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Crise bancária atual: contornada agora ou adiada por mais tempo?

O principal ingrediente a agitar o “mundo high tech” é a exuberância das expectativas. O setor – diferentemente do que se passa nos setores mais tradicionais da economia – não é movido principalmente pelo “andar natural dos negócios”, em que receitas, custos e rentabilidade de investimentos seguem um roteiro há muitas décadas conhecido na economia e finanças das empresas.

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22 de março de 2023
Crise bancária atual: contornada agora ou adiada por mais tempo?
Foto: Divulgação

Este mês o mundo financeiro internacional recebeu notícias preocupantes, sinalizando uma crise bancária com dimensões imprevisíveis. Parecia ser a volta e o temor de uma nova crise financeira sistêmica. Os quatro principais bancos americanos afetados foram o Silicon Valley Bank (SVB), o 16º banco dos Estados Unidos, o Signature Bank e o First Republic Bank (San Francisco), instituições ícones do ambiente de startups da California, e os dois primeiros faliram rapidamente. Eram o “coração financeiro” do mundo tech da região de San Francisco e Palo Alto.

O quarto banco, europeu, Credit Suisse, é um dos maiores bancos do mundo, há tempos causava grandes preocupações no mercado financeiro. É o que Nouriel Roubini (Professor da NYU) caracteriza como “grande demais para quebrar, mas também muito grande para poder ser salvo”.

Embora não relacionado com os três bancos californianos, acabou entrando no “bolo”, devido à sua fragilidade e vulnerabilidade. O Credit Suisse acabou de ser unido, via fusão, com o UBS, o 1º Banco suíço. Foi uma solução de mercado, com interveniência das autoridades suíças.

As razões imediatas para a crise, nos bancos californianos, se deveram à má gestão e excessiva alavancagem com títulos de longo prazo do Tesouro. Com o aumento da taxa de juros dos títulos de curto prazo, esse “achatamento” da curva de juros (“yield curve”) provocou fortes retiradas dos bancos, ao mesmo tempo que a carteira de aplicações estava comprometida com empréstimos de médio e longo prazo.

Existem fortes sinais de que a crise foi eficientemente contida pela atuação do governo, instituições de regulação bancária e fortes bancos privados nos Estados Unidos e na Europa. Merecem destaque as três principais iniciativas relacionadas com a atuação dos agentes da Política Econômica e do Mercado para mitigar a crise:

A rapidez da intervenção: embora alguns acreditem que as lições das crises passadas são rapidamente esquecidas, nesse caso isso não ocorreu. As autoridades agiram rápida e prontamente. É um procedimento importantíssimo, dado o ambiente emocional que cerca as crises;

O posicionamento ‘duro” de liquidar logo os bancos problemáticos, ou de buscar soluções também rápidas por parte de outros bancos: Sabe-se, pelas crises passadas, o tamanho da confusão e de traumas deixados quando se liquida sumariamente um banco.

O Banco Lehman até hoje é citado, virou um “fantasma” que ronda no mercado. Desta vez o FED agiu duro e sem hesitações. Deixou de lado a questão de bancos “too big to fail”. Deu prioridade ao mercado, e não aos acionistas do SVB e do Signature Bank. Mandou uma dura mensagem ao mercado. Acabou-se o tempo do “socialismo às avessas”, em que quando as coisas vão bem os lucros são privados, mas quando as coisas vão mal os prejuízos são jogados para a sociedade;  

Postura rígida na defesa dos fundamentos da macroeconomia: houve admirável unanimidade e sinalização firme do Tesouro norte-americano, do FED e do Banco Central Europeu. A prioridade continua sendo o equilíbrio fiscal e o combate à inflação. Eles vão continuar a política de juros na trajetória que estava sendo conduzida, sem “afrouxamento”.

A economia, principalmente em tempos de maior volatilidade nas expectativas, necessita de âncoras que balizem as estratégias a serem tomadas pelas empresas e investidores. A inflação em alta e sem controle pode ser conveniente para uma visão política imediatista e oportunista, mas no médio prazo é um desastre, principalmente para os pobres.

Finalmente, a grande questão permanece: a crise foi “resolvida” ou apenas adiada para uma crise mais profunda no futuro? Algumas considerações merecem serem feitas.

O principal ingrediente a agitar o “mundo high tech” é a exuberância das expectativas. O setor – diferentemente do que se passa nos setores mais tradicionais da economia – não é movido principalmente pelo “andar natural dos negócios”, em que receitas, custos e rentabilidade de investimentos seguem um roteiro há muitas décadas conhecido na economia e finanças das empresas.

