Economia
Solução

Campos Neto diz que juro do rotativo é um problema complexo

Campos Neto repetiu que o uso do parcelado sem juros cresceu bastante, bem como a quantidade de cartões emitidos e os limites autorizados.

Compartilhe:
17 de novembro de 2023
Vinicius Palermo
Campos Neto diz que juro do rotativo é um problema complexo
Presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, explicar aos senadores as decisões tomadas pelo BC até agora em relação à inflação e à estabilidade financeira. Foto Lula Marques/ Agência Brasil

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse na sexta-feira, 17, que os juros do rotativo do cartão de crédito são o problema mais complexo que ele enfrentou no comando da autoridade monetária. “É o problema que demoramos mais tempo para entender, ver todas as relações no mundo de meios de pagamento e tentar achar uma solução sem criar nenhum tipo de ruptura no consumo, sem prejuízo para consumidores e lojistas. Queremos evitar que essa bola de neve estoure e crie uma ruptura no padrão do uso de cartões”, comentou.

Campos Neto repetiu que o uso do parcelado sem juros cresceu bastante, bem como a quantidade de cartões emitidos e os limites autorizados. “Curiosamente, quando você pega as pessoas que têm mais cartões é exatamente onde há maior inadimplência”, destacou o presidente do BC.

Ele lembrou que, se o mercado não chegar a um entendimento, a lei aprovada recentemente irá limitar automaticamente os juros do rotativo, mas com impacto pequeno nas taxas cobradas atualmente.
“Falhamos em encontrar um acordo (até agora), mas ainda buscaremos um entendimento. Não quero ser pessimista, estamos trabalhando em uma solução intermediária”, concluiu Campos Neto.

O presidente do Banco Central disse que há uma diferença grande entre o que o mercado acha que é possível fazer no fiscal e o que o governo tem prometido. “O Brasil é sempre uma história fiscal. Tem uma conversa muito grande em torno de se manter ou não a meta de primário. A nossa posição é de que é importante manter a meta. O mercado acredita que haverá dificuldade para atingir a meta, mas é importante insistir”, afirmou.

Campos Neto lembrou que o novo arcabouço fiscal tem previsões do que acontece quando não se cumpre a meta. Ele repetiu que, mesmo com a nova regra fiscal, o Brasil ainda terá um gasto acima da média do mundo emergente.

“Tenho me juntado ao coro do Ministério da Fazenda de que é importante insistir na manutenção da meta e buscar as receitas. O volume de recursos necessários é bastante grande, e será necessário buscar receitas também em 2025 e 2026”, completou Campos Neto.

O presidente do Banco Central disse que a inflação no Brasil tem convergido dentro do esperado e avaliou que o câmbio tem se comportado bem. “Últimos números de inflação tiveram uma qualidade melhor na parte de núcleos, mas temos um desafio ainda”, disse.

E acrescentou: “Recentemente o dólar se fortaleceu, mas o real tem se comportado melhor que outras moedas. Sempre tem o argumento do diferencial de juros, e entendemos que ainda há espaço. Não é uma queda de juros que tenha uma reversão grande no câmbio.”

Segundo Campos Neto, o diferencial de juros do Brasil com os Estados Unidos está em um nível baixo, se comparado com a média dos últimos anos. “Mas entendemos que tem também um diferencial de risco, e nos EUA o fiscal piorou muito”, completou.

O presidente do Banco Central avaliou ainda que os países emergentes tiveram reação “surpreendente” à alta de juros dos Estados Unidos, mas manteve o alerta sobre o efeito cumulativo desse movimento.

“O yield americano colou no yield dos emergentes pela primeira vez em muitos anos. Os emergentes tiveram um comportamento muito bom nessa crise. A questão é se isso vai ser verdade se esse efeito for cumulativo”, disse ele.

O presidente do Banco Central destacou o aumento da dívida de todos os países, especialmente dos desenvolvidos, no pós-pandemia. “O problema não é nem o nível da dívida dos Estados Unidos, mas onde ela vai parar. É bastante preocupante. Isso significa tirar um montante de liquidez do mundo bastante grande para rolar essa dívida.”

Campos Neto também pontuou a disputa de recursos no mercado global para projetos sustentáveis. Segundo ele, o enfrentamento da mudança climática talvez seja a “prioridade número 1” para diversos governos no momento.

Após reconhecer que errou previsões para o crescimento da economia nos últimos quatro anos, o presidente do Banco Central, repetiu que, talvez, o crescimento estrutural do Brasil tenha subido um pouco pelo efeito cumulativo de reformas. “Existe uma projeção de desaceleração do crescimento daqui para o ano que vem. O mundo vai desacelerar, e temos um pouco de sincronização. Não tem como o mundo não começar a desacelerar com essas taxas de juros globais”, afirmou.

Campos Neto destacou que a performance do Brasil em 2023 foi “bastante boa”. “A situação de crédito começou a melhorar e a inadimplência de pessoas físicas começou a cair”, acrescentou o presidente do BC

O presidente do Banco Central citou ainda as dificuldades da continuação da desinflação global. Ele repetiu que os núcleos de inflação estão caindo, com destaque para a América Latina. “A inflação cheia mundial teve um repique de energia e depois voltou a cair. Havia um entendimento de que, pelos conflitos globais, o preço do petróleo podia subir muito, mas isso durou dois ou três dias e voltou a cair”.

Segundo Campos Neto, entre os riscos para a desinflação está o mercado de trabalho “apertado” no mundo inteiro. “Isso significa que não tem sobra no mercado de mão-de-obra. Há uma subida de salários reais em alguns lugares, portanto, não vai haver uma grande desinflação de salários”, completou.

O presidente do BC relatou dificuldades de vários bancos centrais em calcular o nível de excesso de poupança. Por isso, não é esperado que o fim dessa poupança acumulada durante a pandemia atue como um freio para o consumo. “Outro argumento para a desinflação global era que o preço das commodities iria cair, mas talvez isso não seja tão fácil assim. Temos um conflito grande no Oriente Médio que gera volatilidade grande, e se o Irã entrar na guerra pode haver outros desdobramentos”, citou.

Sobre a desinflação de alimentos, Campos Neto argumentou que o mundo entrou em uma “curva exponencial de desastres naturais”. “Não dá para dizer que os preços dos alimentos vão subir, mas dá para dizer que será mais volátil, ou seja, com mais incerteza. Por isso precisamos prestar atenção”, destacou.

Outro fator para a desinflação global seria o fim da reorganização das cadeias produtivas internacionais. “Só que essa reorganização, com friendshoring, tem significado mais custo para as empresas. Do lado de custos, temos esse desafio”, completou.