A ata do último encontro do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), divulgada na terça-feira, 26, manteve o suspense em relação ao nível da Selic no encerramento do atual ciclo de afrouxamento monetário.
“A extensão do ciclo ao longo do tempo dependerá da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”, trouxe o documento.
Analistas do mercado financeiro têm debatido à exaustão sobre o nível da Selic ao final do período e gostariam de alguma sinalização dessa perspectiva por parte do BC. Para o colegiado, no entanto, sinalizar um nível esperado para o juro no encerramento do ciclo pode levar a ruídos na comunicação.
Ao debater a extensão do ciclo de ajustes na política monetária, o comitê percebeu, de acordo com a ata, a necessidade de se manter uma política monetária ainda contracionista pelo horizonte relevante para que se consolide a convergência da inflação para a meta e a ancoragem das expectativas.
“O Comitê mantém seu firme compromisso com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante e reforça que a extensão do ciclo refletirá o mandato legal do Banco Central”, reforçaram os membros do Copom.
Após demonstrar preocupação com a rigidez das projeções do mercado para índices de preços, a ata do último encontro do Copom enfatizou a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária. “O Comitê reafirma a importância da firme persecução dessas metas”, voltou a reforçar no documento.
O Comitê salientou a sua visão de que o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade.
“Em que pesem as condições monetárias restritivas, enfatizou-se que já se observa a transmissão do ciclo de afrouxamento monetário para o mercado de crédito”, destacaram os integrantes do BC.
Eles salientaram que observam-se sinais de maior concessão de crédito e redução das taxas de juros correntes de novas concessões, auxiliados também por incipiente aumento do apetite na oferta de crédito por parte das instituições financeiras. “Nota-se também um maior dinamismo no mercado de capitais desde a última reunião.”
O Copom afirmou na ata que não houve “alteração substancial sobre o cenário de crescimento”, embora os dados de atividade recente reforcem a percepção de um cenário marcado por “resiliência”. Atualmente, a estimativa do BC para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2024 é de alta de 1,7%, que pode vir a ser alterada no Relatório Trimestral de Inflação deste mês.
Na ata, o comitê destacou que o consumo teve uma redução de ímpeto no PIB do quarto trimestre, mas deve seguir resiliente à frente. Conforme o BC, a sustentação se deu no quarto trimestre por: um mercado de trabalho dinâmico, tanto no nível de emprego quanto de salários, pela expansão de benefícios sociais, pela lenta desalavancagem das famílias e, por fim, pelo processo desinflacionário, que contribuiu para aumento da renda real disponível.
À frente, além dos fatores já citados, devem contribuir para o crescimento do consumo, na visão do Copom, a elevação do salário-mínimo, a redução do impacto da contração monetária ao longo do tempo, transferências fiscais e o ciclo de crédito em fase de retomada.
“Mencionou-se, ademais, que alguns indicadores de alta frequência permitiriam uma leitura que corroboraria esse argumento, inclusive com alguma surpresa nas divulgações mais recentes das pesquisas de serviços e comércio, elevando a projeção de crescimento para o trimestre.”
O colegiado ainda avaliou que o investimento deve ter um cenário mais auspicioso em 2024, como já observado no quarto trimestre, depois da perda de dinamismo observada em 2023. Neste ano, o Copom espera que o maior apetite na oferta de crédito, a redução das taxas de juros e o relaxamento das condições financeiras impulsionem o investimento. No ano passado, a elevação da incerteza e as condições financeiras restritivas prejudicaram esse componente da demanda, segundo o BC.
O Copom voltou a relatar na ata do último encontro as incertezas que permanecem em relação ao mercado de trabalho e se comprometeu a monitorar de perto as variáveis que compõem o cenário laboral e suas consequências para outros indicadores e no atingimento da meta de inflação.
“Dada a dificuldade de uma conclusão assertiva sobre as defasagens entre o mercado de trabalho e a atividade econômica, o Comitê seguirá acompanhando os dados em profundidade”, escreveu o colegiado.
De acordo com a cúpula do BC, a ênfase se deu na aceleração de rendimentos e da massa salarial, reforçando o diagnóstico de um mercado de trabalho dinâmico.
