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Derrota

Dino diz que dificuldades no governo pode abrir espaço para o golpismo

Flávio Dino revelou que um dos presos ainda em dezembro estava recebendo instruções para dar um tiro de fuzil no dia da posse de Lula.

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28 de fevereiro de 2023
Vinicius Palermo
Dino diz que dificuldades no governo pode abrir espaço para o golpismo
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil.

Um mês e meio depois dos ataques às sedes dos Três Poderes, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que o golpismo no Brasil “sofreu uma derrota, mas não foi extinto”. Ele afirmou que, se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tiver problemas na economia, os atos antidemocráticos podem voltar à cena.

“A pergunta é: o governo Lula vai melhorar a vida do povo brasileiro? Se a resposta for sim, o golpismo tende a ser uma força declinante. Se o governo enfrentar dificuldades no resultado, aí abre espaço para a emergência do golpismo”, argumentou Dino.

O ministro Flávio Dino revelou que um dos presos ainda em dezembro estava recebendo instruções para dar um tiro de fuzil no dia da posse de Lula, em 1º de janeiro, e comparou a extrema direita do Brasil ao movimento nos Estados Unidos. “Assim como eles estão tentando retomar o espírito do Capitólio com (Donald) Trump, vão tentar retomar o espírito de 8 de janeiro com Bolsonaro”, disse Dino, numa referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que está nos EUA há quase dois meses.

Os grupos extremistas estão voltando a se organizar nas redes sociais. Há receio de que esse movimento cresça quando Bolsonaro retornar ao Brasil?
Flávio Dino – Esse ethos golpista, terrorista, do vale tudo, continua aí, num estado de latência, eu diria. Ele pode emergir de novo? Em curto prazo, não creio. Mais adiante, acho que a chave está nas nossas mãos. A pergunta é: o governo Lula vai melhorar a vida do povo brasileiro? Se a resposta for sim, o golpismo tende a ser uma força declinante. Se o governo enfrentar dificuldades no resultado, aí abre espaço para a emergência do golpismo.

Como?
Flávio Dino
– Basta você olhar, por simetria, o que acontece nos Estados Unidos. É quase um efeito rebote, um eco. Essa extrema direita brasileira age quase como espelho do que se dá nos Estados Unidos. Assim como eles estão tentando retomar o espírito do Capitólio com Trump, eles vão tentar retomar o espírito de 8 de janeiro com Bolsonaro. Terão espaço social? Hoje, não têm. Mais adiante, depende do desempenho do governo.

Principalmente da economia, não é?
Flávio Dino
– Da economia, do social, da capacidade de distensionar relações, da cultura cívica. De uma forma geral, o governo deu boas respostas aos desafios que foram postos. Estamos atentos. A investigação vai pegar a cadeia de comando dos atos golpistas de 8 de janeiro? Até agora os presos são os executores. Não só. Tem algumas pessoas da cadeia de comando. O Anderson Torres (ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal) está preso. Sobre ele pesam acusações de que era um desses elos de comando.

Esse núcleo chega aos militares?
Flávio Dino
– A Polícia Federal fez uma petição ao Supremo Tribunal Federal que pede diligências em relação a militares. Foi ouvido um policial federal que responsabilizou militares da ativa. Estavam no Palácio do Planalto, no dia 8 de janeiro. A PF me consultou e disse: “E agora?” Bom, a gente não vai fingir que isso não existe. O assunto foi submetido ao relator, o ministro Alexandre de Moraes. A priori, a competência sobre militares é da Justiça Militar.

Há no governo uma polêmica sobre isso, com potencial para se transformar em foco de tensão com o ministro do STF Alexandre de Moraes. Quem deve julgar?
Flávio Dino
– A princípio, a Justiça Militar. Mas, se há crimes comuns, é possível separar. Deixa os crimes militares na Justiça Militar e os que não estão previstos no Código Penal Militar no Supremo, por conexão.

O presidente Lula está sob ameaça real?
Flávio Dino – Claro que hoje os cuidados são sempre maiores. Esse cidadão que está preso, da bomba do aeroporto no dia 24 de dezembro (George Washington de Oliveira Sousa), estava fazendo treino e obtendo instruções de como dar um tiro de fuzil de longa distância. Há um diálogo em que ele procura informações de qual o melhor fuzil, qual a melhor mira para tantos metros de distância.

Não fala o nome de Lula, mas dá a entender…
Flávio Dino – Mas dias antes ele dá a entender, né? Porque pergunta: “Qual o fuzil que é mais adequado para tal distância?”; “E a tal mira?”. Aí o instrutor diz: “Não, essa mira é melhor”. Ou seja, havia atos preparatórios para a execução de um tiro, que ia ser um tiro no dia da posse de Lula.

O sr. tem 1 milhão de seguidores no Twitter. Tem pretensão de disputar a eleição presidencial, em 2026?
Flávio Dino
– É muito difícil antecipar esse debate. Seria desrespeitoso com o cargo que ocupo e pretensioso pretender arbitrar o que será o Brasil daqui a quatro anos. É aquela frase do (ex-ministro da Fazenda Pedro) Malan: “Até o passado é imprevisível, imaginem o futuro”. Eu não tenho esse planejamento e acho que, nas condições atuais, o nosso candidato em 2026 é o Lula. Aí em 2030 é outra história, antes que você me pergunte (risos).

Deputados do PT vão começar a recolher assinaturas para uma proposta de emenda à Constituição que muda o artigo 142 da Constituição. O sr. é favorável a acabar com a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e a proibir militares de ocupar cargos civis?
Flávio Dino
– O ministro do STF Gilmar Mendes foi consultado certa vez por um jurista da extrema direita que dizia que o artigo 142 autorizava um poder moderador. Ele respondeu: “Só uma hermenêutica de baioneta para dizer isso”. Se quiserem mexer para deixar mais claro, têm meu apoio, mas o 142 não admite a hermenêutica da baioneta. Agora, retirar totalmente a GLO me parece um pouco demais. Ela pode ter utilidade em crimes ambientais, por exemplo. Já a ocupação dos cargos civis pelos militares, para mim, é inconstitucional.

O sr. tem defendido a regulação das redes sociais. Acha que essas plataformas podem se tornar ameaça à democracia?
Flávio Dino
– Elas são uma ameaça à democracia pela ausência da regulação. É como energia nuclear: salva vidas e também mata pessoas.

Sua proposta para endurecer a lei contra as mídias sociais pode ser incorporada ao projeto das fake news, que estende a imunidade parlamentar para plataformas online. O sr. Concorda?
Flávio Dino – Eu sou contra. A imunidade, na Constituição, é restrita a opiniões, palavras e votos. Alguém vai dizer: “Mas hoje os mandatos são exercícios na internet”. O problema é que esses mandatos não estão no escopo da proteção constitucional. O projeto (das fake news) vai muito além. Espero que esse conteúdo não seja aprovado. Se for, acho que o Supremo Tribunal Federal vai voltar a uma interpretação mais restritiva, a do abuso da imunidade parlamentar. Uma coisa é imunidade para fiscalizar; outra é para cometer crimes, ameaçar ministros do Supremo, coisas que aconteceram no Brasil.

Quais os próximos passos da PF para evitar que garimpeiros retornem à terra indígena Yanomami?
Flávio Dino
– Se você disser para o cara: “Irmão, essa atividade vai ser legalizada e você vai ganhar um dinheiro de modo legal, lícito, sem risco de ser preso”, o cara topa. A abordagem policial não pode ser a única para o problema da Amazônia. Trata-se de região onde há os piores indicadores sociais do Brasil.