No “mundo tech” as expectativas são exponenciais. Nesse novo mundo “big tech” não se tem certeza de nada. Não é apenas uma questão de risco, pois isso é parte de qualquer atividade de negócios. A maior questão é lidar e apostar alto em cenários de incerteza!

Essa não foi a primeira crise no setor “tech”. Há 23 anos atrás houve uma grande crise, chamada “dot.com” (ou “Crise Ponto.Com” de 1999-2002). Ela exibiu um padrão comum das crises: volatilidade de preços de ativos, que em alguns casos toma a forma de aumentos espetaculares dos preços, seguida por igualmente espetaculares colapsos. Na “Crise Ponto.com” a bolha especulativa que iniciou a crise estava relacionada ao mercado de ações, mais especificamente no segmento das novas empresas de tecnologia.

As crises financeiras são muito traiçoeiras, pois eclodem no “mundo das expectativas”. É importante lembrar que não se deve comemorar prematuramente o “fim da crise bancária”. A Crise de 1929, a maior da história, caracterizou-se por diversas e espaçadas “mini crises”, com dias de fortes quedas das bolsas seguidas por altas, e só virou a “grande depressão” em 1931.

Para se fazer uma ponte entre a crise bancária atual e as forças mais amplas da economia que aprofundam as crises, a análise de Hyman P. Minsky (1919-1996), que passou grande parte da sua carreira defendendo a tese que os sistemas financeiros são inerentemente instáveis, e suscetíveis a ondas especulativas, que, caso durem bastante, terminam como crises financeiras, caem como uma luva.

A tese de Minsky é que o ciclo de manias e pânicos resulta de mudanças pró-cíclicas na oferta de crédito. A oferta de crédito aumenta relativamente rápido nos bons tempos e, quando o crescimento econômico enfraquece, a taxa de crescimento do crédito declina rapidamente.

Esse comportamento pró-cíclico causa uma fragilidade nas transações financeiras e aumenta a probabilidade de crises financeiras. Os eventos que causam a crise começam com um “deslocamento” ou choque, muitas vezes exógeno, que atinge o sistema macroeconômico.

Caso os choques sejam significativos, criam uma série de eventos que revertem as expectativas otimistas e atingem o mercado de crédito.

boom da economia é turbinado por uma expansão de crédito. Entretanto, para Minsky, o crescimento do crédito bancário é muito instável. Em algumas épocas, os bancos se comportam como emprestadores eufóricos e concedem empréstimos com muita facilidade. Em outras, no entanto, esse comportamento se reverte de maneira mercurial. Os bancos ficam extremamente cautelosos e “puxam o tapete” dos tomadores de crédito.

Finalmente, no cenário atual, a maior ameaça ao sistema está ligada à estagnação do consumo. É causada pelo descolamento entre o crescimento do PIB (produção) e o do emprego (renda/consumo). A economia internacional vivencia atualmente uma forte divergência entre, por um lado, aumento de receita e lucratividade de muitas empresas; por outro lado, cada vez menos criação de empregos e renda.

O descompasso entre as duas forças, caso continue no tempo, vai causar distorções no sistema financeiro. Isso porque a tendência da economia, nesse caso, é de experimentar um declínio da rentabilidade no setor real da economia.

A estagnação, ou mesmo declínio do emprego, e por conseguinte da renda, leva a uma progressiva diminuição da taxa de retorno em termos reais. Poupadores buscam manter seus retornos financeiros por meio de inovações financeiras, em geral de alto risco, especulativas e excessivamente alavancadas. Isso leva a um colapso, tal como acontecido na crise do subprime.

O “mundo high tech” potencializa expectativas exponenciais com base em investimentos que buscam retornos exponenciais. É a receita de risco elevado. Juntando com o quadro de estagnação do consumo, não se pode descartar o cenário de crise mais profunda.

É possível que mesmo que não aconteça no futuro próximo uma crise financeira de grandes proporções, o cenário de grandes inovações disruptivas no “mundo high tech” causa grande incerteza no mundo financeiro, devido ao desequilíbrio estrutural entre a decrescente criação de renda global pari passu com a necessidade de que haja consumidores em número adequado para poder dar continuidade ao crescimento real de renda global.

Pedro Carvalho de Mello é Ph.D. em economia pela Universidade de Chicago. Autor de diversas publicações na área de finanças, mercado de capitais, mercado imobiliário, seguros e economia. É professor e diretor do setor e pesquisas da Strong Business School.