, após a divulgação do nome dos vereadores que assinaram o documento. A mudança de posição coloca em dúvida a viabilidade da proposta. A CPI precisa ser pautada pelos líderes e aprovada pela maioria em plenário para sair do papel. O autor do pedido não atendeu a reportagem para comentar o caso.

O sacerdote diz que seus trabalhos estão vinculados à Ação Pastoral da Arquidiocese de São Paulo, que, por sua vez, “não se encontra vinculada, de nenhuma forma, às atividades que constituem o objetivo do requerimento aprovado para criação da CPI em questão.”

O padre Júlio Lancellotti afirma que se trata de uma ação legítima quando se instala uma CPI para investigar o uso de recursos públicos pelo terceiro setor. Ele acrescenta que não faz parte de nenhuma organização conveniada à Prefeitura de São Paulo, mas, sim, da Paróquia São Miguel Arcanjo.