O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse na segunda-feira, 10, que a taxa real neutra de juros no Brasil tem caído ao longo do tempo, mas continua mais alta do que a de outros países emergentes. No curto prazo, no entanto, ele reconheceu um aumento do juro neutro.
“Quando olhamos no curto prazo, ele está subindo um pouco, então precisamos entender, endereçar isso”, disse o presidente do BC, em um webinar organizado pela Constellation Asset.
O BC estima que a taxa real neutra de juros do Brasil seja de 4,5% ao ano, mas espera-se que possa haver uma revisão desse número no relatório Trimestral de Inflação (RTI) que será publicado no dia 27. Economistas do mercado falam em um juro neutro de 5% até 6%.
Campos Neto disse que o juro real do Brasil é, hoje, bem mais próximo dos pares do que dez anos atrás. Ele lembrou que as reformas aprovadas nos últimos anos não foram revertidas, o que pode ter ajudado a reduzir a taxa. “As pessoas falam do fato de que o juro das NTN-B está em 6,2%, mas, um tempo atrás, ele ficou por um bom tempo entre 12% e 13%”, disse. “Quando você coloca as coisas em perspectiva, olha em um prazo maior, as coisas no geral estão convergindo.”
O presidente do Banco Central afirmou também que a mudança da classificação das expectativas de inflação de “reacoragem parcial” para “desancoradas” foi um dos pontos para a redução do ritmo de cortes da taxa Selic.
Apesar da conjuntura de desancoragem das expectativas, o banqueiro central frisou que os números recentes de inflação vieram um pouco melhores na margem, e com o cenário de inflação subjacente próximo ao imaginado. “Especialmente a inflação de serviços relacionada a áreas de trabalho intensivo”, detalhou.
A autoridade monetária, disse, está fazendo um trabalho detalhado de observar o comportamento de serviços para verificar se está ocorrendo uma correlação entre a intensidade do mercado de trabalho e os preços, mas por enquanto isso não foi verificado. Campos Neto, porém, salientou que o mercado de trabalho está muito apertado.
O presidente do Banco Central disse também que a dúvida sobre a capacidade de harmonizar as políticas monetária e fiscal no Brasil é o principal risco percebido no País no curto prazo. No longo prazo, ele mencionou a dificuldade de aumentar a produtividade.
“A maior percepção de risco no Brasil está relacionada à capacidade de chegar a um sistema em que haja harmonias na políticas fiscal e monetária, é nisso que as pessoas se concentram no curto prazo”, comentou Campos Neto.
No longo prazo, ele mencionou uma dificuldade de aumentar a produtividade do País. “Nós focamos muito no curto prazo”, afirmou. Ele avaliou o que o desemprego baixo do Brasil pode ser consequência dos efeitos da reforma trabalhista. Campos Neto defendeu que medidas de tecnologia, a exemplo do Pix, podem aumentar a produtividade.
O presidente do Banco Centra afirmou ainda que se o consumo das famílias continuar a subir sem estar acompanhado por ganho de produtividade, em algum momento haverá impacto sobre a inflação.
O banqueiro central ponderou que a dinâmica do mercado de trabalho atual explica por que o crescimento verificado na atividade econômica está tão atrelado ao consumo das famílias.
Campos Neto reafirmou, no entanto, que, embora o desemprego esteja muito baixo no País, até agora ainda não houve impacto do mercado de trabalho sobre a inflação de serviços.
O presidente do Banco Central repetiu que a política fiscal é absorvida pela autoridade monetária apenas na medida em que tem impacto em variáveis econômicas que influenciam a sua função-reação. “Não é trabalho do BC tratar disso”, afirmou, em um webinar organizado pela Constellation Asset. “O importante para nós não é o fiscal em si, é o que o fiscal significa para as variáveis macroeconômicas que afetam a nossa função-reação.”
Campos Neto acrescentou que as expectativas fiscais do mercado – por exemplo, para o déficit primário – não têm piorado. No entanto, levantamentos qualitativos, como o Questionário Pré-Copom, têm mostrado uma piora da percepção.
Para ele, isso significa que o Brasil precisa sinalizar sustentabilidade para a sua trajetória de dívida.
O presidente do BC acrescentou que o quadro fiscal está negativo no mundo inteiro e lembrou que o Brasil aprovou um novo arcabouço. “O que o mercado está questionando é a capacidade do governo de cumprir o arcabouço”, disse.
O presidente do Banco Central afirmou também que a grande questão agora, compartilhada por outros bancos centrais pelo mundo, é o porquê das condições financeiras estarem tão frouxas se os juros estão tão altos. Ele frisou que a inflação de serviços segue acima da meta e o mercado de trabalho apertado em muitos lugares.
Ponderou que, apesar de permanecerem com o mercado de trabalho forte, a maioria dos países emergentes registraram alguma convergência na inflação de serviços, diferente do que ocorre nas economias avançadas.
A dinâmica do mercado de trabalho, afirmou, gera preocupações sobre a inflação de serviços. “Nos preocupamos se isso irá se traduzir em inflação nos serviços ou se explica porque a inflação de serviços ainda está acima da meta na maioria dos lugares”, disse.
Campos Neto acrescentou que há ainda uma preocupação sobre de onde virá a desinflação nos Estados Unidos. “Nós estamos vendo uma desaceleração agora na margem na indústria, mas ainda assim, os números são fortes. No mercado de trabalho, ainda vemos números fortes em serviços.”
No mesmo evento, o presidente do Banco Central afirmou que embora a inflação de energia e alimentos esteja convergindo na maioria dos lugares, a inflação de alimentos está um pouco mais alta recentemente em nível global. “Isso não está acontecendo apenas no Brasil, estamos olhando para outros países e está acontecendo o mesmo”, disse.
O banqueiro central destacou que o movimento coincide com dados que indicam o aumento de anomalias em termos de temperatura no planeta nos anos recentes, com destaque para 2023 e 2024.
Campos Neto afirmou ainda que a transição verde é importante e precisa ser feita, mas representa um desafio para as empresas no curto prazo, porque pode significar custos mais elevados do lado da produção.
“Nós tivemos uma reunião outro dia sobre como podemos tornar, por exemplo, os negócios de entregas mais ecológicos, e o custo é muito maior porque precisamos trocar caminhões e mudar a forma como fazemos muitas coisas”, disse ele.
A pressão sobre os custos de produção da fragmentação das cadeias globais também é outro ponto de preocupação do BC, acrescentou o presidente do BC.