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Cidades do Vale do Taquari contabilizam estragos e repensam futuro

O cenário que se vê após a catástrofe mais recente é o de uma zona de guerra, com pontes destruídas, casas em ruínas, entulho e lama acumulados por todos os lados

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20 de maio de 2024
Vinicius Palermo
Cidades do Vale do Taquari contabilizam estragos e repensam futuro
Cenário do Vale do Taquari é de destruição.

Em apenas oito meses, três enchentes históricas arruinaram cidades inteiras da região do Vale do Taquari, que abrange dezenas de municípios na região central do Rio Grande do Sul, com forte presença da agricultura familiar e uma agroindústria até então pujante.

O cenário que se vê após a catástrofe mais recente é o de uma zona de guerra, com pontes destruídas, casas em ruínas, entulho e lama acumulados por todos os lados, e a população abalada. A tragédia no estado começou no final de abril e as cheias dos rios afetaram praticamente todos os municípios gaúchos.

A reportagem percorreu, no domingo (19), parte do Vale onde ainda há bloqueios e restrições de acesso a cidades como Roca Sales e Arroio do Meio, que estão entre as mais devastadas. Até pouco mais de uma semana atrás, nem mesmo as rodovias importantes, que conectam a capital ao interior, como a BR-386, estavam totalmente liberadas, devido a inundações na pista.

Uma das cenas que viralizou na internet, durante os dias trágicos de cheia, mostrava justamente a ponte da rodovia federal sobre o Rio Taquari, na entrada de Lajeado, praticamente coberta pela água e o caudaloso rio transbordando pelas margens encobrindo fábricas e lojas, incluindo uma unidade da rede Havan e sua icônica réplica da estátua da Liberdade.

Duas semanas depois, as marcas da força da natureza seguem visíveis, com o parapeito de concreto da ponte repleto de galhos e os barrancos às margens do rio com árvores grandes mortas, arrancadas desde a raiz. Uma fábrica de vidros que ficava próxima à ponte, também às margens da rodovia, anunciou pelas redes sociais que mudará de endereço, após ser destruída pela correnteza do rio.

Um pouco mais ao norte de Lajeado, na rodovia que margeia o Taquari, grande parte das casas da área rural está destruída. “Essa enchente de maio foi muito acima do que já tínhamos visto no passado. Em setembro, ela esteve 2,20 metros acima da maior cheia da história, mas agora, no início do mês, ela superou em mais 2 metros a cheia de setembro. O rio subiu 24 metros acima do seu leito normal”, relata Sandro Herrmann, prefeito de Colinas, uma pequena cidade às margens do rio que dá nome ao vale. Somente nesse município, foram mais de 300 casas e 1,4 mil pessoas atingidas diretamente, quase 60% dos pouco mais de 2,5 mil habitantes.

“Essas cheias mostraram que o plano diretor existente não é suficiente e agora, com as novas cotas de inundação, a cidade vai precisar se reformular e se reorganizar em lugares diferentes. Não é só a população ribeirinha que mora nas cotas de enchentes, mas em áreas de encostas de morros também, onde tivemos 30 famílias que sofreram com deslizamentos”, aponta.

O estudante Leonardo Friedrich conta que as enchentes deixaram um rastro de destruição em sua cidade natal, Arroio do Meio, e que ele evita até ver os vídeos que circularam nas redes sociais.

“O relato que a gente tem é que não tem mais nada. Hoje, eu moro em Lajeado, mas os vídeos que eu menos vi foram os de Arroio do Meio, é o lugar que tu conhece, e ver tudo destruído é complicado. Amigos que foram atingidos eu tenho em todas as cidades próximas, e todos falam a mesma coisa: que lugares onde a água nunca tinha chegado, desta vez cobriu o teto”.

A preocupação agora é com o futuro econômico de toda uma região. “A gente pensa como as empresas vão conseguir se manter. Vão ter que remanejar bairros, por exemplo, o centro de Arroio do Meio eu não sei se poderá ficar ali mais”.

“Não tem quem não fique abalado. Se a pessoa não pegou água, ela vai se desestruturar de outras formas, a gente vê as pessoas sofrendo”, diz a fisioterapeuta Mariana Cásper, namorada de Leonardo. “Moradia, saneamento básico, acesso. É difícil pensar no que resolver primeiro, no que dar mais atenção, é tudo muito complexo”, acrescenta.

Para o prefeito de Colinas, Sandro Hermann, o futuro econômico do município que ele governa é incerto, já que comércios e indústrias locais ainda estavam se recuperando das cheias de setembro.

“A gente não sabe como as empresas vão suportar, porque são negócios que foram atingidos duas, três vezes já por cheias e perderam todos os seus estoques, perderam todas os seus equipamentos e nós ainda não conseguimos resolver a questão dos financiamentos para as empresas da cheia de setembro. Faz nove meses, então é difícil para o empreendedor buscar forças para retomada da sua indústria, comércio ou serviço”, lamenta Herrmann.

Ele espera que o apoio chegue mais rápido desta vez. Em todo o estado, cerca de 700 mil micro e pequenas empresas foram diretamente afetadas pelas enchentes. Na área agrícola do Vale do Taquari, muitas propriedades rurais foram completamente abandonadas. “As pessoas não querem mais voltar, essa enchente arrasou o emocional das pessoas”, revela o gestor.

Na pequena cidade de Colinas, a Igreja Evangélica Luterana se tornou um ponto de distribuição de donativos, como alimentos, roupas, material de limpeza, cobertores, colchões e água, que vieram de Taió, em Santa Catarina. As pessoas só precisam chegar e pegar o que quiserem. Parte das doações é para crianças, vinda da escola Leopoldo Jacobsen, também do município catarinense.

O presidente da comunidade luterana Corvos e Colina é Marcos Roberto, que teve o próprio sítio atingido pela água. “Consegui salvar meus animais, passei a noite inteira em cima da água com meu barco. Tivemos que morar na igreja durante 5 dias”, descreve.