Com relação à inflação, o Copom reforçou que, como esperado no segundo estágio da desinflação, a velocidade de desinflação se reduz, exigindo “serenidade e moderação” na condução da política monetária. Apesar de o cenário-base de inflação e atividade econômica não ter divergido substancialmente do que se previa, os integrantes do BC enfatizaram a resiliência na atividade com dinamismo no mercado de trabalho. “Tanto a renda quanto o crédito têm se comportado de forma a atenuar a desaceleração da atividade no período recente, sustentando a visão de que o cenário segue sendo de desaceleração gradual”, salientaram.
A cúpula do BC dedicou um longo parágrafo (14) para aprofundar a discussão sobre a dinâmica desinflacionária, que, segundo o Copom, não divergiu significativamente do que era esperado. O colegiado, porém, avalia que o cenário de inflação se mostra mais incerto.
Por um lado, de acordo com o grupo, há algum arrefecimento nas projeções de alimentação para o curto prazo, revertendo os aumentos recentes, e bens industriais mantêm trajetória benigna.
Por outro, a recorrência de surpresas inflacionárias na inflação de serviços, em particular em seus componentes subjacentes e itens intensivos em trabalho, suscita dúvidas sobre a velocidade da desinflação prospectiva.
“O Comitê avalia que parte relevante da desinflação de serviços se deu pelo transbordamento das desinflações verificadas em alimentos e bens industriais e o fortalecimento do processo desinflacionário, agora em seu segundo estágio, estará mais relacionado ao cenário do mercado de trabalho e da demanda agregada”, cogitou.
A evolução prospectiva do hiato do produto e o comportamento do mercado de trabalho foram considerados pelo BC, novamente, muito relevantes para determinar a velocidade com que a inflação atingirá a meta.
“Notou-se que um mercado de trabalho mais apertado, com reajustes salariais acima da meta de inflação e sem ganhos de produtividade correspondentes, pode potencialmente retardar a convergência da inflação, impactando notadamente a inflação de serviços e de setores mais intensivos em mão de obra”, indicaram os membros do Copom.
Em contraposição, o colegiado destacou que uma recomposição favorável de preços relativos, uma dinâmica benigna de commodities ou uma menor inflação de serviços poderiam potencialmente contribuir para um processo desinflacionário mais célere.
“Em sua conclusão, o Comitê avalia que o cenário prospectivo de inflação não se alterou substancialmente, mas se mostra mais incerto. Ao fim, concluiu-se unanimemente pela necessidade de uma política monetária contracionista e cautelosa, de modo a reforçar a dinâmica desinflacionária.”
O Copom voltou a enfatizar que as expectativas de inflação seguem desancoradas e são um fator de preocupação.
De acordo com a ata, foi mencionado que o cenário de expectativas acima da meta por um período prolongado requer um acompanhamento mais próximo para garantir, ainda que nesse cenário, o atingimento da meta de inflação. “O Comitê avalia que a redução das expectativas requer uma atuação firme da autoridade monetária, bem como o contínuo fortalecimento da credibilidade e da reputação tanto das instituições como dos arcabouços fiscal e monetário que compõem a política econômica brasileira.”
O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, destacou pontos de atenção para a condução do corte de juros já destacados no comunicado e na ata do Copom.
Ele disse que o indicador cheio de inflação no Brasil continua em desaceleração, mas que várias medidas de inflação subjacente estão acima da meta nas divulgações mais recentes.
Em relação à atividade econômica, o presidente do BC afirmou que o Produto Interno Bruto (PIB) está em desaceleração, mas ponderou que alguns indicadores recentes mostraram alguma melhora, “o que se reflete no aumento recente das expectativas para 2024”.
No cenário externo, outro ponto que o BC também considera mais incerto, Campos Neto disse que há volatilidade, com debates sobre o início da flexibilização monetária nas maiores economias. “A inflação voltou a ser a maior fonte de risco para a economia global. O setor imobiliário comercial dos Estados Unidos é a mais provável fonte para um evento de risco sistêmico”, disse.