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Consultoria de Orçamento da Câmara diz que veto de Lula em arcabouço fragiliza regra

Os técnicos questionam o veto ao artigo que proibia o governo de propor quaisquer novas exceções à meta de resultado primário a cada lei anual de diretrizes orçamentárias (LDO).

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12 de setembro de 2023
Vinicius Palermo
Consultoria de Orçamento da Câmara diz que veto de Lula em arcabouço fragiliza regra
Ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet

A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados publicou nota técnica em que avalia que um dos dois vetos do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, à lei do novo arcabouço fiscal fragiliza a nova regra fiscal. Os técnicos questionam o veto ao artigo que proibia o governo de propor quaisquer novas exceções à meta de resultado primário a cada lei anual de diretrizes orçamentárias (LDO).

Segundo o documento, o veto não se mostra compatível com os fundamentos do novo arcabouço fiscal. “Permitir que as LDOs possam abater determinadas despesas da apuração da meta fragiliza o espírito da regra fiscal, reduz a transparência da gestão e cria precedente que tende a ser ampliado ao longo dos anos, como ocorreu em período passado”, alertam os técnicos.

A nota lista as diversas vezes em que governos utilizaram o expediente para burlar as metas de primário. Por exemplo, a LDO de 2006 excluiu da meta R$ 3 bilhões em favor dos projetos do Plano Piloto de Investimento (PPI), chegando a uma redução de R$ 15,57 bilhões em 2009. Em 2010 a LDO excluiu da meta gastos de R$ 28,9 bilhões referentes ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), respectivos restos a pagar e excesso de meta do ano anterior. Em 2014 o montante abatido com PAC e desonerações chegou a R$ 67 bilhões.

“A possibilidade de excluir despesas para aferimento do cumprimento da meta primária reduz a previsibilidade dos objetivos econômicos a serem perseguidos. A meta primária é um sinalizador da política fiscal e só será efetiva como tal se o compromisso expresso for crível”, completam os técnicos. Em caso de necessidade ou conveniência de gasto excepcional superior, seria mais transparente e realista a fixação, de partida, de meta menos ambiciosa, ou a alteração legislativa para a redução da meta primária, evidenciando-se os custos e impactos da política pretendida”, completa a nota da Consultoria de Orçamento.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já argumentou que o veto apontado pelos consultores da Câmara teria como único objetivo manter o encontro de contas em precatórios, que atualmente fica à margem das metas de resultado primário. Segundo o ministro, o pedido para o veto veio da área técnica do governo, e não da Fazenda.

“Na LDO tem um dispositivo, que já vem desde 2023, e permite o encontro de contas de precatórios. Não se quer tirar isso da LDO por causa da flexibilidade. Não foi decisão política, veio da área técnica o pedido para não engessar esse dispositivo. O alerta técnico é de que isso dificultaria transações”, alertou o ministro, na coletiva de apresentação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024.

Na ocasião, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, também reiterou que o encontro de contas de precatórios pode ser a favor da receita ou contribuinte e que não seria bom engessar isso de forma perene. “Nada impede que o Congresso estabeleça que o encontro de contas só vale para precatórios”, disse.

A ministra reafirmou na terça-feira que acredita que a equipe econômica irá conseguir cumprir a meta de déficit zero no próximo ano, mas alertou que o governo depende de que o Congresso não aumente despesas por meio de renúncias fiscais ou subsídios tributários, sob pena de o objetivo não ser alcançado.

“Temos que contar com as variáveis. Sim, eu acredito na meta zero (…) E nós temos de reconhecer que dependemos do Congresso não aumentar despesas através de renúncias fiscais, subsídios tributários, para que essa conta feche”, disse Tebet em entrevista à GloboNews, ao ser questionada sobre sua confiança em torno do resultado primário neutro em 2024. “Nós conhecemos a política brasileira, temos de entender posicionamentos do Congresso, e cabe a nós dialogar para não ter aumento de despesa sob pena efetivamente de não conseguir cumprir essa meta”, afirmou.

A ministra voltou a dizer que tem “muita segurança” sobre as medidas propostas pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para elevar a arrecadação em 2024 e possibilitar o déficit zero. “Esse novo arcabouço vem com o objetivo fiscalista de zerar o déficit”, disse.

Perguntada sobre a demanda do Congresso, inclusive dos partidos da base, pela ampliação de gastos sociais, Tebet respondeu que o atendimento a programas sociais e de investimento foi “muito bem calculado”, e lembrou que tradicionalmente as estimativas de receita são conservadoras. “Isso é importante para tranquilizar o PT e a própria esquerda”, destacou a ministra, que disse entender o posicionamento dos partidos preocupados com o déficit social.

A ministra reforçou a avaliação de que a política de avaliação de políticas públicas vai garantir que o governo possa tratar também do corte de gastos a partir do próximo ano. Ela voltou a dizer que, para o atual momento, sua preocupação é com a qualidade do gasto público, e não com as tesouradas.
“Eu que sou mais fiscalista e liberal não tenho preocupação nesse ano com corte de gastos públicos.

Agora é hora de pensarmos na qualidade (…) E a partir do ano que vem, com a secretária de avaliação de políticas públicas, nós começaremos a falar também de cortes”, disse Tebet, para quem a equipe econômica tem “muita frente” a partir do próximo ano para garantir a meta de déficit zero, não apenas pelo lado da arrecadação.

Ela destacou que a criação de grupos de trabalho que vão se debruçar sobre a qualidade do gasto em políticas como o Bolsa Família, além dos benefícios previdenciários e do BPC. “Lembrando que já tomamos duas medidas que já são públicas, hoje baixei portaria criando grupo de trabalho para a terceira, onde os ministérios estão envolvidos não só na análise de fraudes e erros do Bolsa Família, como também o grupo de trabalho para enfrentar a denúncia pelo TCU em relação a possíveis erros e fraudes nos benefícios previdenciários de BPC, aposentadoria”, disse Tebet.

“A esteira da receita tem que andar de forma mais acelerada nesse ano, mas a partir do ano que vem a esteira do controle, da qualidade de gastos, vai andar na mesma velocidade da esteira da receita”, afirmou Tebet, que reforçou na entrevista a capacidade de trabalho conjunto entre o Planejamento e a Fazenda.

“Equipe econômica do governo Lula tem autonomia para trabalhar e sabe onde quer chegar”, disse a ministra, ressaltando ainda sua relação com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Aquilo que nos une é infinitamente maior do que o que nos separa. Haddad tem capacidade de ouvir com muita educação e equilíbrio, e isso nos une”, afirmou.