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Cid vendeu relógios e outros presentes avaliados em US$ 10 mil

A Polícia Federal chegou aos objetos após analisar os dados encaminhados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos via cooperação internacional.

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10 de julho de 2024
Vinicius Palermo
Cid vendeu relógios e outros presentes avaliados em US$ 10 mil
O ex-ajudante de ordens da Presidência, Mauro Cid.

Fora os R$ 6,8 milhões em joias e presentes que teriam sido desviados em benefício do ex-presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid vendeu dois relógios, uma caneta e um conjunto de abotoaduras que ganhou, enquanto ex-ajudante de ordens da Presidência, em viagem oficial ao Oriente Médio, em outubro de 2019. Os itens vendidos por Cid foram avaliados em mais de US$ 10.150,00.

A Polícia Federal chegou aos objetos após analisar os dados encaminhados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos via cooperação internacional. Segundo o delegado Fábio Shor, que assina o relatório final do inquérito das joias sauditas, o delator confirmou ter recebido os presentes e os vendido nos Estados Unidos. Cid narrou que a Comissão de Ética da Presidência da República autorizou o servidor a ficar com os presentes. A PF não menciona a data de tal decisão.

Com base no acordo de auxílio jurídico com os EUA, a Polícia Federal pode analisar trocas de e-mail entre Cid e a loja BOB’s Watches. O ex-ajudante de ordens da Presidência negociou com a empresa a venda de um relógio Ebel Sport Classic, modelo 1216432, avaliado em US$ 4,150,00. Segundo a PF, Cid ganhou o relógio em outubro de 2019, na mesma viagem em que o então presidente Jair Bolsonaro ganhou o ‘kit de ouro branco’ – um dos conjuntos de joias no centro do esquema investigado.

Os diálogos entre Cid e a BOB’s Watches ocorreram em dezembro de 2019, após Cid preencher um formulário na página da empresa para interessados em venderem relógios. Segundo a Polícia Federal, ao preencher o formulário, Cid usava um endereço de IP – espécie digital de um dispositivo que acessa a internet – “associado às redes vinculadas ao Palácio do Planalto”.

No entanto, nas mensagens, o tenente-coronel diz que o bem está em Temecula, na Califórnia. A Polícia Federal suspeita que Cid levou o relógio para os EUA em uma viagem realizada entre 21 de novembro e 8 de dezembro de 2019, deixando o objeto na casa de seu irmão.

A PF ainda acessou as negociações entre Cid e a loja Crown and Caliber para a venda de um kit relógio Girard Perregaux Earth to Sky Edition. Nos e-mails, Cid diz que recebeu o conjunto, formado por um relógio, caneta e abotoaduras, durante uma viagem ao Oriente Médio. A loja estimou o preço da venda do conjunto em US$ 5,5 mil a US$ 6 mil.

Tais negociatas ocorreram às vésperas do Natal, em 23 de dezembro de 2019. Nos e-mails, a loja diz que recebeu a solicitação de venda do relógio e faz uma oferta sobre o conjunto. De acordo com a PF, o ex-ajudante de ordens chegou a fazer avaliações de preço em outras lojas.

O sistema da empresa registra o negócio com Cid em 18 de dezembro de 2019, confirmando que o tenente-coronel foi pago. O valor em dinheiro pela venda teria sido de US$ 3,6 mil.

Em depoimento à Polícia Federal (PF), o ex-secretário da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes afirmou que tratou com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre a apreensão das joias sauditas no Aeroporto de Guarulhos (SP) em ao menos duas ocasiões. Na primeira conversa sobre o tema, o então presidente questionou se Vieira Gomes sabia algo sobre a retenção dos brilhantes. O secretário respondeu que desconhecia a questão, mas prometeu a Bolsonaro que “iria pesquisar” a respeito. Dias depois, o chefe do Executivo perguntou a Vieira Gomes o resultado da apuração.

A informação consta no relatório da investigação da PF sobre o caso das joias sauditas. Além de Jair Bolsonaro, outros 11 aliados foram indiciados pela corporação – entre eles, o próprio Vieira Gomes e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do presidente. Segundo a Polícia Federal, foi Cid o destinatário das informações colhidas por Vieira Gomes. O secretário acionou servidores da Receita para levantar os dados solicitados por Jair Bolsonaro.

“Ao final da reunião, o Presidente da República questionou ao declarante (Julio Cesar Vieira Gomes) se tinha ciência de alguma apreensão da Receita Federal decorrente de uma viagem para Arábia Saudita”, diz o relatório da PF, citando o depoimento do ex-secretário à corporação.

Esta reunião, segundo Vieira Gomes, foi realizada na primeira quinzena de dezembro de 2022, nas dependências do Palácio do Planalto. “O declarante respondeu que não tinha ciência, mas que iria pesquisar”. Em 27 de dezembro, em uma nova reunião com o presidente, já nos últimos dias de gestão, o assunto veio à tona novamente.

Além do depoimento em que admite que o então presidente o impeliu a agir sobre a apreensão dos presentes, uma troca de mensagens interceptada pela PF indica que o ex-secretário e Mauro Cid pretendiam “recuperar os bens” retidos.

Os advogados de Jair Bolsonaro alegam que os presentes recebidos pelo ex-presidente seguiram um protocolo rigoroso de tratamento e catalogação pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH), em um trâmite sem influência do ex-chefe do Executivo. Já a defesa de Vieira Gomes pontua que as conclusões do inquérito da PF “são tecnicamente equivocadas”.