Economia
Desafios

Copom prevê desinflação, mas com IPCA acima da meta

O colegiado espera que o IPCA atinja 3,5% no acumulado de 12 meses até março de 2026, considerando a trajetória de juros embutida no Focus

Compartilhe:
24 de setembro de 2024
Vinicius Palermo
Copom prevê desinflação, mas com IPCA acima da meta
Sobre o cenário externo, os membros do Copom avaliaram que ele continua desafiador

O Comitê de Política Monetária (Copom) reconheceu textualmente que, embora espere uma trajetória de desinflação, as suas projeções continuam indicando que o IPCA permanecerá acima da meta, de 3%, ao longo de todo o horizonte relevante. A afirmação consta na ata da última reunião, divulgada na terça-feira, 24, pelo Banco Central.

O colegiado espera que o IPCA atinja 3,5% no acumulado de 12 meses até março de 2026, considerando a trajetória de juros embutida no Focus (até 13 de setembro) e uma taxa de câmbio que parte de R$ 5,60 e evolui conforme a Paridade do Poder de Compra (PPC), o chamado “cenário de referência.”

Sobre o cenário externo, os membros do Copom avaliaram que ele continua desafiador, embora tenha se tornado mais benigno desde a reunião anterior, de julho. Reforçaram que a incerteza sobre a economia americana permanece, mas que o cenário-base ainda é de “desaceleração gradual e ordenada” da economia dos Estados Unidos.

A discussão sobre o cenário externo também contemplou a desaceleração da China e as variações dos preços de commodities, segundo a ata. “Além disso, o processo desinflacionário tem prosseguido em vários países, mas permanecem desafios que não devem ser subestimados para o retorno das inflações às metas. Nesse aspecto, notou-se que, após um choque inflacionário global, que levou a uma resposta correlacionada dos bancos centrais, as dimensões peculiares de cada economia têm tido maior protagonismo, levando a uma menor correlação dos ciclos de política monetária entre os países”, afirma.

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, ao comentar sobre a política fiscal do Brasil, destacou que, mais do que os números em si apresentados pelo governo, é preciso se atentar para “a transparência e qualidade” desses dados.

“Acho que na ponta surgiu esse tema, esse questionamento em relação não só ao número fiscal, mas à transparência, à qualidade desses dados”, disse o banqueiro central, reforçando que esse é um tema “importante de se acompanhar”. Para ele, é preciso também observar essa situação em um horizonte um pouco mais longo, para além do que ele chamou de “ruídos de curto prazo”.

Campos Neto, frisou, porém, que “é difícil” para o Banco Central fazer comentários sobre a política fiscal e que cabe à autoridade monetária utilizar modelos para entender sobre essa área e calibrar a sua função de reação.

O banqueiro central ainda frisou que parece ter havido “um exagero” por parte do mercado financeiro ao precificar os riscos fiscais, mas que não cabe ao BC julgar os preços de mercado, e sim entendê-los. “Nós entendemos que, olhando os preços de mercado parecem um exagero em relação ao que foi feito pelo governo, na área fiscal, mas estamos acompanhando porque é importante para a nossa reação”.

Ao responder um questionamento do mediador do evento, Campos Neto ainda disse que o BC trabalha com um cenário em que haverá redução dos gastos do governo federal na comparação com o que foi gasto no ano passado. “O quanto vai diminuir o gasto a gente não arrisca a colocar, mas a gente entende que vai ter uma desaceleração nos gastos, isso já está nas nossas projeções”, explicou.

O presidente do Banco Central citou que há percepção de alguma piora “na ponta” no mercado de crédito do País, especialmente entre a população de renda mais baixa. Em um âmbito mais amplo, porém, a avaliação do presidente do BC é que o mercado de crédito se mostrou mais forte do que o inicialmente esperado neste ano.

“Quando a gente olha a baixa renda na ponta, tem um pouquinho de piora”, disse Campos Neto, que, em seguida, traçou uma possível correlação entre esse cenário e o mercado das “bets”, as apostas esportivas online, no País. “É um tema muito relevante e que tem sido falado sobre o comprometimento da renda das famílias nesses sites de apostas”, disse Campos Neto, citando que já há estudos indicando, por exemplo, que uma parcela considerável de pessoas beneficiárias do Bolsa Família coloca dinheiro nas bets.

Assim, o crescimento dessas casas de apostas é uma questão que preocupa o Banco Central, de acordo com Campos Neto, que, no entanto, reforçou que o trabalho no BC nesta questão deve se limitar a ajudar o governo e o Congresso com dados.

“Uma coisa que tem gerado preocupação na ponta é que o crescimento é muito grande. A gente consegue mapear o que foi feito de Pix para esses sites de apostas e o crescimento de janeiro até hoje é muito grande”, detalhou Campos Neto, que cita ainda que o chamado “tíquete médio” dessas transações já subiu mais de 200%.

“Já começamos a ter a percepção de um efeito disso bets sobre a inadimplência na ponta”, disse o banqueiro central. “O crédito segue muito bem e saudável, mas tem esses pontos de atenção”, reforçou.